Nos papéis de mulheres fortes e determinadas, Ju Colombo integrou o elenco principal de Mar do Sertão, na Globo, interpretando Quintilha, nascida e criada em Canta Pedra, cidade do interior nordestino, onde enfrentou um caminho de luta até se tornar uma das pessoas mais bem-sucedidas da região, e do filme Grande Sertão Veredas, de Guel Arraes. Não para por aí. Já tem presença marcada para estrear nas telonas em Nosso Lar 2 – Os Mensageiros, no papel de uma líder do plano espiritual.
Sempre com uma visão positiva, ela mantém a esperança aliada à espiritualidade: “Sou budista e absolutamente otimista. Pertenço à Soka Gakkai Internacional – instituição que desenvolve um trabalho de aprimoramento e incentivo às pessoas por meio da educação e cultura. Assim como a espiritualidade está para nosso aprimoramento como seres humanos, a arte está para as criativas e belas transformações sociais”.
E é na filosofia budista que ela encontra uma maneira de lidar com as dificuldades e as frustrações, além de muita sabedoria: “Essa prática espiritual é a possibilidade de manifestar a sabedoria para agir em prol da dignidade da vida, independentemente da circunstância que eu esteja passando. Minha espiritualidade me define como ser humano. Aliás, me reconheço humana e serena por meio da minha espiritualidade”, fala com doçura.
Confira a entrevista completa:
Você é sócia da produtora Black Umbrell, empresa com responsabilidade social. Conte sobre essa iniciativa.
Chega uma hora que, quase naturalmente, o artista passa a nutrir o desejo de criar seu próprio produto. Vejo a B.U. como esse caminho: poder criar, produzir e apresentar materiais artísticos que tenham a minha identidade e que favoreçam e enriqueçam o desenvolvimento das pessoas. Gerar empregos e oportunidades para que mais pessoas pretas e mulheres também realizem seus sonhos: essa é a responsabilidade social que me move!
Você tem um trabalho musical ao lado dos filhos. Como é esse encontro de gerações pela arte?
Ver meus filhos na estrada da arte e estar ao lado deles é algo incrível! Esse movimento foi se formando a partir de um caminho que poderia ser visto como doloroso, porque, quando eles eram pequenos, me separei e enfrentei muitos desafios que nós, mulheres, enfrentamos na criação dos filhos, nas múltiplas jornadas, na dedicação insana, simplesmente porque deu à luz e quer criar os filhos para que se tornem boas pessoas. É um desafio imenso. Mas eu tive boa sorte e uma base filosófica que me proporcionou sonhar e realizar todos os meus sonhos. Então, hoje, ver cada um deles com seus desafios e conquistas é lindo. E estar ao lado dos filhos, aprendendo, trocando e realizando arte de qualidade, só me deixa honrada e feliz.
Sua personagem Quintilha, em Mar do Sertão, foi uma das mulheres fortes da cidade e bem-sucedida. O que a Ju Colombo tem da Quintilha? E o que difere em vocês duas?
Bom, essa parada da força da mulher habita muito em mim [risos]. Sou uma mulher forte e desenvolvo minha liderança. Isso é uma parte da minha identidade, e vejo na Quintilha isso também. Sou muito espiritualizada e procuro enxergar e agir no mundo com essa lente, com os valores que a espiritualidade me traz. Já Quintilha não vejo assim. Ela faz o jogo das oportunidades com uma ética que, às vezes, questiono.
Nascida e criada em Canta Pedra, cidade do interior nordestino, Quintilha chega à condição de proprietária da pensão. Como você percebe a construção de narrativas marcadas por mulheres tão empoderadas?
Sempre foi assim, né? O que seria do mundo sem a força das mulheres proativas? A gente nutre o mundo de vida, educa, direciona, acolhe, é muita coisa. Poder fazer parte de uma trama que traz em sua base essas mulheres é muito bom, principalmente por ser uma comédia, uma fábula leve que dialoga muito com o público. Precisamos contar essas e outras histórias sobre a vida das mulheres na construção da sociedade.
Você é budista e pertence à Soka Gakkai Internacional – instituição que desenvolve trabalho de aprimoramento e incentivo às pessoas por meio da educação e cultura. Conte também um pouco mais sobre esse projeto.
Existe aí uma pedagogia educacional de criação de valor [Pedagogia Humanista Soka], cultivando princípios estudados pelo budismo, como a profunda relação entre a pessoa e seu ambiente (esho funi, em japonês), a união na diversidade e diferenças (itai doshin) e o processo de transformação interior, com base na essência mais preciosa que toda vida possui: o estado de Buda. Estudamos profundamente esses princípios, fazemos essa prática espiritual com seriedade e comprometimento, e ainda produzimos materiais artísticos que contenham todo esse estudo e prática, para estimular a criatividade e olhares dos educadores, a fim de que eles envolvam as famílias e os estudantes nessa construção educativa – a ideia é que a criança seja feliz durante o processo educativo e que a vida dos agentes envolvidos [família, escola e comunidade] seja considerada e reconhecida como um ambiente possível na construção de valor e dignidade. Não é só o construtivismo, mas o reconhecimento do valor de toda forma de vida. É lindo demais!
Você pratica o budismo nitiren [japonês]. O que a levou a essa prática espiritual?
Minha mãe conheceu o budismo primeiro, por conta de um grande sofrimento com meu irmão mais velho. Assim que ela começou a praticar o daimoku (recitação do Nam Myoho Rengue Kyo), tivemos uma comprovação imediata (diferente de algo ‘milagroso’), percebendo que aquele acontecimento era uma oportunidade para esse processo de transformação interior de cada um de nós. Na época, meu irmão desaparecido havia anos voltou para casa. Só que ele estava doente, com HIV, em uma época que ainda não existiam os tratamentos eficazes no Brasil. Foi aí que vimos a força dessa prática, porque o caminho foi a transformação da desarmonia familiar. Foi esse processo que me proporcionou compreender que temos uma força essencial, que é a mesma força que rege o universo: a natureza. Somos um microuniverso dentro do macro, e essa lei recitada diariamente nos faz lidar com as questões cotidianas com a capacidade expandida. É um potencial interno que aprimora nosso caráter e nos faz realizar nossos objetivos com base na dignidade. É uma prática espiritual revolucionária porque nos capacita a lidar e vencer os sofrimentos, criando valor para nós e inspirando as pessoas à nossa volta a fazerem o mesmo.
Como você enxerga a espiritualidade?
Minha espiritualidade me define como ser humano. Aliás, me reconheço humana e serena por meio da minha espiritualidade.
O budismo a ajuda a não ‘pirar’ diante de um tempo tão marcado pela violência e ódio?
Sim. Essa prática é educativa, aprimora nosso caráter e nos faz rever a ética que usamos para realizar nossos objetivos. A consciente compreensão da teia das relações e a causa e efeito presente em nosso comportamento são as bases. É uma filosofia que enxerga o valor da essência humana e nos desafia diariamente a potencializar e usar essa essência para lidar com as questões que estão à nossa frente.
Deixe uma mensagem às leitoras de AnaMaria…
Desejo profundamente que conheçam a prática dessa filosofia espiritual. Essa reeducação do nosso comportamento, como enxergamos as coisas e pensamos sobre elas. Nossas ações são determinantes e estão atreladas à nossa forma de ver o mundo. Não adianta desejar viver bem se nosso comportamento desconsidera a dignidade das vidas com as quais me relaciono. Não adianta querer ser feliz e lesar as pessoas. O mundo é regido pela rigorosa lei de causa e efeito. Ela é simultânea. O desafio de ser íntegro, de cultivar valores saudáveis é que transformam os ambientes. Somente nós, seres humanos, somos capazes de transformar essa barbárie. Ter líderes capazes de conduzir a sociedade de forma justa é somente uma parte. A maior parte é responsabilidade de cada um de nós. E o caminho é nutrir a espiritualidade. Compartilho um ensinamento do meu mestre da vida, Daisaku Ikeda, que saiu de um Japão pós-guerra e viveu todas as circunstâncias da falta de dignidade, e usou essa filosofia para produzir vitórias: “Uma modificação em nossa atitude ou determinação, primeiro, causa uma mudança na própria vida. Depois, produz impacto positivo sobre a saúde e vigor e, por fim, nos permite evidenciar ilimitada sabedoria. Aqueles que transformam a vida dessa maneira guiam os outros em direção à felicidade e tornam a sociedade um mundo onde reina a paz e a prosperidade”.