Aos 33 anos, Kênia Bárbara, que deu seus primeiros passos artísticos aos 8, interpreta Lucília Gouveia, em Amor Perfeito, da Globo. Além de sua primeira personagem fixa numa obra aberta, ainda pode ser vista na série Os Outros, no Globoplay. Cantora, poeta e compositora, ela costuma se definir como uma mulher sonhadora e lutadora, que, com fé e muito trabalho, consegue realizar seus desejos.
Na verdade, tudo o que ela disser e fizer talvez sejam insuficientes diante de tamanha garra e determinação: “E espero que sejam mesmo, porque sigo crescendo, mudando, me descobrindo. E aí muda de novo, cresce mais um pouco, descobre…”, fala com convicção. Formada em Psicologia, sua sensibilidade também é bem aflorada: “Como sou uma mulher de axé, vi que no meu terreiro há muitas belezas a serem registradas. Aquele é um lugar que me inspira – razão pela qual fiz um Instagram chamado Sensível aos Meus Olhos, em que compartilho momentos que me emocionam”.
Com toda essa multiplicidade de papéis e uma inquietude que a faz desbravar o desconhecido sem medo algum, Kênia frisa: “Água só faz rio. Só é cachoeira quando se move. Ser inquieta abre caminho”. Que o seu siga pleno e cheio de realizações!
Confira a entrevista completa!
Você diz que segue a vida crescendo, mudando, se descobrindo. Ser inquieta, digamos, abre caminhos?
Água só faz rio, só é cachoeira quando se move. Então, sim, ser inquieta abre caminhos.
Em Amor Perfeito, sua personagem Lucília Gouveia cria uma paixão doentia pelo primo Orlando (Diogo Almeida). Ambiciosa, fará qualquer coisa para conquistá-lo. Vale tudo em nome do amor?
Não, definitivamente. Antes do amor, vem a pessoa, e pode não haver correspondência entre o seu querer e o do outro, e tudo bem. Eu só quero o amor se ele me quiser também.
Lucília é visceral e usa a inteligência a favor da sua ambição. Kênia e a personagem têm características semelhantes? O que as torna parecidas e o que as faz ser tão diferentes?
A personagem tem uma verdadeira obsessão pelo primo, e isso é o que a move. Orlando é o seu objetivo. Ela é visceral e talvez nem saiba o quanto, mas tem essa causa consigo mesma e usa sua inteligência a favor da sua ambição. É densa, precisa, articuladora, estrategista, sedutora, manipuladora, pensa e age com muita agilidade, mas ela não se encerra aí. Como boa mineira, tem uma natureza introspectiva presente, é uma mulher misteriosa. Posso dizer que eu também sou ambiciosa, sonho alto, sonho grande. Também sou teimosa e tenho o hábito de cuidar como ela, que sempre cuidou do tio e do primo. Mas, para por aí. O bom caráter é vital para mim, principalmente sendo uma mulher de axé, e é algo que Lucília não preza.
De Minas Gerais como sua personagem, o que de ‘mineiro’ emprestou a Lucília?
Mineiro é bom observador. Capta tudo o que acontece ao redor e em silêncio. Temos um jeito mais introspectivo, ensimesmado e meio misterioso, justamente por guardar muito e falar pouco. Acho que Lucília tem isso.
Você é mais uma das atrizes a compor o seleto grupo de vilãs pretas da teledramaturgia brasileira. Historicamente, em poucas ocasiões, pretas estiveram movimentando de forma antagonista as novelas. Discorra a respeito, por favor.
É uma honra para mim estar nesse grupo e viver isso nessa novela, em especial. Vilãs são personagens que, geralmente, se destacam – e destaque, na grande maioria das produções, é dado para atrizes e atores brancos. Acredito também que haja uma desconfiança da capacidade de artistas pretos quanto à qualidade do nosso trabalho, um receio de que não façamos tão bem quanto um artista branco – aquilo que está sendo esperado para a personagem, que não atinjamos a expectativa, entende? A gente precisa mesmo ocupar mais espaços no audiovisual. São muitas histórias, muitas possibilidades, muitas versões a serem contadas, e isso nos aproxima da nossa realidade, do nosso País e da diversidade nesse sentido.
Você é formada em Psicologia. O que a fez enveredar na carreira de atriz?
A carreira artística veio antes da Psicologia e sempre foi a minha prioridade, mesmo amando minha formação, mas pretendo fazer mestrado na área.
Aliás, o trabalho artístico lida muito com as emoções do público, né? Sua formação ajuda a compor seus personagens?
Com certeza! Ajuda na observação de tantos comportamentos, emoções, angústias, alegrias e histórias pessoais diferentes. Ajuda, sim (e muito)!
Você também está no elenco de Os Outros, série do Globoplay, vivendo o papel de uma mulher preta que engravidou na adolescênciade um homem branco – e viverá uma relação abusiva, tanto financeira quanto emocionalmente. Infelizmente, essa ainda é a realidade de muitas mulheres. Como se sente tocando nessa ferida e o que espera alcançar com a repercussão da história?
Olhando de fora, me sinto triste por essas mulheres. Espero que a personagem possa superar essas situações, mostrar que ela deve ser sua própria prioridade e que, por mais que novas perspectivas pareçam não existir, por mais que seja muito difícil sair desse tipo de relação quando se está nela, é possível um novo começo, e a vida pode ser melhor fora dela.
Em atividade paralela, você também é fotógrafa e criou um perfil no Instagram chamado Sensível aos Meus Olhos. Qual a proposta da página?
Eu gosto de compartilhar memórias. Eu sou meio ruim de lembrar de certas coisas depois de um tempo. Registrar esses momentos, essas pessoas, esses lugares é uma forma de proteger a minha história, o que eu vivi e não quero esquecer.
Falando nisso, como lida com a exposição na internet?
Lido com atenção. Quero que minha intimidade ou o que eu considero mais íntimo seja mantido e preservado, mas a uso para chamar atenção de coisas que precisam ser discutidas e melhoradas, como a questão racial.
Agora, nos revele o segredo para essa beleza toda (de corpo e cabelo).
Ser filha de oxum [risos]. Eu acredito, de verdade, que o principal ‘segredo’ seja a alegria. Ela faz um bem danado pra pele… Fora isso, depois dos 30, comecei a cuidar mais do rosto e do corpo com a dermatologista. Eu tento fazer musculação diariamente, mas não tenho conseguido. Tento beber bastante água todos os dias, mas, infelizmente, ainda não é um hábito…
É vaidosa? Sempre teve uma boa relação com o espelho?
Sou mais vaidosa agora. Acho que sempre gostei do que vi no espelho, mas antes era de uma forma mais tímida. A relação com ele mudou para melhor depois dos 30 anos, com a melhora da autoestima e autoconfiança.
Beleza é fundamental?
Depende. Não gosto da ideia de uma beleza padronizada e exigida. Cada olhar enxerga a beleza de um jeito. Isso eu acho bonito.