Você já passou por isso? Um comentário inadequado, um elogio constrangedor ou uma “brincadeira” que passou do ponto? De acordo com a pesquisa “O ciclo do assédio sexual nos ambientes profissionais”, realizada pela ONG Think Eva em parceria com o LinkedIn, 47% dos casos de assédio sexual acontecem no ambiente de trabalho. O levantamento, feito com 414 mulheres brasileiras, também revela que uma em cada seis vítimas pede demissão após o ocorrido, enquanto 35% relatam viver sob constante medo.
O assédio sexual é crime, previsto no artigo 216-A do Código Penal. Ele se caracteriza por constranger alguém para obter vantagem sexual, aproveitando-se da posição de poder hierárquico no trabalho.
“É muito comum que, no ambiente corporativo, a gente discuta aquela frase clichê: ‘era só uma piada’ ou ‘todo mundo sempre falou’”, aponta Thais Requito, especialista em desenvolvimento humano e produtividade sustentável, em entrevista à AnaMaria. Ela explica que esse tipo de fala normaliza comportamentos abusivos, muitas vezes disfarçados de humor ou comentários irônicos.
Por isso, é necessário identificar quando um comentário passou do limite e se tornou assédio:
- Promessas de tratamento diferenciado com insinuações explícitas ou veladas;
- Contato físico não consentido;
- Convites persistentes e inapropriados;
- Chantagem para obter favores ou manter a vaga.
“Talvez a intenção da pessoa não tenha sido ruim, mas isso não importa — importa o impacto na pessoa que recebeu. Então, a partir do momento em que existe algum tipo de constrangimento, intimidação, exposição ou até reforço de estereótipos, não é mais uma brincadeira”, completa Thais.
O silêncio em torno do assédio
Os dados colhidos pela pesquisa revelam que a maior barreira para a denúncia é a crença na impunidade: 78% das entrevistadas acreditam que o assediador não será responsabilizado. A percepção de impunidade reforça o silêncio, alimenta a cultura de tolerância e dificulta a quebra do ciclo de violência.
Quando a culpa recai sobre quem sofreu
Além do medo da impunidade, o ambiente que ignora ou até incentiva esse tipo de comportamento faz muitas vítimas de assédio sentirem vergonha e até culpa pelo que aconteceu. “Se a empresa ridiculariza quem denuncia ou minimiza a situação, a culpa muda de lugar — e recai sobre quem sofreu a violência, não sobre quem a praticou”, pontua Thais.
Esse sentimento de culpa, somado ao receio de retaliação, leva muitas mulheres a se calarem. Por isso, é essencial promover uma mudança cultural que encoraje o acolhimento, a escuta e o respeito às vítimas.
O papel das empresas e da Justiça
Para reverter esse cenário, as empresas precisam assumir a responsabilidade de criar um ambiente seguro para todos os colaboradores. Isso inclui oferecer canais de denúncia confidenciais, garantir que as vítimas sejam ouvidas com empatia e agir com firmeza diante dos abusadores. “Não basta ter um canal se ninguém acredita que ele funciona”, reforça Thais. Líderes e gestores precisam ser treinados para lidar com essas situações com seriedade e respeito.
Mas, quando a empresa falha ou se omite, é possível — e necessário — buscar apoio fora do ambiente corporativo. A advogada Mayra Cardozo explica que a denúncia formal à Justiça pode (e deve) ser feita mesmo que a empresa não tenha mecanismos internos eficazes. “As mulheres que ocupam espaços de poder precisam usar esse lugar de privilégio para transformar as estruturas e torná-las mais seguras para todas”, afirma.
Quebrar o silêncio é o primeiro passo
Falar sobre assédio, dar nome às violências e exigir responsabilização não é exagero nem drama: é uma forma de proteger a si mesma e a outras mulheres. Ao romper o silêncio, você ajuda a romper um ciclo. E se ainda faltar coragem, procure apoio. A luta por ambientes mais seguros e igualitários começa com uma escuta verdadeira — e continua com ações firmes, tanto no dia a dia das empresas quanto na Justiça.
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