Aplicativos de escaneamento facial, influenciadores digitais e padrões de beleza inatingíveis têm alimentado um crescimento acelerado dos procedimentos estéticos na China. Abby Wu é um dos rostos mais conhecidos desse fenômeno. Aos 14 anos, ela passou por sua primeira cirurgia plástica: uma lipoaspiração, feita após ganhar peso por conta de um tratamento hormonal.
A decisão foi tomada por sua mãe, influenciada por críticas da professora de teatro da filha. A cirurgia, feita com Abby ainda consciente sob anestesia parcial, foi marcante. Ela lembra de ver a gordura e o sangue sendo retirados.
Hoje, aos 35 anos, acumula mais de 100 procedimentos, que custaram cerca de R$ 2,9 milhões. Donas de uma clínica de estética em Pequim, ela se tornou uma influenciadora ao compartilhar suas cirurgias nas redes sociais e em aplicativos como o SoYoung.
Enquanto passa corretivo nos hematomas deixados por injeções mensais no rosto, Abby afirma que não se arrepende das transformações. “A cirurgia funcionou. Fiquei mais confiante e feliz, dia após dia”, diz, reforçando que acredita que sua mãe tomou a decisão certa no passado.
Procedimentos estéticos cada vez mais extremos
A busca por beleza na China evoluiu para um ideal hiperfeminino e infantil. Procedimentos como botox atrás das orelhas, para projetá-las e afinar o rosto, e cirurgias que imitam traços de personagens de anime, como olhos maiores e lábios mais curtos, tornaram-se comuns. Porém, fora dos filtros e das luzes usadas em vídeos nas redes sociais, os resultados nem sempre parecem naturais.
Aplicativos como o SoYoung e o GengMei analisam digitalmente os rostos dos usuários e sugerem cirurgias em clínicas parceiras, ganhando comissões pelas indicações. Mesmo após tantas intervenções, Abby afirma que o SoYoung ainda sugere novos ajustes. “Fazer um aumento de queixo? Já fiz isso. Afinar o nariz? Outra cirurgia de nariz?”, brinca.
Popularidade crescente e riscos invisíveis
Estima-se que 20 milhões de chineses realizem procedimentos estéticos por ano, a maioria mulheres jovens com cerca de 25 anos. O número crescente de clínicas, porém, esbarra em um problema grave: a falta de profissionais qualificados. Em 2019, cerca de 80 mil estabelecimentos operavam sem licença e 100 mil profissionais atuavam sem qualificação.
Com isso, acidentes se tornaram comuns. A cirurgiã plástica Yang Lu afirma que a busca por correções de cirurgias malfeitas cresceu nos últimos anos. “Já atendi muitos pacientes cuja primeira cirurgia foi malsucedida porque foram a locais sem licença”, conta.
Cimento sob a pele e cicatrizes permanentes
A jovem Yue Yue, de 28 anos, sofreu com preenchimentos faciais aplicados por uma amiga em uma clínica não autorizada. Os produtos endureceram e deixaram sua pele rígida. Tentativas de reparo com clínicas famosas só agravaram a situação: uma delas chegou a remover tecido saudável com seringas, causando flacidez.
“Minha imagem inteira desmoronou”, diz Yue Yue, que teve sua autoestima e carreira prejudicadas. Hoje, após três cirurgias reparadoras com a médica Yang, ainda lida com danos permanentes. “Não quero mais ficar bonita. Se eu pudesse voltar a ser como era antes da cirurgia, ficaria muito feliz.”
Casos de clínicas licenciadas também preocupam
Nem mesmo as clínicas com licença oficial estão livres de irregularidades. A atriz Gao Liu teve a ponta do nariz necrosada após uma cirurgia malsucedida em 2020, feita por um médico sem a qualificação adequada. “Isso arruinou minha carreira de atriz”, desabafa.
Mesmo proibido de exercer por seis meses, o cirurgião continuou associado a uma nova clínica aberta no mesmo endereço da anterior. A BBC encontrou conexões entre as duas instituições e apurou que o profissional só obteve sua licença oficial em 2024, contrariando o período mínimo de punição imposto pelas autoridades.
Apesar dos esforços do governo chinês para controlar os abusos, como novas diretrizes e pedidos para que as autoridades locais reforcem a fiscalização, a indústria dos procedimentos estéticos segue crescendo rapidamente – nem sempre com segurança.
Leia também:
Cirurgia para reduzir o tamanho das orelhas existe! Conheça técnica