O sonho de se tornar uma estrela nas redes sociais não é mais exclusivo de adolescentes ou adultos. Cada vez mais crianças têm perfis próprios com centenas (ou milhares) de seguidores, contratos com marcas e rotinas dignas de profissionais de marketing. O que muitas famílias encaram como uma oportunidade de futuro pode, na verdade, representar um risco para o desenvolvimento saudável.
“Mesmo com supervisão dos pais, esse tipo de rotina intensa diminui experiências essenciais para o desenvolvimento neurológico, cognitivo e social”, alerta o pediatra Paulo Telles, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Segundo ele, a infância deve ser um momento de brincadeiras, descobertas e interações reais, não de likes, métricas e cobranças por performance.
O impacto no cérebro infantil
A exposição prolongada a telas não afeta apenas o comportamento imediato, mas literalmente molda a estrutura cerebral dos pequenos. Uma meta-análise de 27 estudos de neuroimagem já demonstrou que o uso excessivo está associado à redução de massa cinzenta em áreas responsáveis por tomada de decisão, controle de impulsos e processamento de recompensas, explica o neurocirurgião André Ceballos, criador da proposta da Lei Tempo de Tela.
A lei prevê a inclusão de informes obrigatórios entre programas de TV e jogos digitais.“Assim como temos avisos de conteúdo em filmes e propagandas, precisamos de alertas claros para proteger a saúde das crianças. O trabalho precoce digital não rouba apenas a infância, ele molda o cérebro de forma nociva”, defende.
“Quando falamos em crianças influencers, existe uma dupla sobrecarga: tempo de tela excessivo, muitas vezes em horários inadequados, e pressão psicológica por desempenho e validação social”, diz. O resultado, segundo ele, pode ser devastador:
- Atenção fragmentada e dificuldade de foco prolongado;
- Prejuízos na memória de trabalho e no aprendizado escolar;
- Risco elevado de ansiedade, depressão e distúrbios do sono;
- Formação de uma identidade baseada apenas na performance online.
Na mira dos haters
Se críticas e comentários negativos já são difíceis para adultos, para uma criança em desenvolvimento emocional o impacto é ainda pior. A pediatra Elisabeth Canova Fernandes, da FMUSP, explica que crianças pequenas não conseguem separar sua identidade pessoal da performance nas redes sociais.
“Quando recebem críticas ou não têm o resultado esperado, tendem a interpretar como ‘eu sou ruim’, e não como ‘esse conteúdo não funcionou’”, diz a especialista. Essa interpretação pode afetar profundamente a autoestima e aumentar o risco de ansiedade e sintomas depressivos. “O estresse tóxico causado por ataques virtuais pode alterar de forma definitiva a arquitetura do cérebro infantil”, acrescenta Telles.
Quando buscar ajuda
Nem sempre os pais percebem imediatamente que a atividade online está prejudicando a saúde emocional da criança. Veja os sinais que merecem atenção:
- Choro frequente após postar ou ler comentários;
- Irritabilidade, tristeza ou apatia;
- Recusa em gravar vídeos ou participar de atividades offline;
- Isolamento de amigos e perda de interesse por brincadeiras;
- Insônia, pesadelos e queixas físicas como dor de cabeça ou dor de barriga;
- Queda no desempenho escolar.
Se esses sinais persistirem, a recomendação é buscar ajuda profissional com psicólogo ou psiquiatra infantil.
É possível proteger a infância sem podar sonhos?
Embora especialistas defendam que o ideal seja evitar completamente a exposição profissional de crianças nas redes, há maneiras de reduzir os riscos quando a família decide permitir essa atividade. Confira algumas estratégias:
- Conversar sobre críticas e frustrações, ensinando que elas não definem quem a criança é;
- Limitar o acesso às métricas, como curtidas e visualizações;
- Estabelecer horários claros para gravações, sem prejudicar escola, sono e brincadeiras;
- Usar filtros de comentários e ferramentas de moderação;
- Guardar os rendimentos exclusivamente para o futuro da criança;
- Garantir que haja atividades offline, como esportes, arte e convivência com amigos;
- Observar constantemente sinais de sofrimento emocional.
A matéria acima foi produzida para a revista AnaMaria Digital (26 de setembro). Se interessou? Baixe agora mesmo seu exemplar da Revista AnaMaria nas bancas digitais: Bancah, Bebanca, Bookplay, Claro Banca, Clube de Revistas, GoRead, Hube, Oi Revistas, Revistarias, Ubook, UOL Leia+, além da Loja Kindle, da Amazon. Estamos também em bancas internacionais, como Magzter e PressReader.
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