O conceito de infância e adolescência é relativamente novo. Até o século XIX, as crianças eram vistas como pequenos adultos, com deveres e responsabilidades equivalentes aos dos mais velhos. Elas trabalhavam, ajudavam nas tarefas domésticas e eram cobradas como se tivessem maturidade emocional e intelectual, sem qualquer proteção ou cuidado especial.
Hoje, sabemos que essa fase da vida precisa ser protegida e amparada. Com os avanços da ciência, entendemos melhor o desenvolvimento do cérebro infantil, a importância do brincar e da exploração, e como o afeto e a segurança contribuem para a formação saudável de habilidades cognitivas, sociais e emocionais.
Mas, mesmo com todo esse conhecimento, um comportamento preocupante ameaça essa proteção: a adultização, que vem se tornando cada vez mais visível, especialmente nas redes sociais.
O tema ganhou destaque depois que o vídeo do youtuber Felca viralizou, denunciando casos de exploração sexual infantil e os efeitos das redes sociais sobre crianças e adolescentes. Para especialistas, a repercussão do vídeo evidencia um problema que já preocupa há anos, mas que normalmente recebe pouca atenção fora de consultórios médicos e escolas.
O que é adultização?
Adultização refere-se a crianças e adolescentes que passam a adotar comportamentos e atitudes típicas de adultos precocemente. Nas redes sociais, isso se manifesta de diversas formas:
- Crianças fazendo skincare e rotinas de beleza complexas, muitas vezes, copiando influenciadores
- Meninas realizando danças sexualizadas e reproduzindo padrões de sensualidade que não correspondem à sua idade
- Meninos imersos em jogos violentos ou consumindo conteúdos pornográficos
- Preocupação excessiva com seguidores, likes e aparências
“A infância está sendo encurtada. A medicina evoluiu para que vivamos mais, mas a fase mais importante para o desenvolvimento humano continua tendo o mesmo tempo e está sendo corroída por conteúdos e pressões que não pertencem a ela”, alerta o pediatra Paulo Telles, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
A carga emocional das redes sociais
O cérebro infantil ainda não está preparado para lidar com a complexidade de temas e estímulos do mundo online, e os impactos podem durar anos. Anna Bohn, pediatra da SBP, alerta que essa exposição precoce contribui para uma geração permeada por ansiedade, depressão e dificuldade de concentração.
“As crianças perdem tempo de brincar, de explorar, de se relacionar, e internalizam padrões distorcidos de beleza, sexualidade e comportamento. Isso aumenta o risco de isolamento e de vínculos prejudiciais no futuro”, explica Anna.
Sinais para ficarmos de olho
É fundamental que pais e professores fiquem atentos a mudanças de comportamento que podem indicar exposição precoce a conteúdos inadequados:
- Agressividade ou apatia súbita
- Insônia ou medo excessivo
- Curiosidade precoce sobre sexualidade
- Ansiedade relacionada à aparência ou ao desempenho online
Supervisione!
- Adie o uso de celulares próprios até os 13 anos
- Postergue o acesso a redes sociais para após os 16 anos
- Crie espaços de diálogo sobre segurança online e limites
Professores e escolas devem apoiar, mas não substituir a família na proteção. Além disso, é importante que a família converse sobre valores, segurança digital e o que é adequado ou não. Quanto mais diálogo houver, mais segurança a criança terá para procurar ajuda caso se depare com algo inadequado.
Deixar a criança ser criança
Proteger a infância é mais do que limitar o tempo de tela. Significa oferecer experiências que estimulem a curiosidade, o brincar, a socialização e o desenvolvimento emocional. Pais e educadores precisam estar atentos, orientados e engajados, criando uma rede de proteção consistente que permita que crianças e adolescentes vivam plenamente cada fase da vida.
Somente assim será possível garantir que a infância seja um período de descobertas, afetos e aprendizado, longe da pressão de comportamentos e responsabilidades que os olhos dos pequenos ainda não alcançam.
A matéria acima foi produzida para a revista AnaMaria Digital (29 de agosto). Se interessou? Baixe agora mesmo seu exemplar da Revista AnaMaria nas bancas digitais: Bancah, Bebanca, Bookplay, Claro Banca, Clube de Revistas, GoRead, Hube, Oi Revistas, Revistarias, Ubook, UOL Leia+, além da Loja Kindle, da Amazon. Estamos também em bancas internacionais, como Magzter e PressReader.
Leia também:
Adultização: conheça os principais pontos do vídeo de Felca – e o novo projeto de lei em pauta!