Poucos meses atrás, viralizou nas redes sociais o curta ‘Salve Ralph’, projeto que tinha como objetivo salvar não apenas o coelho que dá título à produção, mas todos os animais que sofrem com os testes em prol da indústria de beleza. A maioria das marcas recorre a essa iniciativa com a justificativa de saber se os produtos podem causar reações nos consumidores. A prática, porém, já se revelou desnecessária neste sentido – afinal, existem outros meios de se realizarem os testes, como o desenvolvimento de “peles artificiais”. Tanto que, na União Europeia, testar produtos em animais já é uma prática proibida há anos.
Por outro lado, uma minoria das empresas já abandonou este ato. É o caso da Dailus, que, desde o início de suas atividades, em 2006, possui um portfólio livre de crueldade animal e foca no público que não consome nenhum produto de origem animal, incluindo, além da alimentação, uso de roupas e sapatos feito com a pele dos bichinhos e cosméticos com ingredientes de origem animal e/ou testados em animais. Esta parcela da população se recusa até a frequentar espaços que usam animais como atração.
Em 2018, a marca recebeu o selo PETA, uma certificação internacional que tranquiliza os consumidores que buscam produtos sem testes em animais. A certificação é concedida por pela organização não-governamental de mesmo nome, a People for the Ethical Treatment of Animals (PETA) – Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais, em tradução livre; a instituição se compromete acabar com o tratamento abusivo de animais na indústria e sociedade, tentando evitar o “especismo”, que é quando os seres humanos são colocados em nível superior de outros animais.
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Todas as empresas que usam o selo nas embalagens de seus produtos concordaram em assinar uma declaração de que nem elas, nem seus fornecedores, conduzem ou encomendam testes em animais para avaliar a formulação do produto. De fato, a Dailus também acompanha de perto cada um dos terceirizados envolvidos no processo de produção. “Contamos com terceristas nacionais e internacionais certificados, que atuam junto às principais marcas do setor de beleza e são reconhecidos mundialmente pela qualidade assegurada no fornecimento de insumos e em seu processo produtivo. Uma das principais premissas para a homologação destas empresas é justamente não realizarem testes em animais”, explica Júlia Villa, gerente de marketing e marca da Dailus.
Segundo a gestora, o portfólio vegano da empresa também está em plena expansão – agora, praticamente 100% dos produtos da marca não possuem ingredientes de origem animal em sua composição. De acordo com Villa, a ideia é antecipar as tendências do mercado – afinal, os consumidores estão cada vez mais exigentes em relação a uma postura mais consciente das empresas de quem compram – e, claro, seguir o perfil de uma boa parte dos clientes da marca, que são adeptos de premissas do veganismo.
“O movimento de maior consciência dos consumidores vem acontecendo há alguns anos, e as marcas que não se adaptarem poderão perder grandes oportunidades de fidelização de seus clientes”, conta Júlia. De fato: uma pesquisa da Accenture em 2018 apontou que 77% dos consumidores brasileiros afirmam que suas decisões de compra são impulsionadas pelos propósitos das empresas. Além disso, 87% desejam maior transparência sobre fatores como a origem dos produtos, condições de trabalho e testes em animais. O diálogo transparente e próximo com os possíveis clientes também é um dos pilares da marca de beleza.
Atendimento médico
Os produtos que não foram testados em animais são privilegiados por Monalisa Nunes, CEO da primeira clínica com especialidade em pessoas veganas, a Derma Vegan. O espaço busca tratar os pacientes com um atendimento humanizado. As ginecologistas, por exemplo, passam por treinamentos para atender homens trans; as dermatologistas são especializadas em pele negra. E isso é um ideal para todos os profissionais do espaço: médicas, secretárias, profissionais de limpeza. Por isso, os valores de todos os pacientes são respeitados – inclusive de quem não é vegano.
Mas é inegável que esta é a parcela mais beneficiada. Não é comum que os médicos tenham abertura para você pedir apenas por cosméticos sem testes em animais. Alguns nem sabem quais marcas realizam e quais abandonaram a prática. Mais do que isso: a própria comunidade vegana tem muitas dúvidas sobre a indústria cosmética. É aí que entra Monalisa: na atuação da dermatologista, ela privilegia a prescrição de produtos veganos (claro, respeitando os ideais dos pacientes). Também é uma espécie de “guia” para toda a variedade de produtos do mercado vegano: dos mais baratos aos mais caros; os de farmácia, os naturais… Afinal, ela também é especializada em pessoas naturalistas.
Claro que, no caso de medicamentos e vacinas, não há muito o que fazer: todos foram testados em animais em algum momento, e ainda não há nenhum tipo de alternativa científica para eles. Por isso, a comunidade vegana não recrimina este tipo de tratamento, e, se necessário, eles serão prescritos normalmente.
A clínica Derma Vegan
No início, Monalisa pretendia abrir uma clínica de dermatologia, com uma esteticista e um centro de SPA natural e vegano. Por outro lado, sua vivência fez com que começasse a ter uma ideia fixa: se fosse abrir uma clínica, teria de ser um espaço de medicina integrativa.
“Muitas vezes, o paciente vai em uma dermatologista e, depois, vai em outro profissional que descredibiliza ou interfere no outro tratamento. Não há uma sintonia, né? A melhor forma de cuidar de um paciente é no cuidado multidisciplinar, em que as especialidades se complementam”, ressalta Monalisa.
Para construir sua equipe, a jovem juntou amigas da faculdade e profissionais que já a atendiam. A maioria é vegana, mas nem todas. O que une o grupo são os valores éticos que norteiam a clínica: ver o paciente como um todo, e não como um “pedaço” (ou seja, enxergando a pessoa apenas a partir da lente de sua especialidade) e “praticar uma medicina menos medicamentosa, que tenha uma escuta mais atenciosa e importante” – a partir de consultas mais longas.
A clínica conta com ginecologista obstetra, psiquiatra, nutricionista e nutróloga – as duas últimas também veganas e especializadas no veganismo. Tudo para garantir um tratamento personalizado, respeitoso e alinhado aos valores dos pacientes.
Impacto do Veganismo
A própria Monalisa é vegana, e, por isso, sabe bem das dificuldades que este tipo de público enfrenta ao procurar tratamentos médicos. A adoção do novo estilo de vida foi abrupta: um dia, assistindo ao filme ‘OKJA’ – conhecido por transformar várias pessoas em vegetarianas ou veganas -, olhou para a irmã, a irmã olhou para ela, e ambas decidiram, juntas, que iriam parar com o consumo de produtos de origem animal. “A gente sempre teve esse amor pelos animais, então, no início, viramos veganas principalmente pelo respeito à vida deles. Nós não temos direito sobre elas, muito menos tirá-las com crueldade para nosso próprio prazer. Mas acho interessante falar que fomos aprendendo que e o veganismo está ligado a outras causas muito importantes, como a sustentabilidade, a saúde integral e até mesmo questões socioeconômicas”, explica.
De fato. A cada segundo, um boi, um porco e 190 frangos são abatidos. Um estudo da ONU representa que, até 2050, este consumo será triplicado. Os impactos disso na natureza são extremos. Para se ter ideia:
- 1 kg de carne precisa de cerca de 15.400 kg de água para ser produzida;
- A Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu um alerta sobre a pecuária ser o setor que mais polui as águas do mundo de maneira irreversível;
- Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 70% da terra desmatada da Amazônia é usada como pasto e coberta por plantações cultivadas para a produção de ração para o gado.
Uma das principais ideias para se adaptar a parar de comer carne é fazer isso aos poucos. Por isso, existe a iniciativa ‘Segunda sem Carne’. Apesar de parecer pouco, algumas das escolas da rede municipal do país já aderiram à ideia e conseguiram diminuir, em um ano, o consumo de 436 mil quilos do alimento.
Por outro lado, para Monalisa, a maneira mais fácil de começar a se inteirar no universo do veganismo é pelos cosméticos. Afinal, qualquer pessoa pode trocar um produto por uma alternativa vegana equivalente – seja um creme, um batom ou um protetor solar…
Além da natureza, o Veganismo impacta na saúde dos adeptos à dieta: um estudo publicado no JAMA Internal Medicine em 2013 mostrou que a dieta vegetariana, sem gordura animal, está associada ao menor risco de doenças crônicas, como síndrome metabólica, hipertensão, diabetes, doença isquêmica do coração e mortalidade por doenças renais.
Para expandir essas ideias, a dermatologista não fica somente dentro das paredes de sua clínica. Monalisa usa as redes sociais para criar conteúdo sobre o tema – isso desde a faculdade. “Quando eu virei vegana, não conseguia pensar em falar de outra coisa, em mostrar como o movimento vegano tem práticas que podem ser aplicadas de forma simples no nosso dia a dia, e também desmistificar essa imagem radical que o veganismo tem. Muita gente acha que é um movimento muito restrito, difícil, distante…”, diz. Além disso, a médica ama ensinar. E aprender também: todo o saber que acumulou sobre o tema foi por meio de estudos autônomos. Até porque ainda não existe nenhuma especialização acadêmica para atendimento de pessoas veganas e naturalistas.
A própria Dailus, marca citada no início da matéria, também usa das redes sociais para oferecer conteúdos sobre temas relevantes ao público – inclusive o veganismo. Ou seja: a internet é um bom espaço para conhecer iniciativas que visam diminuir o sofrimento animal. Resta colocar isso na prática.