Mariana Nunes, 39 anos, é formada na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, fez Oficina de Atores da Globo e estudou interpretação no Instituto del Cine de Madrid. A atriz já viveu na TV e no cinema muitas mulheres fortes. Integrou a companhia Coletivo Irmãos Guimarães, atuando em Luz Menos, Respiração Embolada e Cirandas, As Quatro Estações das Flores.
Interpretou a personagem Mariana no filme Alemão e participou das séries A Cura e Carcereiros. No ano passado, atuou nos três primeiros episódios de Segunda Chamada e protagonizou Teresa em Vítimas Digitais, no GNT.
Neste ano, entrou para o elenco de Amor de Mãe, na Globo. Protagonizou também Um Dia Qualquer, do canal SPACE – na trama, sua personagem Penha foi mulher de um traficante, mas, após sua morte, se afasta da vida clandestina para se reerguer como mãe solteira de sua família. Ela vê nos filhos sua maior chance de redenção − uma história que retrata a vida de muitas mulheres negras e moradoras de favela no Brasil.
Apesar da trajetória de sucesso, a brasiliense faz uma reflexão: “O negro só terá conquistado de fato seu espaço na dramaturgia quando tiver pelo menos a metade dos elencos das novelas, filmes e peças teatrais formados por atores pretos interpretando diferentes papéis, e não somente dando vida a bandidos ou empregados. Quando ele tiver conquistado o seu espaço em igualdade de condições com o branco, todos nós (brancos e negros) perceberemos essa mudança, pois as relações de poder serão completamente diferentes das que temos hoje. Mas ainda falta muito…”, lamenta.
A seguir, ela fala sobre representatividade e empoderamento.
OFÍCIO
“Atuar é como uma condição natural: se nasce com ela.” É assim que Mariana enxerga o ofício de atriz. Aluna de gigantes das artes cênicas, como Tulio Guimarães e Rachel Mendes, ela precisou aprender, desde cedo, a administrar as adversidades da carreira.
Quando decidiu enfrentar as grandes metrópoles, como Rio e São Paulo, ouviu muitos nãos ao longo do caminho. No entanto, mulher forte e empoderada, a brasiliense jamais se abateu. O resultado? Um currículo profissional de tirar o chapéu!
Ela coleciona inúmeros prêmios em festivais de cinema. Atuou em nada menos do que dez longas, com destaques para Zama, the Birth of the Legend e São Jorge. Na TV, sua trajetória também é marcante. Além dos trabalhos mencionados no início da matéria, ela atuou em Mulheres Apaixonadas (2003), O Brado Retumbante (2012), Dupla Identidade (2014) e Liberdade, Liberdade (2016).
O NEGRO E A DRAMATURGIA
Para a atriz, o imaginário existente sobre os personagens negros é limitado: “Ainda é pequeno o número de personagens negros protagonizando histórias no cinema e na televisão. Na vida real, nós ocupamos diferentes lugares na sociedade, temos diferentes profissões e histórias. Falta criatividade para nos representarem nas telas. Falta ousadia. Nem toda história de pessoa negra é sobre superação”, enfatiza.
POSICIONAMENTO POLÍTICO
Mariana fez trabalhos com forte viés político, como Liberdade, Liberdade, mencionado anteriormente, Alemão e O Mecanismo: “Todo trabalho, mesmo que não fale diretamente de questões sociais, está se posicionando politicamente. Quando você escolhe a cor dos personagens, a classe social, o nível financeiro, a forma como essas pessoas se relacionam ou enxergam os outros, você está escolhendo falar de algum recorte político específico. Isso vai produzir algum posicionamento. Acho que tudo o que você põe no mundo acaba expondo alguma posição. Não dá pra ficar em cima do muro”.
Ela completa: “E isso pode ser feito de maneira tranquila e sem desrespeitar quem pensa de forma diferente. Até porque não acho que expor sua opinião seja desrespeitoso com quem pensa diferente. Há de se ter espaço para o diferente, mas há de se ter, principalmente, bom senso”.
MERCADO DE TRABALHO VERSUS PROFISSIONAIS NEGRAS
A atriz reconhece que, embora tenha mudado e evoluído, em algumas situações, o mercado ainda é hostil com as mulheres negras: “Sim, ainda vejo certa hostilidade. Mas nós temos sido bem mais inteligentes que o mercado, porque estamos observando todos os novos movimentos. Percebemos quando uma marca ou produto audiovisual ’usa’ personalidades ou personagens negros somente para ‘constar’, como se estivessem dizendo ‘Olha, nós não somos racistas!’. Só dizer isso e continuar mantendo práticas racistas internas não resolve o problema. Nós, artistas negras, estamos atentas e em contato umas com as outras. Tudo o que acontece com uma, as outras ficam sabendo. Quando as mulheres negras, que são a base da pirâmide social, se movem, toda a sociedade é obrigada a repensar. E nós estamos nos movendo”.
REPRESENTATIVIDADE
Para Mariana, a consciência sobre representatividade negra deveria se espalhar por todas as artes, sobretudo em um País onde os investimentos em educação quase sempre são ameaçados: “A cultura é uma importante ferramenta de transformação social. Por isso é tão fundamental que a TV, o cinema e o teatro possam mostrar variadas possibilidades para diferentes pessoas. Nossa sociedade está em constante movimento. São infinitas as possibilidades para personagens femininas, negras retintas e gordas, por exemplo. Precisamos ver essas possibilidades nas telas e palcos”.
Sobre ter perdido oportunidades na carreira por ser negra: “Acho que todos os artistas negros deixam de ganhar oportunidades quando só podem interpretar um personagem se vier definido: ‘negro’. Se o personagem vem com essa predefinição significa que estou perdendo a chance de fazer todos os outros personagens. Mas, se um personagem não é fisicamente predefinido, qualquer um pode fazer, magro ou gordo, negro ou branco”.
A personagem Penha, na série Um Dia Qualquer, reflete a realidade de muitas mulheres periféricas. Porém, a discussão sobre representatividade nas telas gera embates. De um lado, é aprovado o aumento de personagens com esse perfil. De outro, há uma crítica pelo abuso de estereótipos.
A atriz declara como enxerga a situação: “Acredito que temos muitos personagens estereotipados, tanto periféricos e favelados como ricos, madames ou patricinhas do asfalto. Isso em si não é o problema. O problema é quando o personagem não passa dessa primeira camada. A Penha, antes de qualquer coisa, é uma mulher que quer encontrar seu filho. A relação de uma mãe com a perda de seu filho independe de classe social ou profissão. O grande salto para a melhora desses personagens é trazer camadas mais profundas e mais complexas para as relações que eles vivem. A construção de personagens com dramas mais humanizados é fundamental para essa evolução”, termina.
EMPODERAMENTO
Segundo a atriz, o empoderamento acontece nas pequenas coisas do dia a dia: “É muito valioso quando você se permite dizer o que pensa e o que sente, e deixa claro quando uma situação não está boa para você. Todas nós merecemos viver de forma plena, sendo as protagonistas da nossa própria história. Nunca devemos deixar que o outro nos diga o que é certo ou errado para a nossa vida, como devemos nos comportar, o que devemos ser, como devemos falar ou como devemos nos vestir. Nossos saberes e nossas experiências são valiosíssimos! Para mim, o empoderamento é acreditar no poder da nossa própria voz”, enfatiza.
ISOLAMENTO SOCIAL
Ela tinha muitos projetos engatilhados quando veio a pandemia e, consequentemente, o isolamento social. Sobre o impacto dessa fase na cultura, Mariana fala: “Eu estava em Amsterdã para lançar A Morte Habita à Noite, no Festival Internacional de Rotterdam, quando me chamaram para interpretar a Rita em Amor de Mãe. Eu já tinha outros dois trabalhos engatilhados. Do nada, acabou tudo. Mas, com o tempo, vi que não depende da gente. É uma coisa maior. É lamentável e triste, mas vai passar. Estou fazendo vários vídeos para o Instagram, sigo engajada nas causas sociais, ando assistindo a filmes… A vida deve voltar ao normal mesmo só no ano que vem, né?”, encerra.