Nos últimos anos, a ideia de fechar ciclos ganhou força nas redes sociais. Em tese, ela propõe desapego, amadurecimento e novos começos. No entanto, na prática, muita gente usa essa expressão como um atalho emocional para não lidar com a própria dor.
Trocas repentinas de emprego, términos abruptos, sumiços emocionais e decisões impulsivas passaram a ser justificadas como sinais de evolução. Porém, segundo o psicanalista, filósofo e teólogo Lucas Scudeler, isso raramente representa um encerramento real. Na maioria das vezes, trata-se apenas de fuga emocional.
De acordo com o especialista, o conceito se popularizou justamente por ter virado meme. E, como todo meme, ele simplifica processos profundos e complexos, oferecendo respostas rápidas para dores que exigem tempo, consciência e responsabilidade emocional.
Fechar ciclos virou uma ideia superficial nas redes
Embora o discurso pareça libertador, fechar ciclos se transformou em uma espécie de faxina emocional apressada. Assim, muitas pessoas acreditam que mudar o cenário externo basta para resolver conflitos internos.
Segundo Scudeler, esse pensamento ignora o essencial: ninguém encerra uma fase sem encarar a própria verdade. “Fechar ciclo virou mantra de oito segundos, mas maturidade não cabe em reels”, afirma o psicanalista.
Além disso, quando o processo acontece sem reflexão, a pessoa apenas troca o palco, mas mantém os mesmos personagens internos. Ou seja, os padrões seguem ativos, mesmo que o contexto mude.
Por que é tão difícil fechar ciclos de verdade?
De acordo com Lucas, três feridas centrais impedem o encerramento emocional genuíno. Entender esses pontos ajuda a diferenciar encerramento emocional de simples afastamento.
1. A mente evita dor e repete padrões
“O cérebro prefere o inferno conhecido à travessia desconhecida. A repetição é confortável, mesmo quando machuca”, explica o especialista.
Por isso, muitas pessoas retornam a relações desgastadas não por amor, mas por medo do vazio. Elas evitam o desconforto de abandonar um “eu” antigo antes de construir um novo.
2. O apego se conecta à fantasia
Segundo Scudeler, a química do apego — dopamina, ocitocina e o sistema de recompensa — cria vínculos com a fantasia, não com a realidade.
“Não sofremos pela pessoa que se foi. Sofremos pelo papel que desempenhávamos. Perdemos a fantasia que sustentava nossa identidade”, afirma. Assim, o sofrimento se relaciona mais com a perda da imagem idealizada do que com o vínculo real.

3. Falta maturidade emocional
Sem valores sólidos e consciência ética, muitas pessoas recorrem a frases prontas, rituais simbólicos e superstições emocionais. Elas buscam um encerramento que não exija responsabilidade, reconhecimento de erros ou revisão de narrativas.
Nesse sentido, o especialista reforça: isso não é espiritualidade, mas fuga emocional.
O problema do misticismo rápido ao tentar fechar ciclos
Outro ponto importante destacado por Scudeler é o crescimento do chamado “misticismo rápido”. Esse mercado promete cura instantânea e se aproveita da dor de quem não quer sentir.
Essas práticas até aliviam temporariamente, mas não transformam. Elas anestesiam feridas emocionais, espiritualizam conflitos psicológicos e criam uma falsa sensação de superação.
O resultado? A dor retorna em forma de ansiedade, recaídas emocionais e repetição de padrões. Como compara o especialista, é como passar perfume sem tomar banho: parece funcionar, mas não resolve.
Fechar ciclos não é ritual, é transformação interna
Para Lucas, fechar ciclos de verdade exige atravessar três camadas profundas:
Primeiro, a compreensão psicológica. Nesse estágio, a pessoa revisita a própria história sem maquiagem, reconhece padrões e assume responsabilidades. Enquanto alguém protege sua narrativa, continua repetindo a mesma história.
Depois, vem a elaboração emocional. Aqui, sentir a dor até o fim se torna essencial. Segundo o especialista, quem tenta acelerar o sofrimento apenas congela o ciclo. Afinal, só é possível curar aquilo que se sente.
Por fim, ocorre o encerramento espiritual — não como ritual, mas como postura ética. Fechar um ciclo significa escolher não alimentar ressentimento, vitimismo ou dependência emocional. É agradecer o aprendizado e liberar espaço interno para novas escolhas.
O que acontece quando não conseguimos fechar ciclos?
Quando um ciclo não se encerra corretamente, os sinais aparecem no comportamento. Entre eles estão repetição de padrões afetivos, atração por parceiros emocionalmente indisponíveis, dependência emocional, baixa autoestima e procrastinação.
Além disso, torna-se difícil abrir espaço para novas relações. A pessoa se torna fiel à dor que conhece, e não ao futuro que deseja. “Vida parada é sinônimo de ciclo mal encerrado”, conclui Scudeler.
Resumo: Muitas pessoas confundem fechar ciclos com afastamento emocional. No entanto, encerrar uma fase exige consciência, elaboração da dor e responsabilidade afetiva. Sem esse processo, os padrões se repetem. O verdadeiro fechamento acontece dentro, não fora.
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