Na última semana, a empresa de biotecnologia Colossal Biosciences divulgou uma notícia surpreendente: o nascimento de três filhotes criados em laboratório a partir da engenharia genética de lobos-cinzentos modernos e fragmentos de DNA extraídos de fósseis. A proposta seria trazer de volta o temido lobo-terrível, extinto há mais de 10 mil anos.
Apesar do avanço científico, muitos especialistas questionam se essa é, de fato, a melhor forma de usar uma tecnologia tão potente. Para eles, o problema não está na técnica em si, mas no propósito.
A desextinção levanta questionamentos éticos importantes
A chamada desextinção consiste no uso de biotecnologia para recriar espécies que desapareceram da natureza. Embora pareça algo saído de um filme de ficção científica, ela já é tecnicamente possível. No entanto, é essencial pensar sobre o impacto disso no presente.
Os especialistas pontuam que os animais recriados dificilmente voltariam ao seu habitat natural. Isso porque o ambiente de hoje é totalmente diferente daquele em que o lobo-terrível viveu. Além disso, não sabemos como esses seres se comportariam, nem quais efeitos causariam em outros ecossistemas.
Por isso, muitos estudiosos consideram esse projeto um risco, além de questionarem o que exatamente está sendo trazido de volta. “São lobos-cinzentos com modificações genéticas. Não podemos afirmar com certeza que são lobos-terríveis de verdade”, afirmou Corey Bradshaw, professor de Ecologia Global.
Colossal Biosciences usa mesma técnica aplicada em transplantes entre espécies
Ainda que o foco da Colossal Biosciences esteja em reviver animais extintos, as técnicas utilizadas por seus cientistas têm aplicações muito mais urgentes. A mesma engenharia genética empregada nesse projeto é usada, por exemplo, no desenvolvimento do xenotransplante – transplante de órgãos entre espécies diferentes.
Mayana Zatz, geneticista brasileira, é uma das pesquisadoras que trabalha com porcos geneticamente modificados para a doação de órgãos compatíveis com seres humanos. Ela explica que, nesse processo, os genes que causariam rejeição são eliminados, aumentando as chances de sucesso no transplante.
Nesse sentido, embora a desextinção seja um feito científico notável, a comunidade científica tem defendido que o uso dessas ferramentas pode (e deve) priorizar o bem-estar humano.
Especialistas defendem mais responsabilidade no uso da tecnologia
Outro ponto levantado é a falta de transparência. Os dados da pesquisa não foram publicados em revistas científicas, nem revisados por outros pesquisadores da área. Para o paleogeneticista Nic Rawlence, os animais gerados pela empresa representam um híbrido entre duas espécies distintas, já que o lobo-terrível original pertence a um gênero diferente do lobo-cinzento.
Portanto, embora o projeto desperte curiosidade e até entusiasmo em algumas pessoas, ele carrega uma série de dilemas que não podem ser ignorados. Como lembra Mayana, “se tivéssemos recursos infinitos, tudo bem. Mas com tantas doenças e desafios urgentes, talvez reviver espécies extintas não devesse ser prioridade.”
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