Enquanto algumas de suas novelas estão no ar, como A Viagem e Meu Bem, Meu Mal, Mylla Christie embarca em um novo projeto do audiovisual, ligado à transformação social. “A gente vai usar a nossa expertise de transformar ambientes e lugares para transformar a vida das pessoas dentro da comunidade”, diz ela, que também é especialista em retrofit e corretora de imóveis.
Aos 54 anos, ela se define como uma “geminiana múltipla”, pois faz de tudo um pouco, sempre após estudar muito. “Hoje, como tenho uma renda paralela, posso escolher melhor os papéis e os projetos que produzo. Prefiro fazer poucos, mas com calma”, conta.
Em entrevista, ela relembra a estreia precoce como protagonista na TV – e os conselhos que recebeu de José Mayer e Lima Duarte -, além de comentar sobre o impacto social de papéis marcantes como Eleonora, de Senhora do Destino, que quebrou tabus relacionados à homossexualidade da época.
Logo no início de sua carreira, em Meu Bem, Meu Mal, você já contracenou com gigantes como José Mayer e Lima Duarte – o que eles te ensinaram que você carrega até hoje?
Trabalhar com José Mayer e Lima Duarte foi realmente incrível. O Zé fez o meu pai, eu tinha 17 anos. Foi muito bacana, porque ele é um cara muito sossegado, mineiro, calmo, tranquilo, teve muita paciência comigo, porque eu era uma adolescente que estava começando a carreira. Eu ainda não tinha feito tantos cursos de teatro, então, ele me ensinou a ter calma, sabe? E o Lima Duarte, que é um gigante também, teve muita paciência. Dentre os conselhos, falava: “calma, relaxa, não fica nervosa, vai dar tudo certo”. Os dois me influenciaram muito, porque a primeira novela sempre fica em nosso coração, né? Ainda mais eu, que eu não estava tão preparada. Eu não tinha feito nenhuma participação – e fui direto pra protagonista. Era muito texto pra decorar. E acho que até hoje carrego no coração os ensinamentos deles.
Você começou sua carreira com o balé clássico. O quanto a disciplina e a dedicação da dança influenciaram na sua trajetória como um todo?
Eu, na verdade, fui campeã de ginástica olímpica, medalhista, campeã estadual e paulista pelo estado de São Paulo e pela cidade de São Paulo, pelo Clube Pinheiros, mais ou menos em 82. A disciplina da ginástica olímpica me levou ao balé, porque a minha mãe viu que eu estava treinando demais. Chegou um momento que ela falo: “Ou você vai estudar ou você vai ser profissional”. Aí, eu escolhi estudar e ser modelo. Entrei no grupo da Joyce Balé e a Globo me chamou para fazer o especial do Roberto Carlos de fim de ano. Naquele ano, ele era o Charlie Chaplin e eu fazia o garoto. Esse Encontro com o Roberto, quem dirigiu foi o Guga, irmão do Boni, e foi incrível e emocionante
Quando você interpretou Eleonora em Senhora do Destino, trouxe a tona um tema que não era muito debatido, como a homossexualidade tratada nacionalmente. O que você sente, hoje, ao ver o tema não sendo mais tabu na televisão? Sente que contribuiu para isso de alguma forma?
Nossa, essa pergunta é muito pertinente. Eu sinto isso mesmo, porque a gente vê a resposta dos fãs, né? Como a novela reprisou muitas vezes (e vai continuar reprisando), eu vejo o comentário que os fãs fazem, me mandam mensagens no Instagram: “Mylla, eu saí do armário por sua causa”, “Mylla, nossa, minha vida mudou”, “Meu diálogo com meu pai hoje é outro”. Teve uma menina que ficou muito emocionada. Ela falava assim: “meu Deus, eu agradeço a Deus por ter tido você na minha vida. Você não tem noção o quanto isso me ajudou”. Então, lá naquela época que era um tabu e a novela já ajudou muita gente a se encontrar, a poder melhorar a autoestima, a dialogar com os pais. Isso já é maravilhoso, né, gente? Já é uma contribuição social e eu acho incrível. Eu espero que essa novela continue reprisando e que eu possa contribuir com mais pessoas em novas gerações que tenham o coração aberto de entender que o amor é válido. Qualquer forma de amor vale a pena.
Sofreu julgamentos nessa época (por interpretar uma homossexual)?
Que eu me recorde, os personagens da novela faziam comentários engraçados. Giovanni Improtta, personagem de José Wilker, e a Nazaré, que era o terror da novela, acabava com a gente, né? Falava: “sinto o cheiro de couro”, essas coisas que viraram meme até hoje. Agora, na vida, não. Eu nunca liguei muito para pessoas que ficam julgando os outros. Eu acho que eu sou uma pessoa positiva. Eu procuro ser autêntica em tudo o que eu faço e acho que eu não despertei nenhum mau julgamento de ninguém..
Atualmente, suas novelas “A Viagem” e “Meu Bem, Meu Mal” estão sendo reprisadas. Qual a sensação de revisitar esses trabalhos depois de tanto tempo? E como é ver o público jovem descobrindo seu trabalho através do streaming?
Eu estou muito orgulhosa de poder rever “A Viagem” de novo, no Vale a Pena Ver de Novo, na Globo, e o “Meu Bem, Meu Mal”, também no Globoplay Novelas. Mas são dois públicos diferentes, o Vale a Pena Ver de Novo e o Globoplay. Eu acho que talvez o Globoplay tenha um público mais jovem do que a novela que passa à tarde. Mas, curiosamente, é muito interessante também os comentários dos jovens no Instagram. Tenho postado sobre A Viagem e Meu Bem, Meu Mal.
Você fez uma transição do mundo artístico para o ramo imobiliário, tornando-se investidora de imóveis. O que a motivou a essa mudança?
Eu jamais me afastei da televisão. Nunca foi minha intenção fazer isso em nenhum momento da minha vida. Eu amo ser atriz, eu sou geminiana múltipla, sei fazer duas coisas ao mesmo tempo. E por que não? Eu abri um negócio. Assim como tem vários atores que abrem um restaurante, abrem um hotel, eu abri uma imobiliária. Então, é um negócio paralelo à minha carreira. Faz dois anos que eu estou sem fazer novela. Mas, enfim, só para contar um pouquinho da minha história do mercado imobiliário. Quando eu casei com o Tutu, em 2007, eu já comecei a investir em imóveis. Começamos a trabalhar juntos desde aquela época. Mas a gente não era corretor. Então, o que mudou foi que eu virei corretora e abri uma imobiliária. Antes, a gente investia em imóvel, comprava, reformava e vendia, sabe? O tal do retrofit. Agora, além de fazer isso, ampliamos as vendas. Mas isso é um business que eu tenho paralelo com a minha carreira.
Ah, eu também sou produtora de audiovisual e estou com dois projetos bacanérrimos, uma série documental de oito episódios, que deve ir ao ar na TV Cultura com Ivan Teixeira e Marcelo Antunes, na direção. E tem um filme que eu não posso falar muito, que está muito no início, que é um longa-metragem e vai ser rodado no Nordeste com um tema super pertinente e de um autor famoso da TV Globo.
O que acontece também é que hoje eu consigo escolher os meus papéis, né? Como eu tenho uma renda paralela, eu posso escolher, posso me dar um luxo. E eu leio muito, muitos roteiros de cinema para poder produzir. Eu sou muito criteriosa, eu não saio produzindo um, dois, três, quatro, cinco filmes. Prefiro fazer projetos longos, com muita calma.
Vai unir o retrofit com um programa de TV? Como está esse projeto?
É uma série de impacto social, de transformação social. A gente vai usar a nossa expertise de transformar ambientes e lugares para transformar a vida das pessoas dentro da comunidade, com a consultoria de uma grande ONG, que faz isso há 20 anos no mundo inteiro e com muita eficácia. Você não pode impor absolutamente nada quando você quer ajudar uma comunidade, você precisa olhar, sentir, entender, compreender e dialogar. O que a gente pretende é plantar uma sementinha no mundo todo – a gente vai vender o modelo do programa para o mundo todo. O apresentador X compra, pega esse método e faz. Falta muito isso na programação, tanto de streaming quanto na TV aberta, uma série que fale de transformação social nesse sentido.
Você, hoje, atua também como produtora e apresentadora. Como é a experiência de estar “atrás das câmeras”? O que você prefere – atuar ou ficar nos bastidores?
Nos Estados Unidos todo ator é produtor, porque ele escolhe o papel, o roteiro, a direção e produz. O influencer das redes sociais, hoje, é dono do conteúdo dele. Como produtora, eu posso escolher o roteiro, posso escolher o personagem e captar o patrocínio. E eu não prefiro isso ou aquilo, eu sou múltipla, eu adoro fazer duas coisas ao mesmo tempo.
Qual o seu conselho para as pessoas que têm medo de seguir múltiplos caminhos na vida e na carreira?
Embasamento. Buscar, estudar, conhecer, se especializar. A pessoa que quer fazer outra função tem que estudar muito.
Em uma entrevista sobre “A Viagem”, você falou sobre como a personagem Carlota a conectou com a espiritualidade. Qual é a sua fé hoje? Você pratica alguma religião?
É, a Carlota se conecta porque ela é um anjo, né? Ela é um interlocutor ali, ela recebe as pessoas no céu. Eu tive que estudar o Espiritismo. É um caminho muito bonito. Eu gosto muito. Mas eu tenho uma fé gigante por Deus. Acredito muito em Deus. Acredito muito em Jesus. O hinduísmo também é muito bonito. Como eu faço yoga, também acho muito bonito o Bhagavad Gita Krishna – quanto mais você é bonito por dentro, mais perto de Deus você está. Mas eu sou de origem católica, na verdade. Eu gosto muito também de Nossa Senhora, tenho um amor muito verdadeiro por ela. E eu respeito as outras religiões – sempre procuro estudar para poder falar.
O que a maturidade te trouxe de melhor? E como você cuida da sua saúde?
Eu realmente sinto que é tudo de dentro pra fora. Não adianta você ir malhar, fazer um monte de procedimentos estéticos, se você só toma refrigerante e come processados, industrializados. A sua pele vai estourar, não vai dar certo. Eu sou vegetariana, gosto muito de legumes, verduras e hortaliças, faço sucos diariamente. Eu tenho um canal no YouTube só de receita vegetariana, vegana. Os chefs veganos são pessoas incríveis. Eu respeito muito o pequeno produtor – e procuro cuidar muito da alimentação.
Eu sou muito guerreira, acho que a menopausa acaba com a mulher, mas eu vou atrás, me informo, tento me cuidar para não ter sintomas radicais. Uso também o implante de estradiol. É muito importante a gente ter bons médicos do nosso lado.
Falando em maternidade, quais foram os principais desafios até agora? Acha que o que vem pela frente será mais desafiador?
Eu tive parto normal com 40 anos de idade. Meu filho nasceu em 2011; agora ele tá com 14. Os desafios são sempre desafios, mas eu não fico preocupada com o futuro. Ele é um menino maravilhoso, muito inteligente, muito especial, muito dedicado, educado e desde pequeno sempre foi assim. A gente vai acompanhando, é isso que a gente tem que fazer, né? Acompanhar.
A matéria acima foi produzida para a revista AnaMaria Digital (edição 1488, de 26 de setembro de 2025). Se interessou? Baixe agora mesmo seu exemplar da Revista AnaMaria nas bancas digitais: Bancah, Bebanca, Bookplay, Claro Banca, Clube de Revistas, GoRead, Hube, Oi Revistas, Revistarias, Ubook, UOL Leia+, além da Loja Kindle, da Amazon. Estamos também em bancas internacionais, como Magzter e PressReader.