O Brasil registrou, em 2024, o maior número de mortes por feminicídio desde que o crime foi tipificado em 2015. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 1.492 mulheres perderam a vida vítimas desse tipo de violência — uma média alarmante de quatro mortes por dia.
O índice representa um aumento de 0,7% em relação a 2023. A taxa nacional chegou a 1,4 morte por feminicídio a cada 100 mil mulheres, o que sinaliza uma crescente preocupação, especialmente quando comparado à queda de 5,4% nas Mortes Violentas Intencionais (MVIs) no mesmo período. Ou seja, enquanto os índices gerais de criminalidade apresentaram melhora, a violência de gênero seguiu um caminho oposto.
Ainda que os homicídios dolosos de mulheres — que englobam os feminicídios — tenham recuado 6,4%, o número de crimes motivados por questões de gênero cresceu. Essa disparidade mostra, acima de tudo, a urgência de repensar as estratégias de enfrentamento à violência contra a mulher.
Apesar de nova lei, prevenção ainda é o principal desafio
Em outubro de 2024, o Brasil deu um passo importante ao sancionar a Lei nº 14.994, que tornou o feminicídio um crime autônomo. A nova legislação aumentou a pena para quem comete esse tipo de violência, que passou de 12 a 30 anos para 20 a 40 anos de reclusão.
Contudo, conforme alerta o próprio Anuário Brasileiro de Segurança Pública, focar apenas no endurecimento das penas pode não ser suficiente. O documento destaca que, em muitos casos, o feminicídio é o desfecho de um ciclo contínuo de violência, que inclui agressões físicas, psicológicas e ameaças constantes.
Nesse contexto, políticas públicas voltadas à prevenção — como acolhimento das vítimas, fortalecimento da rede de proteção e acesso facilitado à denúncia — continuam sendo fundamentais. Além disso, a subnotificação também preocupa: muitos casos só entram nas estatísticas quando a tragédia já aconteceu, o que torna ainda mais difícil a atuação do poder público.
Perfil das vítimas de feminicídio reforça vulnerabilidades sociais
O levantamento traça um perfil das mulheres mais atingidas pela violência de gênero. Em 2024, 63,6% das vítimas de feminicídio eram mulheres negras. Já em relação à faixa etária, 70,5% tinham entre 18 e 44 anos, faixa marcada por forte presença no mercado de trabalho e responsabilidades familiares.
Além disso, chama atenção o crescimento de crimes contra meninas e mulheres mais velhas. Houve um salto de 30,7% nos casos entre adolescentes de 12 a 17 anos e de 20,7% entre idosas com 60 anos ou mais. Tais números revelam que o feminicídio afeta diferentes gerações e contextos de vida, exigindo ações específicas para cada público.
A residência da vítima foi o local do crime em 64,3% dos casos. A arma branca aparece como o meio mais utilizado (48,4%). Já os autores dos crimes, na maioria das vezes, são pessoas próximas: companheiros (60,7%) e ex-companheiros (19,1%), totalizando quase 80% dos casos. Em 97% das situações em que houve identificação do agressor, o autor era homem.
Como avançar diante dos dados?
A publicação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública joga luz sobre um problema que não pode mais ser ignorado. Para além do aumento das penas, é essencial criar mecanismos eficazes de escuta, proteção e acolhimento das mulheres, bem como investir em campanhas educativas e formação de profissionais que atuam na linha de frente, como policiais, assistentes sociais e profissionais de saúde.
A violência de gênero, que culmina no feminicídio, ainda está enraizada em desigualdades estruturais. Por isso, combater esse crime é também promover equidade, garantir o acesso das mulheres a oportunidades justas e reforçar, diariamente, o respeito às suas vidas e decisões.
Resumo: O Brasil vive um cenário preocupante de aumento no número de feminicídios, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Mesmo com a criação de leis mais rígidas, os dados mostram que a prevenção e o fortalecimento da rede de apoio são os caminhos mais eficazes para salvar vidas. O perfil das vítimas aponta desigualdades raciais e etárias, reforçando a necessidade de políticas públicas específicas e acolhedoras.
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