Por Marcos Michalak e Lígia Menezes
Depois de brilhar na televisão e no cinema, Fernanda Machado agora dá voz a uma geração de mães exaustas, mas silenciadas. Em seu recém-lançado livro Tudo o que não me contaram sobre a maternidade (Editora Letramento), ela transforma suas dores em palavras e convida outras mulheres a refletirem sobre a sobrecarga, o isolamento e o mito da existência da mãe perfeita. “Não importa qual escolha a gente faça como mãe, sempre seremos julgadas”, diz.
A obra nasceu das próprias vivências da atriz, que enfrentou uma série de desafios, como perda gestacional, ansiedade pós-parto, retirada do útero após uma gravidez de risco e a descoberta da perimenopausa enquanto cuidava de filhos pequenos. Nesta entrevista, Fernanda fala com franqueza sobre saúde emocional, rede de apoio, culpa, corpo e identidade.
Fernanda, em seu livro você fala sobre muitas verdades da maternidade que não são contadas. Quais são as principais que mais te impactaram e que você gostaria que toda mulher soubesse antes de ser mãe?
São tantas que precisei escrever um livro de 338 páginas para poder abordar todas elas! Mas vou tentar escolher as mais importantes. A primeira é que a maternidade, nos dias de hoje, é solitária; perdemos a vila ao nosso redor e isso gera a segunda verdade que nunca me contaram: uma sobrecarga enorme nas mães, porque a maternidade foi projetada pela natureza para ser vivida em comunidade.
A terceira é que a sociedade e o papel da mulher mudaram, mas o maternar e nossos bebês não mudaram; continuamos engravidando, parindo, amamentando e maternando bebês que nascem frágeis e que dependem 100% de nós para sobreviver.
A quarta é que não importa qual escolha a gente faça como mãe, sempre seremos julgadas. E a quinta é que vivemos em uma sociedade patriarcal e capitalista, feita por homens e para homens; portanto, tudo fica mais complicado para nós, mães.
Você passou por momentos muito delicados, como ansiedade pós-parto, insônia, perda gestacional e o diagnóstico de perimenopausa. Como foi lidar com tantas mudanças físicas e emocionais enquanto cuidava de filhos pequenos?
Passei por vários desafios e acho que todas as mães passam; com certeza, não fui a única. E é realmente difícil lidar com tudo isso enquanto cuidamos de filhos pequenos, que dependem de nós e sem uma vila por perto.
Os 40 anos é a média hoje para começarmos a viver a perimenopausa, que acontece 10 anos antes da menopausa. E por isso, essa combinação bombástica de perimenopausa com filhos pequenos é muito comum nos dias de hoje e afeta muitas mulheres. Eu tenho um capítulo inteirinho no livro com esse título: “Perimenopausa com Filhos Pequenos”. Tive alguns momentos bem difíceis com o TDPM, que piora muito nos anos da perimenipausa, mesmo assim continuei cuidando dos meus filhos, que dependiam de mim, e meu marido foi meu maior suporte nos meus momentos de escuridão. Sou muito grata a tudo que ele fez e faz por mim.
Falando em perda gestacional, isso impacta cerca de 25% das gestações. Por que você acha que o assunto é tão pouco falado? Como você lidou com o luto em sua perda?
São 23 milhões de perdas gestacionais por ano, 44 perdas por minuto, 1 em cada 10 mulheres sofre aborto espontâneo. Conto no livro (tenho um capítulo chamado “A quebra do luto silencioso”) como fiquei chocada ao ver que esse assunto ainda é um tabu. Me revoltei ao ver que tantas mulheres sofrem sozinhas a dor terrível desse luto silencioso.
Em um momento tão vulnerável como a perda gestacional e a retirada do útero, o que foi mais importante para sua recuperação emocional? Teve algo ou alguém que foi essencial para esse processo?
Eu tive a perda gestacional em abril de 2019 e a perda do útero após o parto do meu segundo filho em maio de 2020. Foram dois momentos delicados; fiquei profundamente triste e senti uma certa depressão no pós-perda gestacional, porque, com TDPM, aquela queda brusca hormonal, sem a ocitocina que nos inunda quando ganhamos um bebê, me levou para o fundo do poço.
Mas, após a perda do meu útero logo após o parto do meu segundo filho, já foi bem diferente, porque, embora eu tenha sentido um certo luto com a perda do útero, a gratidão era maior que tudo. Pois depois de uma gravidez de alto risco na pandemia, eu estava com meu bebê saudável no colo. E, depois de quase perder a vida em uma hemorragia grave, onde recebi várias bolsas de sangue, eu havia sobrevivido. Minha gratidão era gigantesca naquele momento.
No livro, você fala sobre o conceito de “desalinhamento evolucionário” e como a sociedade atual não oferece o suporte necessário às mães. Na prática, como essa percepção mudou sua forma de maternar e cuidar da sua saúde mental?
Quando entendi esse desalinhamento evolucionário, que a sociedade e o nosso papel como mulher mudaram, mas que a maternidade e nossos bebês não evoluíram, entendi muito melhor porque maternar se tornou uma matemática tão complexa e desequilibrada. Passei a me ser muito mais gentil comigo mesma depois desse entendimento.
Hoje, como consultora hormonal e instrutora de ioga, que conselhos você daria para mães que estão se sentindo sobrecarregadas, ansiosas ou isoladas em sua jornada?
Se cuidem! Cuide de sua mente, da sua saúde. Tente encontrar tempo para encher o seu copo, porque como mães, nos doamos tanto e é muito comum que nosso copo esvazie. Seja gentil consigo mesma; maternar em tempos modernos não é tarefa fácil. Não queira dar conta de tudo equilibrando 1001 pratos, porque é humanamente impossível dar conta de tudo como mãe nos dias de hoje. E aceite ajuda; ela é extremamente necessária quando se é mãe.
Você fala muito sobre a ausência da “vila” de apoio na criação dos filhos. Que tipo de rede de suporte você construiu para si mesma e gostaria de incentivar outras mulheres a buscarem?
Meu maior suporte é meu marido e minhas amigas mães. Ter uma comunidade de mães é fundamental na falta da vila. E conto também com a ajuda dos meus pais quando eles me visitam. Infelizmente, não tenho a sorte de ter minha família por perto o tempo todo.
Se pudesse deixar uma mensagem para mulheres que estão entrando agora na maternidade, cheia de expectativas e medos, o que falaria?
Confie nos seus instintos e na sua intuição materna; você sabe muito mais do que imagina. A natureza e nossos filhos nos preparam para essa missão. E busque o apoio da sua comunidade, da sua família. Maternar é um ato coletivo.
A matéria acima foi produzida para a revista AnaMaria Digital (edição 1470, de 23 de maio de 2025). Se interessou? Baixe agora mesmo seu exemplar da Revista AnaMaria nas bancas digitais: Bancah, Bebanca, Bookplay, Claro Banca, Clube de Revistas, GoRead, Hube, Oi Revistas, Revistarias, Ubook, UOL Leia+, além da Loja Kindle, da Amazon. Estamos também em bancas internacionais, como Magzter e PressReader.
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