Muito se fala sobre os fardos pesados que carregamos desnecessariamente: dores, pesares e arrependimentos que prejudicam a caminhada ou nos desviam das rotas planejadas. Mas também acontece o contrário e com a mesma consequência: lotamos a mala com o que não era importante e, em compensação, extraviamos pessoas, hobbies, capacidades natas e desejos, sem perceber que ali sim estava nossa essência.
Esse processo de abdicarmos de pedacinhos de quem somos se instala aos poucos e, por isso, fica complicado reconhecer onde aquele desapego inconsequente começou: um trabalho que pagava melhor, mas não era o idealizado, te roubou de sua verdadeira aptidão; te convenceram de que os amigos da solteirice não combinavam mais com a vida de casado; o curso internacional ou a mudança de cidade trocados por permanecer no mesmo lugar e cuidar da família, enquanto se descuidava de quem você era. Suas ações de voluntariado, o esporte predileto e a coleção de selos deixada no baú das lembranças. E, finalmente, os amores verdes que, na pressa de seguir adiante, não foram colhidos.
O problema é que ficamos maltrapilhos quando despimos nossos sonhos e vestimos o dos outros. Caem mal, ficam frouxos e ajustá-los para que pareçam feitos sob medida deixam à mostra remendos bem na altura do coração.
BALCÃO DE RECLAMAÇÕES
Um dia nos damos conta que a melancolia que de vez em quando se avizinha pode ser traduzida por falta. E não apenas falta daquilo ou daqueles que deixamos pelo caminho porque, ao escolher o que levar na viagem, provamos não entender nada sobre prioridades. Mas falta de uma companhia imprescindível em qualquer aventura: a de nós mesmos.
E nesse ponto, ao encararmos o espelho e não nos reconhecermos, levamos um susto: parece tarde demais para chegar ao balcão de reclamações da vida e cobrar pelos valores pessoais extraviados. A tendência é fechar a porta e apagar a luz própria.
Mas é exatamente nesse momento que temos a possibilidade de optar por um entre dois partos: ou teremos o nascimento de uma pessoa amarga, que arrastará correntes de lamentações até o fim da existência por tudo que deixou para trás e não dá mais tempo de retomar ou de alguém disposto a voltar alguns capítulos no livro biográfico, pegar a caneta de volta, editar trechos e reconduzir a história, realocando personagens e descobrindo novos protagonistas, aqueles mais capazes de nos conduzir a um final feliz.
Wal Reis é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida. Blog: www.walreisemoutraspalavras.com.br