“Não queira receber elogios por ter feito nada mais do que sua obrigação.” Ouvi a frase meio estarrecida. Era 1978 e senti pena da minha amiga, que escutou do pai a declaração, após exibir um 10 na prova de matemática.
De lá para cá, muita coisa mudou, principalmente na educação dentro de casa. Atitudes mais duras, com pouco reconhecimento, não agregavam.
Mas o resultado da educação familiar rígida (até com uso de força física e falta de liberdade de expressão) fez a balança pender para o extremo oposto.
Crianças e adolescentes ganharam voz desde cedo e se tornaram o centro das atenções: escolhem o cardápio, direcionam os passeios da família, decidem o que querem ou não fazer… E tudo vira motivo de elogio.
Segundo a psicóloga, psicanalista vincular e psicoterapeuta Andreza Buzaid, vários são os fatores sociais e culturais que explicam o novo padrão de comportamento.
“Até para se autoafirmarem ou terem a sensação de que estão fazendo um bom trabalho, os pais supervalorizam o filho. Pode acontecer até uma espécie de projeção: reforçam o que gostariam de ter sido”, diz ela. Porém, as possíveis consequências podem ser negativas para os filhos.
MEDO DE CONFRONTO E DESAMOR
Entre as possíveis consequências de elogiar em excesso pode estar o medo da rejeição. “Hoje, os pais trabalham muito e têm pouco tempo para ficar com os filhos, o que gera culpa”, argumenta Andreza. “E, nesse pouco tempo, não querem desagradar-lhes ou entrar em conflito para não se sentirem rejeitados”, explica.
IMAGEM PRÓPRIA DISTORCIDA
“Estou fortalecendo a autoestima dele.” Não, não está! Quem superelogia tudo o que crianças e adolescentes fazem contribui para a criação de uma autoimagem equivocada.
“Isso não os transformará em indivíduos confiantes. Ao contrário, terão a falsa impressão de excelência em tudo e não saberão lidar com a frustração de errar ou ouvir que algo que executaram não foi bom o suficiente”, reforça a psicoterapeuta.
Para ela, a supervalorização dos filhos tem efeito rebote: eles crescem sem ter ciência dos próprios “malfeitos” e com a sensação de que não precisam se esforçar para superar nada. O resultado: jovens adultos frágeis e vulneráveis.
FALTA DE COMPROMETIMENTO
Ao sair do ninho, esses jovens sentirão na pele as duras consequências do mundo de faz de contas criado pelos pais.
“Vivemos em um ambiente de muitas cobranças sociais e profissionais. Quando esse adulto em formação não recebe uma orientação correta, sai de casa acreditando que as pessoas na rua também passarão a mão em sua cabeça. E isso não vai acontecer, principalmente no mercado de trabalho”, diz Andreza.
No ambiente corporativo, o empoderamento mal atribuído tem efeito dominó. “Por acreditarem que são excelentes, não aceitam críticas e tornam-se volúveis e sem comprometimento. Diante de qualquer negativa ou confronto até abandonam o posto de trabalho ou desistem da carreira”, aponta.
Segundo a psicoterapeuta, o alto índice de jovens adultos perdidos e desmotivados com a vida pessoal e profissional pode ter como causa esse choque entre o que acreditam ser e o que, de fato, são. “Eles precisam entender: não existe perfeição, mas isso não é motivo para desistirem. E a depressão pode ser o último estágio dessa desconexão entre a autoimagem e como o mundo os enxerga”, diz a especialista.
MEIO-TERMO
Envaidecer-se com os feitos dos filhos é uma alegria que precisa ser compartilhada e comemorada, principalmente quando fica claro o esforço para alcançar uma meta sadia. Aí estamos diante de uma situação de reconhecimento, que merece todos os aplausos. Mas os pais precisam olhar os filhos de maneira realista, percebendo, com o máximo de imparcialidade, pontos negativos e positivos. “Podem e devem valorizar as conquistas, mas sem deixar de estimular a superação e sem desmotivá-los”, explica Andreza.