Nos primeiros dias, quando tudo era uma completa novidade, ainda teve um pouco de graça. Afinal, estávamos protagonizando um acontecimento histórico e o #vaipassar parecia ter prazo de validade curto. Então dava para manter o equilíbrio enquanto nos ocupávamos com o que, aparentemente, estava ocupando todo mundo: arrumar gavetas, brindar pela tela do celular com outros confinados, afastar a mesa da sala de jantar para fazer seu treino de Pilates todas as manhãs, religiosamente. E o tempo foi passando (e passando e ainda está passando…), enquanto nos esforçávamos para cumprir o manual do #ficaemcasa.
Mas os webinars cheios de conteúdos interessantes começaram a dar um sono danado depois dos dez minutos iniciais. Aquelas receitas – super práticas e saudáveis – que te fazem ir atrás de um monte de ingredientes exóticos, deixava a pia lotada de louça suja e, portanto, a meta low carb perdeu a batalha para o aplicativo da lanchonete de hambúrguer.
JEITINHO NAS REGRAS
Com os cuidados pessoais foi a mesma coisa: no começo nos empenhávamos aprendendo com os tutoriais sobre como hidratar o cabelo e fazer unhas com autonomia. Enchemos o carrinho das lojas virtuais com pequenos milagres da cosmética e, no final, concluímos que o valor cobrado pela manicure compensava cada centavo, passando a sonhar com o lavatório do salão como quem sonha com uma poltrona na primeira classe.
Por isso não resistimos à mensagem do cabeleireiro, que passou a vender seu serviço como algo ilícito: sabia da proibição, porém, se compadecia da necessidade. Que tal um atendimento de portas fechadas, em salas à prova de som do secador e em horários exclusivos? Muitas sucumbiram. E saíram usando não só a máscara, mas óculos escuros e lenço muçulmano, menos para esconder os brancos e os fios desalinhados e mais para não serem reconhecidas.
Também nunca se viu tanto homem no supermercado, no açougue, na quitanda. E fazendo aquilo com o maior amor, empenhados, ligando para a sogra, para a vizinha, para a mãe e a avó com o intuito de saber se tinham certeza que não precisavam de mais nada: Sei lá, alguma fruta exótica do Nordeste ou um queijo de fazenda de Minas, esses coisas simples que só se encontra pegando a estrada.
CERTO OU ERRADO?
De uma maneira ou de outra, começamos a quebrar ou flexibilizar as regras por conta própria e até sem perceber. Menos pela contravenção e mais pelas contradições embutidas nelas.
O inusitado é que estamos todos corretos e errados ao mesmo tempo: o medicamento tal funciona. E não funciona. Ficar em casa é o que deve ser feito. Mas nem sempre. Os sintomas são graves. Mas podem ser leves. Os jovens não são grupo de risco. Mas são. A imunidade pós-contágio é bem-vinda. Não, não é mais. E assim por diante.
Na verdade, quanto mais buscamos respostas, mais estamos encontramos o avesso. E vai dando aquela ansiedade de arrematar logo essa costura para desvirar tudo de novo e reencontrar o lado certo, com todos os erros que ele sempre conteve.
*Sampa, música de Caetano Veloso
Wal Reis é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida. Blog: www.walreisemoutraspalavras.com.br