“Nunca desejei a morte de ninguém, mas li alguns obituários com grande satisfação.” Esse foi o comentário mais curtido em um post de Instagram noticiando o assassinato de Brian Thompson, CEO da UnitedHealthcare, uma das maiores seguradoras de saúde dos EUA. Com 50 milhões de clientes e um lucro operacional de US$ 16 bilhões em 2023, a empresa representa o poder – e os problemas – do sistema de saúde privatizado do país.
Thompson foi baleado em 4 de dezembro na porta de um hotel em Manhattan, após uma reunião com investidores. O autor do crime foi Luigi Mangione, um cientista da computação de 26 anos. As balas disparadas continham as palavras delay (adiar), deny (negar) e depose (depor), uma referência ao livro Delay, deny, defend, em que o professor Jay Feinman denuncia práticas antiéticas das seguradoras americanas.
O caso gerou euforia entre muitos americanos que veem nas empresas de saúde os culpados por falências e mortes de familiares que não conseguem arcar com custos médicos. Isso reflete um sistema onde até quem possui plano de saúde enfrenta negativas de tratamentos importantes. A crise da saúde nos EUA é tão grave que um em cada 12 americanos está totalmente sem cobertura.
O impacto das seguradoras na crise da saúde nos EUA
Entre 2020 e 2022, durante o auge da pandemia de Covid-19, os pedidos negados pela UnitedHealthcare para cuidados pós-agudos aumentaram de 10,9% para 22,7%. Essa decisão foi facilitada pelo uso de uma inteligência artificial chamada nH Predict, que prioriza eficiência financeira em detrimento da análise individual de casos. Esse dado reflete a situação de um sistema desenhado para o lucro, deixando as necessidades dos pacientes em segundo plano.
Além disso, a relação entre gastos médicos e dificuldades financeiras é alarmante: 58,5% das falências familiares no país são causadas por dívidas de saúde. Casos como o do físico Leon Lederman, que precisou vender sua medalha do Prêmio Nobel para pagar contas hospitalares, ilustram as consequências drásticas dessa realidade. Mesmo quem tem seguro-saúde muitas vezes evita buscar atendimento médico essencial, temendo os altos custos ou a negativa de cobertura.
Como o sistema de saúde nos EUA chegou a esse ponto?
A crise no sistema de saúde dos EUA tem raízes nas décadas de 1920 e 1930, quando empresas passaram a oferecer benefícios de saúde como parte do pacote de emprego. Hospitais, por sua vez, criaram associações para garantir uma receita fixa — foi o caso da Blue Cross e da Blue Shield, pioneiras no setor. A situação se consolidou em 1954, quando o governo federal isentou a saúde privada de impostos.
Entretanto, essa evolução trouxe consigo desigualdades profundas. Enquanto metade da população depende de planos vinculados ao emprego, o restante luta com sistemas públicos limitados como o Medicare e Medicaid, criados nos anos 1960 para atender idosos e trabalhadores informais.
Medidas mais recentes, como o Affordable Care Act (ACA) – conhecido como Obamacare – trouxeram avanços ao proibir seguradoras de negar atendimento com base em doenças preexistentes. Ainda assim, 27 milhões de pessoas permanecem sem cobertura.
O caso de Luigi Mangione e o clamor por mudanças
Em resumo, o crime cometido por Luigi Mangione é um reflexo extremo do descontentamento popular com o sistema atual. Apesar de avanços pontuais, a crise da saúde nos EUA continua sendo um alerta sobre as consequências de delegar um direito básico às mãos de empresas privadas. Com isso, cresce o debate sobre a necessidade de uma reforma ampla que promova mais justiça e equidade.
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