Por Renan Pereira e Lígia Menezes
Cissa Guimarães é dessas mulheres que não cabem em rótulos. Atriz de alma, apresentadora por acaso e apaixonada pela vida em todas as suas fases, ela construiu uma carreira sólida – e um público fiel – com carisma, coragem e verdade.
Hoje, aos 68 anos, encara a rotina de um programa diário com disciplina, mas sem perder o brilho que a tornou referência de empoderamento e espontaneidade.
À AnaMaria, Cissa fala sobre como lida com as mudanças do corpo e da alma, o prazer de estar sozinha depois de uma vida cheia de amores, e a importância de não romantizar o envelhecimento. “A juventude tem sua beleza, mas a maturidade também tem. Fisicamente é mais difícil, sim. Mas hoje eu adoro ficar em casa, aprendi a gostar da minha companhia”, diz.
Você já apresentou programas de TV e atuou em novelas. Como você lida com as mudanças, tanto na carreira quanto na vida pessoal?
Minha primeira profissão é, obviamente, atriz. Desde pequena, muito jovem mesmo, eu me dediquei ao teatro. Fiz o Tablado e tive o privilégio de ser aluna da própria Maria Clara Machado, que foi quem criou a escola. Comecei como apresentadora por causa de uma personagem que fiz em uma novela chamada Um Sonho a Mais. A personagem se chamava Amélia Bicudo, e ela entrevistava as pessoas de maneira muito espontânea, errava tudo… Era uma caricatura, uma brincadeira. E o Roberto Talma, que dirigia a novela, achou aquilo muito engraçado. A personagem fez muito sucesso. Quando a novela acabou, ele me convidou para fazer matérias e entrevistas para o Vídeo Show. Foi assim que surgiu o programa.
Você esteve no especial do Vídeo Show comemorando os 60 anos da TV Globo. Como foi olhar, hoje, para essa experiência no passado? Há algo que você faria diferente naquela época? O que gostaria de dizer para a Cissa daquele período?
Eu diria: ‘Faz tudo igual, mete bronca’, porque eu sempre fui à luta. Nunca tive vergonha de pedir trabalho, sabe? Nunca tive vergonha de bater na porta de um diretor e dizer: ‘Quero fazer qualquer coisa’. Eu diria para aquela mocinha que pegou um ônibus noturno em São Paulo, chegou na porta da TV Globo e ficou esperando um diretor de novela entrar para pedir uma oportunidade: ‘Pega seu ônibus e vai. Fica lá esperando, pede com coragem e sem medo’.
Cissa, você grava um programa diário, com pautas às vezes complexas e convidados de personalidade forte. Como você recarrega suas energias e mantém o ritmo?
Assim que chego em casa à noite, estudo um pouco o programa do dia seguinte. Depois, janto, me alimento bem e durmo o mais cedo que posso. No dia seguinte, acordo, estudo de novo, vou malhar e depois sigo para o trabalho. É assim todo dia. Uma vida um pouco monástica. Mas já aprontei tanto, já fui tanto para as baladas, que até estou gostando, sabe? (risos)
Trabalhar com o que você ama também é um privilégio e eu me considero muito privilegiada. Amo demais o que faço. Por mais que canse – e cansa, sim, afinal, não sou mais uma menina, tenho 68 anos e não tenho a menor vergonha de dizer isso -, é um trabalho muito mental. Me dedico bastante, mas sinto um imenso prazer. Fico feliz quando as pessoas saem do programa adorando. Quando você faz o que gosta, cansa menos. Você tem um propósito.
Você é uma referência de empoderamento e liberdade para muitas mulheres. Que conselhos daria para quem busca reencontrar a autoestima?
Acredito que tudo começa em acreditar no seu desejo. Falo isso pensando nos cuidados que precisamos ter para envelhecer bem, com saúde. E também para nos divertirmos. Eu me cuido muito: alimentação, exercício físico… Mas também sento em uma mesa de bar com amigos, bebo meu vinho, rio bastante. De vez em quando saio da dieta. Tento estar o máximo possível com a família e com os amigos.
Você acha que todas as mulheres aceitam tranquilamente os próprios desejos?
Não. Primeiro, é preciso se conhecer para não obedecer aos rótulos que a sociedade impõe – e são muitos. Faço terapia há 30 anos, porque às vezes nem sabemos o que queremos, e isso é normal. É importante respeitar esse não saber.
Se você não sabe, espera um pouco e procura entender. Acho que a terapia é fundamental nesse processo. É sobre se conhecer, se respeitar, entender suas fragilidades e não se culpar por não conseguir fazer tudo. A sociedade impõe demais às mulheres. Muitas vezes vamos trabalhar e nos sentimos culpadas por deixar os filhos em casa.
O pai não sente isso. Passa o dia fora e está tudo certo. Nós, além de trabalharmos fora, ainda temos que cuidar dos filhos, da casa, da comida, da lição de casa… E ainda somos cobradas. Já me senti muito culpada por faltar a reuniões de escola, até a aniversários, por estar gravando fora do Rio. Isso gera culpa. Mas eu estava trabalhando. Dizia para os meus filhos: ‘Quando eu voltar, a gente vai fazer uma festona!’ Sempre tentei fazer com que eles entendessem e respeitassem.
Qual foi a maior mudança que você sentiu no processo de amadurecimento?
Envelhecer não é engraçado, não. Sem romantizar: é difícil. Mas sim, traz sabedoria. A gente fica menos ansiosa, se conhece melhor, aprende a não cair nas mesmas armadilhas. Seria um absurdo não aprender nada com o tempo.
Mas a energia cai, a menopausa é chata, a pele perde o tônus… Mas os homens também passam por isso. Lutar contra o tempo é burrice. Como diz o Gilberto Gil: o tempo é rei.
Temos que fazer do tempo um aliado. Aceitar as marcas é difícil. Nunca vi alguém dizer: ‘Acordei com três rugas, estou tão feliz!’ Ou: ‘Meu peito caiu, que alegria!’
A juventude tem sua beleza, mas a maturidade também tem. Fisicamente é mais difícil, sim. Os desejos diminuem, a energia também. Mas por outro lado, não temos mais paciência para o que não faz sentido. Antes, eu gastava tempo com coisas que nem gostava. Hoje, adoro ficar em casa. Aprendi a gostar da minha companhia. Isso é um grande aprendizado.
Quando você era mais jovem, tinha medo de ficar sozinha?
Tinha, sim. Eu emendava um casamento no outro, sempre tive muitos namorados. Agora, não tenho nenhum. Moro sozinha – e é uma delícia minha casinha!
E quando você percebeu isso? Que gostava do silêncio, da sua companhia? Teve algum momento específico?
Foi quando me separei do meu último casamento. Ainda morava com meus filhos, mas depois que eles saíram, foi inevitável ficar sozinha. No começo estranhei, saía muito à noite com amigos. Mas hoje, muitas vezes, prefiro ficar em casa, quietinha, lendo, vendo uma série…
Se você pudesse escolher três mulheres para compor a bancada do Sem Censura com você, quem seriam?
“Queria muito a Fernandona (Fernanda Montenegro), porque ela sempre tem muito a ensinar. Também queria muito a Betânia, sou completamente apaixonada por ela. E a Marta, nossa rainha do futebol.
Você ainda tem algum sonho não realizado? Planos para o futuro?
Quero ir para o Japão! E quero ir logo, porque daqui a pouco vou ter preguiça de fazer viagens mais inóspitas. Estou me organizando para uma viagem com trilhas, subidas… Quero fazer enquanto ainda tenho disposição.
Você acha que o tempo te trouxe mais leveza ou mais urgência?
Ambos. Tem coisas que sinto mais urgência. Ano passado, por exemplo, pulei de paraquedas. Pensei: ‘Ou é agora ou nunca’. E fui! Mas, ao mesmo tempo, certas coisas ganham leveza, como aceitar os outros, entender meus erros, lidar com as ansiedades. A questão existencial ficou mais leve.