A gestação é um momento idealizado por muitas mulheres. Chá de Bebê, comemorações com os amigos e familiares, ida à maternidade… Entretanto, durante a pandemia da covid-19, todas essas expectativas acabaram abrindo espaço para um cenário de frustração, medo e incertezas.
“É muito comum, nesse período da pandemia, os sentimentos de luto pelas sensações de perda em vários níveis: a perda daquele projeto de vivenciar a gestação, o parto e o puerpério de um jeito que se esperava, de um jeito que você gostaria de oferecer para esse bebê e para si mesma como experiência”, explica Josie Zecchinelli, psicoterapeuta perinatal e fundadora do Instituto Maternidade Consciente.
A profissional aponta que o cenário é capaz de aumentar a sensação de estresse e ansiedade, especialmente nas gestantes, além de reduzir os recursos para lidar com o preparo e a ausência presencial da rede de apoio. “Se antes as grávidas iriam vivenciar a gestação como um período saudável da vida, agora o medo da patologia está muito mais próxima delas”, completa.
Por outro lado, são essas as mulheres responsáveis por gerar um pouco mais de vida em um momento de tantas mortes. São elas que trazem uma dose de alegria e sorrisos em meio às dores e, com a chegada de seus bebês, enchem o mundo de esperança de que tudo isso passará.
Entre elas estão Clara, Cristiane e Thamires, cada uma com histórias diferentes. Essas mulheres provam que, tomando todos os cuidados necessários (com a saúde física e mental!) e abusando da criatividade, é possível curtir a gravidez e trazer um bebê cheio de saúde para um mundo como esse. AnaMaria Digital reuniu essas narrativas reais e inspiradoras, e ao final, conselhos para administrar os desafios trazidos pela pandemia.
“Apesar de não ser como eu gostaria, ainda têm outros meios pra não ter que abdicar totalmente… para tudo tem um jeito”
Clara Viana é criadora de conteúdo digital e, há 8 meses, espera a chegada da primeira filha, Beatriz. Por definição própria, utiliza as suas redes sociais para incentivar mães a viverem uma maternidade real e a compartilharem as suas experiências. Foi com essa motivação e uma boa dose de criatividade que conseguiu driblar as restrições impostas pela pandemia e comemorar cada um dos momentos da gestação – sempre mantendo os cuidados necessários para a proteção da família, é claro.
A descoberta da gravidez veio poucos meses após o casamento, em agosto, um dos momentos mais críticos da pandemia até então. Desde o começo, Clara fez da internet uma grande aliada para que todos os amigos e familiares pudessem acompanhar os momentos especiais da nova mamãe. “Eu não podia montar uma caixinha fofinha e levar na casa de cada um para fazer uma surpresa, então eu acabei contando a novidade pra todo mundo através de vídeo. No mesmo dia que descobri, contei pra minha família em uma chamada no WhatsApp, fui chamando um a um”, conta.
No Chá Revelação, Clara foi além e decidiu contar o sexo do bebê através de uma live no Instagram, deixando para comemorar pessoalmente apenas com os parentes mais próximos. Uma boa dica utilizada pelo casal foi, ao invés de fazer um Chá de Fraldas presencial, foi organizar um evento virtual.
Nele, os convidados puderam adquirir os presentes virtualmente no local cadastrado e enviar diretamente aos futuros papais. “Eu não quis ganhar nenhum presente físico, justamente para ninguém ter que sair de casa para comprar e ainda para não precisarmos ficar abrindo presente, levando, transportando para casa…”, acrescenta.
Clara Viana, futura mãe da Beatriz. Crédito: Arquivo pessoal
Mesmo com tanto jogo de cintura, Clara também enfrentou algumas dificuldades ao vivenciar a gravidez no período de pandemia – principalmente quanto à saúde mental. “O atual momento já não é fácil para ninguém, só que passar por isso dentro de uma gestação, que já é uma condição muito nova também, incerta, hormônios à flor da pele (…) Somando tudo isso é muito difícil, tem que trabalhar muito a mente!”.
Entre as saídas encontradas pela influenciadora digital, que já enfrentava questões psicológicas anteriormente, foi a busca por terapia e o uso de medicamentos fitoterápicos – tudo mediante às recomendações da obstetra. Outro caminho interessante foi manter contato com outras gestantes, através de um grupo no WhatsApp.
“O que eu tenho feito para dar uma aliviada no estresse e na ansiedade, sem dúvidas, foi esse grupo. A gente vê que não está sozinha, que várias outras mães estão passando pela mesma coisa e às vezes até coisas piores. Usamos ali para trocarmos experiências, dores, angústias…”, explica.
Estando a poucas semanas de dar a luz à Beatriz, cujo nome foi escolhido pelo significado “aquela que traz felicidade”, a futura mamãe diz que não vê a hora de poder apresentar o mundo à primogênita. “Esses dias, nós estávamos falando aqui em casa. Questionei meu marido: será que a gente vai levar a Bia no zoológico? E no shopping?’. Coisas simples, que antes não dávamos tanto valor, mas que hoje viraram uma expectativa”, finaliza.
“Comecei a ficar com bastante medo, principalmente quando via alguma reportagem sobre o assunto”
Há dois meses, Cristiane Regina trouxe ao mundo o seu tão aguardado Noah. Como outras tantas mulheres grávidas na pandemia, ela não esperava que o pré-natal e puerpério fossem acontecer desta forma, mas hoje comemora, com o filho nos braços, que tudo correu bem. “Como foi uma gravidez muito desejada, queria ter compartilhado minha felicidade com meus amigos e família, me encontrando mais com eles, curtido junto todas as fases e mudanças desse período”, afirma.
A enfermeira relata que o maior desafio enfrentado foi manter a tranquilidade diante de tantas notícias negativas. “No início, até que levei bem, mas no terceiro trimestre comecei a ficar com bastante medo, principalmente quando via alguma reportagem de grávida tendo complicações por causa da covid-19”, detalha.
Cris Regina, mãe do Noah. Crédito: Arquivo pessoal
Com isso, Cris optou por seguir um isolamento social bastante rigoroso, de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Tudo para que pudesse preservar sua saúde e a do bebê. “Me afastei de amigos e familiares, principalmente na reta final, que era quando eu correria mais riscos de complicações”.
O resultado de tanto esforço foi um bebê cheio de saúde, que chegou para completar a alegria do lar. Às mulheres que estão vivenciando a gravidez em um cenário tão complicado, a mamãe de Noah deixa uma mensagem de otimismo: “Se cuidem, fiquem em casa o máximo que puderem. É só por um período, vai passar e é tudo pelo amor da nossa vida, que está chegando!”.
“Eu fiquei em estado muito grave, eles cogitaram tirar o meu neném”
A história da gravidez de Thamires Lima é um verdadeiro caso de superação. Em maio de 2020, grávida de 6 meses e longe da família, foi diagnosticada com covid-19. Como a doença ainda estava no início, não haviam informações suficientes sobre o vírus e recursos para a obtenção de um diagnóstico precoce, até que o quadro piorou e a mamãe de João Guilherme teve que recorrer à ventilação mecânica para sobreviver e preservar a vida do bebê.
Meses depois, a engenheira relembra as incontáveis idas ao posto de saúde, onde foi diagnosticada com uma infecção de garganta. “Na época, eles não testavam quem não estivesse com os sintomas clássicos [febre, tosse e cansaço]. Eu não apresentava esses sintomas, mas eu sentia que estava diferente”, relata.
O tempo passou e, sem o atendimento médico adequado, Thamires desenvolveu outros sintomas, entre eles a perda de olfato e paladar, além de falta de ar. Após a realização de exames de sangue e tomografia, foi encaminhada ao Hospital das Clínicas de São Paulo enquanto aguardava o resultado do exame PCR-RT, que demoraria 48 horas.
Os momentos seguintes passaram muito rápido na vida de Thamires, pois assim que chegou ao hospital, foi transferida para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva). “Eu fui internada em um dia e, no outro, já estava entubada porque os médicos falaram que eu não estava mais respondendo aos tratamentos”, explica.
Thamires Lima, mãe do João Guilherme. Crédito: Arquivo pessoal
O quadro clínico chegou ao momento mais crítico quando a engenheira desenvolveu insuficiência renal aguda (IRA) e chegou à beira da morte: “Eu não sei muito bem o que aconteceu durante a parte em que eu estava em coma, mas sei que fiquei em estado muito grave, tanto que cogitaram tirar o meu neném para poder ficar livre e me medicarem.”
Finalmente, as boas notícias começaram a chegar à vida de Thamires. “Com muita oração e graças aos médicos, que foram excelentes no trabalho deles, comecei a reagir [aos tratamentos]. Com a melhora, eles me tiraram da intubação”, conta com alegria.
O processo de recuperação foi lento e doloroso, especialmente devido aos recursos invasivos utilizados no tratamento da covid-19, além dos danos psicológicos gerados por uma situação tão preocupante. Apesar disso, Thamires e João Guilherme, hoje com sete meses, passam bem. “Eu e meu bebê não tivemos sequelas, ele nasceu 100% saudável. Mas fazemos acompanhamento até hoje. Segundo os médicos, durante seis anos teremos que fazer acompanhamento de seis em seis meses”.
O recado final de Thamires vai para todos aqueles que necessitam de uma dose de fé e esperança em um cenário tão caótico. “Eu quase entrei para a estatística das mortes, mas não fui. Deus me deu a chance de reviver, de continuar nesse mundo e ter o meu filho perto de mim. Eu quero aproveitar cada dia ao lado dele, aproveitar as oportunidades que vou ter daqui para frente”, diz.
COMO LIDAR
A psicóloga Josie Zecchinelli afirma que, apesar da pandemia ser um agente fora do nosso controle, gestantes podem recorrer a outros recursos para administrar os níveis de estresse e garantir uma gravidez mais tranquila.
“Lidar com tudo isso significa, na prática, estar mais atenta a esse autocuidado nos vários níveis da saúde, não apenas da saúde física como se fosse algo separado da saúde mental, mas entender que está tudo muito integrado, principalmente no período peri-natal”, define.
Para além do bem estar, é fundamental manter os cuidados com a mente para evitar complicações e, até mesmo, depressão pós-parto. “É muito importante que haja práticas de regulação emocional e redução do nível de estresse, já que temos muitos estudos que apontam o impacto negativo do estresse sobre a gestação”, alerta.
Segundo Josie, buscar boas fontes de informação e traçar planos bem definidos para a gravidez, parto e puerpério é uma maneira de “diminuir o tamanho do desconhecido”: “Para a nossa mente, ter informação e se antecipar aumentam a sensação de segurança ou a sensação de controle sobre a realidade. Aquilo que é muito desconhecido deixa a gente navegando na incerteza e, portanto, aumenta muito medo e tensão”, diz.
Outra recomendação da especialista é a prática de exercícios físicos, meditação, fisioterapia, dança ou simples técnicas de respiração, em vista à descarga do ciclo de estresse no corpo. Vale lembrar que todas essas atividades podem ser feitas em casa, através de plataformas virtuais, por exemplo.
Por fim, se for o caso, é válido recorrer a um profissional capacitado em psicoterapia. “Um psicólogo perinatal, que tenha conhecimento sobre esse ciclo da vida, pode ser ainda mais protetor neste momento. Se essa pessoa não puder, vale encontrar um profissional com quem realmente se vincule e possa se sentir acolhida, escutada, sem julgamento, com respeito ao momento dela, além de receber um bom manejo terapêutico dessas questões que estão emergindo nesse momento”, finaliza.