Aos 57 anos, Edvana Carvalho vive uma das fases mais potentes de sua carreira. De volta à TV em horário nobre, ela dá vida à nova Eunice na regravação de Vale Tudo, papel que agora carrega outras camadas: é avó, mãe solo, costureira e artista – tudo com identidade própria. Longe do estereótipo da mulher “que já deu o que tinha que dar”, Edvana encara a maturidade como território de liberdade.
Entre uma gravação e outra, ela também mergulha no mestrado em dramaturgia, apresenta seu monólogo Aos 50 – Quem Me Aguenta? e reforça que, se existe um tempo para ser protagonista da própria história, esse tempo é agora.
Edvana, você está brilhando como a Eunice na nova versão de Vale Tudo. O que mais te encantou e o que te desafiou nessa personagem?
Ah, o que mais me encantou na Eunice é que 30 anos depois a gente pode falar não só de uma mulher que é dona de casa, mas que é dona de casa, mas que ganha o seu próprio dinheiro, com suas próprias criações, que no caso dela é a costura, é a modelagem. Outra coisa que me desafiou bastante e que me deixou muito feliz é a possibilidade de estar representando mulheres 50, 60 mais que estão aí, lindíssimas, atuantes, trabalhando, que são avós como eu, mas que estão no mercado, e que tem vida própria, sabe. Essa é uma grande mudança da minha geração para a das minhas avós, por exemplo. Então, isso é muito desafiante e muito gostoso de fazer. É poder contar a minha história no meu próprio tempo.
Você chegou a criticar a primeira versão da novela, em que a Eunice era “só dona de casa”. O que mudou na representação da mulher 50+ desde a primeira versão até agora?
São esses desafios a mais que antes, trinta anos atrás, ela só representar a parte dela dona de casa já era uma resposta para a sociedade. Era o que se esperava da mulher. Agora ela tem essa função também, porque não deixa de ser nossa também, mas você vê que na casa da Eunice todos participam e ajudam nas funções domésticas. Na versão original, Eunice tinha uma empregada que era responsável por todos os afazeres. Ela própria não fazia nada. Agora não. Ela mesma organiza a casa dela junto com as pessoas que moram com ela: a filha, o enteado, o neto, o marido… Além disso, ela mantém a sua própria identidade feliz com sua profissão. Eunice gosta de costurar, de modelar. É uma grande artista.
Eunice é mãe solo, está refazendo a vida e mostra que 50 anos é recomeço. Em que pontos você se reconhece nela e em que vocês são bem diferentes?
A Eunice é uma mãe solo. Ela criou a Fernanda (Ramille), depois teve um segundo casamento, mas a Fernanda já chegou crescida na história, na relação. Então, ela tem um grande carinho por Bartolomeu (Luis Melo), mas não chama o Bartolomeu de pai, assim como Eunice também conheceu o Ivan (Renato Goes) já homem. Para mim é uma situação bem diferente porque eu nunca fui mãe solo. Posso dizer que eu fui casada durante 16 anos. Quando nos separamos, meus filhos (Luana e Davi Sol) estavam entrando na adolescência. Mas eu nunca os cuidei só. Porque o pai era bem presente em todos os sentidos. Então, eu nunca me senti uma mãe solo.
Aos 57 anos, você está no ar na TV, voltando a Salvador com um espetáculo autoral e ainda mergulhada no mestrado em Dramaturgia. O que tem te movido nessa fase da vida?
Sim, a vida da mulher de 57 anos é bem corrida. Eu me desdobro em várias coisas e graças a Deus dá para cumprir tudo. Eu realmente gostaria de, nessa fase da vida, estar trabalhando um pouco menos. (risos). Mas ainda não dá. Tenho que cumprir muitas metas ainda.
Falando em “Aos 50 – Quem Me Aguenta?”, o monólogo também fala sobre potência feminina na maturidade. O que você queria dizer ao mundo quando decidiu escrever esse texto?
Escrevi “Aos 50 – Quem Me Aguenta?” porque eu queria comemorar meus 40 anos de vida artística. Estou desde os 16 anos fazendo teatro na escola pública. E eu queria entender como era a minha voz solo, já que eu sou fruto de grupos teatrais. Toda a minha formação vem de grupo. Sesc Senac, depois Bando de Teatro Olodum, a Escola de Teatro… Então queria entender como era a minha voz solo. E entrando nos 50 tinha muita coisa que eu, como mulher preta, gostaria de falar. Gostaria de falar da minha solidão, da questão política do meu país, sobre as discriminações raciais que eu enfrento, as misoginias, o machismo patriarcado, como é que se mete na minha vida querendo me colocar agora numa caixinha de etarismo… Então, eu queria falar de mim como educadora no país, como me sinto… e eu queria falar de mim em relação a vários assuntos. Então, eu precisava colocar essa voz para fora e engrossar esse caldo. Esse caldeirão de mulheres negras que assumem suas escritas na dramaturgia. Não são muitas, então, mas eu queria estar presente. E também a gente está sempre lutando contra esse apagamento, essa invisibilidade histórica que o nosso país provocou em pessoas como eu. Então, é tudo isso misturado.
O espetáculo será exibido durante o Julho das Pretas, um mês que celebra o protagonismo das mulheres negras. Qual é a sua vivência pessoal com esse ativismo? Ele sempre esteve presente em sua vida?
Julho das Pretas é uma mobilização política, social, cultural, que acontece no Nordeste, mas principalmente na Bahia. É um mês em que a gente celebra lutas e conquistas de mulheres negras, se articula com vários coletivos, instituições, movimentos sociais, geralmente liderados por mulheres negras. E tem o 25 de julho como Dia Internacional da Mulher Negra, latino-americana, caribenha. E a gente acrescenta também nesse combo a mulher periférica, LGBTQIA+ para ir aumentando esse lastro. A gente quer, como mulher, abraçar tudo. É também o Dia Internacional de Teresa de Benguela, que é símbolo de resistência negra feminina no Brasil. É um mês de luta, de denúncias contra o racismo, o sexismo, a desigualdade social, fortalecimento de narrativas femininas negras. Então, tudo a ver, fazer uma apresentação especial de “Aos 50 – Quem me Aguenta”? porque é um espetáculo que coloca no centro a mulher negra de 50 anos ativista, que representa a voz e o corpo da mulher negra madura, que é invisibilizada por essa sociedade. Uma sociedade que infelizmente sabemos que é misógina e machista. Esse espetáculo também traz uma luta interseccional se a gente for pensar em Carla Akotirene ( Doutora Mestra em estudos de gênero, mulheres e feminismos) de gênero, de raça, de sociedade, de etarismo racismo estrutural e esse papel que é político e afetivo da mulher negra na sociedade brasileira. é Acho que todas essas pautas o Julho das Pretas valoriza profundamente. ´Aos 50…” é um espetáculo de afirmação dessa potência feminina como arte, resistência e transformação. É memória e ao mesmo tempo é futuro. Porque esse tempo, como diz Dona Leda Maria Martins (poetisa, ensaísta e pensadora do teatro brasileiro), é espiralar. É um espetáculo que retrata a mulher negra, 50 +, guardiãs de saberes ao mesmo tempo estamos criando novas formas de existir, de amar, lutar, de envelhecer com liberdade e com dignidade.
E como é a Edvana fora das telas? A Edvana mãe, esposa, mulher em casa. O que te acalma? O que te diverte?
Ah, eu acho que fora das telas, eu sou como qualquer mulher. Eu trabalho 78 horas por dia em todas as situações da minha vida (risos). Eu estou sempre trabalhando. Se eu não estiver gravando no Rio de Janeiro, estou na escola, palestrando, fazendo compras no mercado, ajudando com os cuidados de minha mãe, auxiliando os filhos, paparicando os netos, namorando (Maxwell Otton,professor e músico) … É uma loucura ser mulher! Eu acho que eu sou muito igual a qualquer outra mulher. Fora das telas, a gente trabalha que nem burro de carga.
Muita gente sente medo da passagem do tempo, mas você parece cada vez mais plena. Que aprendizados a maturidade te trouxe sobre corpo, autoestima e liberdade?
Eu acho que autoestima é liberdade. Porque você, quando tem autoestima em vivência, você não se importa tanto com o que a moda, o tempo, o vento, as pessoas, a mídia… deseja de você. Cada uma é única e você vende esse seu trabalho. Quem quiser é isso aqui. Então, eu não me sinto obrigada a nada se eu fizer alguma coisa estética, eu fiz porque eu quis. E não porque o meu trabalho está exigindo. Então, eu prefiro viver assim, viver para mim. E, se eu fizer qualquer coisa, é para mim. E não é porque talvez eu não consiga mais esse trabalho, ou talvez aquele homem não me olhe mais… Eu já liguei aquele ‘botãozinho’ de dar pouca importância para essas coisas.
Você cuida de si com muita naturalidade. Como é sua rotina de bem-estar? Alimentação, sono, atividade física e cabelo?
Minha rotina é louca. Eu às vezes me cuido e às vezes não, mas tenho tentado bastante. O que eu não deixo de sempre de usar é um hidratante corporal, hidratante facial. Mas eu poderia fazer mais por mim. Agora, nesse momento, eu estou fazendo rotina de skincare e focada em manter uma pele limpa, hidratada, lutando contra o melasma e cuidando mais da pele.
E quando olha pra trás, para aquela menina que cresceu em Salvador, o que sente? Ela imaginava chegar onde você chegou?
Eu acho que a Edvana menina pobre, lá da Liberdade do São Caetano, sempre imaginou eu estar nesse lugar que eu estou hoje. E, por isso, ela era bem esquisita para as pessoas daquela época porque ela imaginava alto demais. Mas eu imaginei e corri atrás também. E, infelizmente, eu não consegui chegar mais rápido aonde eu queria por conta de todo o racismo estrutural que eu tive que enfrentar no caminho. Então, quanto mais a gente quebrar essa questão desse racismo estrutural, mais pessoas negras vão poder chegar no caminho que pensa quando está lá na infância. Porque não sou eu. Acho que meus outros amigos e amigas também sonhavam muito alto naquela época. Só que as barreiras vão deixando a gente bem para trás.
O que você diria hoje para mulheres que, aos 50, sentem que o melhor já passou?
Eu acho que o melhor sempre é o que está acontecendo agora. É agora que a gente está vivo. É agora que a gente está comendo, rindo, dançando… É no agora que a gente pode pedir desculpa, perdão. É agora que a gente pode fazer melhor. Porque o que já passou, já foi. E o que virá eu não sei se eu estarei aqui para fazer (risos). Eu acho que o melhor não está nem no passado, nem no futuro. Está no presente!
Beleza: Titto Vidal @tittovidal
Stylist: Rodrigo Bastos (in memoriam)
A matéria acima foi produzida para a revista AnaMaria Digital (edição 1478, de 18 de julho de 2025). Se interessou? Baixe agora mesmo seu exemplar da Revista AnaMaria nas bancas digitais: Bancah, Bebanca, Bookplay, Claro Banca, Clube de Revistas, GoRead, Hube, Oi Revistas, Revistarias, Ubook, UOL Leia+, além da Loja Kindle, da Amazon. Estamos também em bancas internacionais, como Magzter e PressReader.
Leia também:
Maria Cândida: longe de um ponto final