Você já reparou como muitos homens têm passatempos que cultivam com orgulho? Seja jogando futebol, montando um quebra-cabeça ou se dedicando a um videogame, eles não sentem culpa por tirar esse tempo para si. Já entre as mulheres, a história costuma ser bem diferente. Quantas você conhece que se permitem ter um hobby que não esteja relacionado ao trabalho, aos filhos ou à casa?
Segundo a psicóloga e arteterapeuta Brunna Dolgosky, essa diferença de comportamento tem raízes culturais profundas. “Vivemos em uma sociedade que historicamente exige da mulher produtividade, cuidado e desempenho. Por isso, cultivar uma atividade apenas pelo prazer é uma forma de sustentar a saúde mental e preservar a identidade”, explica.
Mulheres ainda carregam a maior parte das responsabilidades
Embora muitas de nós estejamos inseridas no mercado de trabalho, o cenário dentro de casa pouco mudou. De acordo com uma pesquisa do IBGE, as mulheres dedicam, em média, 21,4 horas por semana aos cuidados com a família e aos afazeres domésticos – quase o dobro dos homens. Esse acúmulo de tarefas esgota nossa energia e rouba o tempo livre que poderia ser usado com atividades de lazer.
Por isso, quando surge um tempinho, é comum escolhermos dormir ou resolver pendências. Raramente nos permitimos fazer algo só por prazer. E, mesmo quando fazemos, um sentimento de culpa costuma vir de mãos dadas ao pequeno momento de lazer.
A culpa ainda pesa quando o assunto é lazer
Infelizmente, muitas mulheres sentem que precisam justificar o uso do próprio tempo. Enquanto um homem pode jogar videogame por horas sem ser questionado, uma mulher que decide fazer o mesmo pode se sentir julgada.
“Quando uma mulher se permite pintar, dançar, bordar ou explorar algo que não tem utilidade direta, ela reafirma que existe para além dos papéis que ocupa. Isso é essencial para não se confundir com o que faz”, explica Brunna. Afinal, papéis mudam. Mães se despedem dos filhos crescidos, profissionais se aposentam. E aí, quem sobra quando tudo isso passa?
A falta de incentivo começa na infância
Desde cedo, os meninos são estimulados a cultivar hobbies individuais, geralmente ligados aos esportes e a tecnologia. No caso delas, o cenário é diferente: meninas ganham brinquedos que ensinam a cuidar da casa ou de outras pessoas, bonecas e panelinhas. Embora essas brincadeiras não sejam ruins, elas reforçam o papel de cuidadora — e quando chega à vida adulta, essa atribuição dificilmente se desfaz.
Assim, as atividades de lazer femininas acabam sendo vistas como extensões do trabalho doméstico. Cozinhar, por exemplo, pode até ser prazeroso, mas muitas vezes vira obrigação. Com o tempo, esquecemos que existe um mundo de opções que podemos explorar por nós mesmas, por simples alegria.
O tempo livre ainda é um privilégio masculino
Um de 2018 do Instituto Market Analysis entrevistou mais de mil pessoas e apontou o desequilíbrio entre os gêneros quando o assunto é tempo livre. Entre os solteiros e sem filhos, 61% das mulheres disseram ter algum ou muito tempo para si. Entre os homens, o número sobe para 64% — diferença pequena, mas significativa.
Contudo, entre os casados com filhos, a situação muda radicalmente: apenas 40% das mulheres relatam ter tempo livre, contra 55% dos homens. Os dados expõem como o cuidado com os filhos impacta mais o cotidiano feminino e, com isso, reduz o acesso aos passatempos.
As consequências da ausência de passatempos
Quando deixamos de lado nossas vontades para cumprir apenas funções, algo dentro da gente se apaga. Não é exagero dizer que a falta de um hobby afeta nossa autoestima e até a saúde mental. Brunna ressalta que “ter um hobby é construir um vínculo consigo mesma que resiste ao tempo, às transições e às expectativas externas”.
Em outras palavras, enquanto o mundo muda e os papéis que desempenhamos se transformam, um passatempo pode ser o que nos ancora à nossa essência.
Tempo livre também é autocuidado
Não é preciso esperar por uma grande mudança na rotina para começar. Reservar 15 minutos do seu dia para fazer algo que você gosta, como pintar, escrever, cantar, caminhar sozinha, pode ser o início de uma jornada mais leve. Ainda que pareça difícil no começo, insistir nessa prática é uma forma de dizer a si mesma: “Eu também mereço cuidar de mim.”
Ao adotar para si um hobby, a mulher se reconecta com partes esquecidas de si. E isso não precisa ter um objetivo prático, financeiro ou produtivo. Pintar, dançar, costurar, colecionar ou apenas ouvir música em silêncio pode ser o que faltava para reacender a sua luz interna.
Mais do que um simples passatempo, esse tempo com você mesma é um lembrete diário de que sua vida também é sobre você — e não apenas sobre os outros.
Resumo: Ainda que muitas mulheres se sintam culpadas por dedicar tempo aos próprios interesses, os hobbies são fundamentais para manter o equilíbrio emocional. Eles ajudam a preservar a identidade, fortalecer a autoestima e garantir momentos de prazer genuíno. Priorizar o que te faz bem não é egoísmo — é sobrevivência.
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