Na minha rotina, apesar de não recomendar, costumo fazer 56 coisas ao mesmo tempo: cozinho e falo ao telefone, tomo café da manhã enquanto seco o cabelo, escovo os dentes guardando as toalhas, passo roupa enquanto vejo o noticiário. Além disso, ainda imprimo uma velocidade de atleta queniano em tudo o que faço. Nada é devagar e, quando alguém de casa quer me contar algo, minha frase geralmente é: me segue e vai falando.
A justificativa do meu corre diário não é nada incomum: como a grande maioria dos adultos modernos, tenho muita coisa para fazer nas míseras 18 horas em que estou acordada e uma necessidade imensa de corresponder a tudo. Uma ânsia de dar conta, de cumprir horários e metas até que…
Até que em uma manhã, enquanto eu arrumava a bolsa para sair, colocava água na planta, estendia a toalha na lavanderia e fazia maquiagem, uma gotinha traiçoeira do meu óleo pós-banho, que havia caído no chão do banheiro, encontrou meu pé descalço e cumpriu seu papel de tentar me derrubar. Foi um belo escorregão até minha canela encontrar o gabinete da pia e aparar a queda iminente. Para quem joga futebol, foi mais ou menos como se o zagueiro tivesse entrado numa dividida com o atacante do time adversário. Só posso dizer que a dor foi digna de sair de campo de maca. E então escutei o juiz apitando a paralisação da partida.
Toda a minha pressa agora se resumia em encontrar a pomada para aliviar a dor. E fiquei ali, fora de ação por uns bons 15 minutos, chorando menos pela perna roxa e dolorida e mais pela raiva de mim mesma, pensando que poderia ter me arrebentado por uma correria insana, que me leva para onde mesmo?
Para onde a gente ia com tanta pressa?
O ano de 2020 foi como este grande escorregão no meu banheiro. Um tropeço, que tirou a gente do prumo e obrigou a repensar as rotas. Do dia para noite, home-office deixou de ser uma opção de empresas moderninhas para se transformar numa realidade até para companhias conservadoras. A máscara que víamos os japoneses usando pela televisão, e achávamos um exagero, agora estampa rostos nos sete continentes.
A vida entrou rapidamente em modo off: foram meses em que a afobação deu lugar a uma sensação de incredulidade, de paralisia. Como se nos transformássemos em personagens de uma série de ficção científica. E o único controle que tivemos nesses tempos de pandemia foi o controle remoto da TV.
As resoluções de ano novo, feitas de 2019 para 2020, já não dependiam exclusivamente de empenho individual, mas de fatores coletivos, provando que nossa existência depende de um complexo sistema falível e que um microrganismo, como um vírus ou uma gotinha de óleo no chão, podem nos deixar fora de combate, independente de para onde a íamos com toda aquela pressa. O fato é que mesmo os tropeços, que trazem algum dano, também funcionam para sair do piloto automático e repensar propósitos.
Ao final deste ano, estamos mais calejados e com mais medos, mas entendendo que o desejo de saúde não é apenas uma retórica escrita em uma mensagem de boas festas. E, para quem chegou até aqui mesmo com as sequelas de 2020, a ideia não é lamentar o que não conseguiu empreender, mas entender que depois de alguns tombos e passado o susto, a gente presta mais atenção no caminho e anda mais devagar. Só por precaução, porém, dá uma olhadinha nas fotos do Réveillon passado e evite repetir as cores que usou.
Feliz 2021 para todos!
Wal Reis é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida. Blog: www.walreisemoutraspalavras.com.br