A jornalista e influenciadora Fátima Cheaitou (@falafatuma), de 23 anos, nasceu em uma família muçulmana e mora no Líbano há quatro anos. Ela conta que já enfrentou muito preconceito para que pudesse se vestir como bem entendia. Um dos momentos mais marcantes vivenciados devido à sua vestimenta aconteceu enquanto morava no Brasil, ao retornar da faculdade, usando o hijab.
“Ônibus lotado, horário de pico, todo mundo cansado voltando pra casa. Você acredita que ninguém quis sentar do meu lado? Eu me senti muito mal, porque eu nunca fiz mal a ninguém. Todo mundo que olha pra mim eu sempre sorrio, porque eu não quero que fique essa imagem”, descreve.
Situações parecidas já aconteceram com Bárbara Franciscatte (@bafranciscatte), influenciadora e técnica em informática, de 36 anos. Ao contrário de Fátima, ela passou boa parte da vida seguindo o cristianismo, se converteu ao Islã por divergências de crenças e se casou com um homem muçulmano. Hoje, Bárbara repassa os princípios da religião para seus três filhos: Gabriel, de 17 anos, Sofia, de 4 , e Lara, de 1.
A retomada de poder do Talibã no Afeganistão chamou a atenção para as formas de opressão enfrentadas pelas mulheres que vivem naquele país. Entre elas, a obrigatoriedade de cobrir o cabelo, os braços e as pernas com o hijab. Logo, não faltaram relatos e críticas sobre o quanto essas mulheres são reprimidas e submissas à religião.
Um fato é que ninguém deve sofrer imposições sobre quais roupas usar ou não. Entretanto, fugindo de generalizações, há um outro lado em que mulheres muçulmanas do mundo todo optam pelo uso do hijab seguindo o livre-arbítrio em uma expressão de fé, força e empoderamento.
“Os motivos que me fizeram querer, além de ser parte da minha fé, querer agradar a Deus, é uma forma de externalizar a sua fé. Além disso, desde criança, eu vi minha mãe usando e a minha mãe é o meu exemplo na vida”, explica Fátima.
Fotos:Instagram/@falafatuma
MODA MODESTA
O hijab é apenas uma das características da chamada ‘moda modesta’, prevista em diversos versículos do Alcorão – o livro sagrado do islamismo. A partir disso, as mulheres muçulmanas devem se vestir de maneiras diferentes em três tipos de situação: na presença de outras mulheres muçulmanas; diante de parentes da mesma linhagem ou daqueles que são casados com eles (chamados mahram); e perante mulheres que não são muçulmanas ou homens que não são mahram.
Alguns relatos do Profeta Muhammad indicam que o correto é que as mulheres passem a se cobrir a partir da primeira menstruação, portanto não há uma idade exata para que isso aconteça.
“Tem várias formas de se vestir com modéstia e ser muito chique e bonita. Essa é uma coisa muito legal e que está mudando bastante. Cada dia que passa tem mais roupas no mercado que são de moda modesta, o que ajuda bastante a mulher muçulmana”, ressalta Fátima.
No caso do hijab, a vestimenta inclui um véu ao redor da cabeça, cobrindo o pescoço e os cabelos, além de roupas ‘modestas’ que escondem o corpo todo – exceto pelas mãos, pulsos e pés. Também existe a possibilidade de usar um niqab, que deixa apenas os olhos à mostra.
A última opção e também a mais polêmica, aderida em alguns países do Oriente Médio é a burca. Essa vestimenta cobre inclusive os olhos, deixando apenas uma tela para que as mulheres possam enxergar. No início dos anos 2000, a burca era um dos símbolos do regime do Talibã.
Fotos:Instagram/@bafranciscatte
OPRESSÃO X EMPODERAMENTO
Falar sobre a obrigatoriedade do uso do hijab na religião muçulmana é como falar sobre o sexo antes do casamento no cristianismo. Existe uma recomendação, porém seguí-la ou não é uma escolha do fiel.
Em apenas dois países do Oriente Médio o uso do lenço – seja o hijab, o niqab ou a burca – é obrigatório. São eles o Irã e a Arábia Saudita. Já nos demais, como Afeganistão, Sudão e Malásia, não existem leis que determinem a vestimenta, porém ela segue representando um forte traço cultural transmitido entre as gerações.
Para Fátima, além de oprimir as mulheres, essa obrigatoriedade acaba ‘‘sujando a imagem da religião’’. Ela acrescenta: “O que oprime não é a religião, mas a cultura, a sociedade e o governo”.
Do contrário, cabe a cada mulher perseguir o seu compromisso com Deus e optar pela moda modesta ou não. “A pessoa que opta por não usar o lenço está cometendo um pecado, uma desobediência a Deus, mas isso é entre ela e Deus. Isso não pode ser imposto pelo marido, pelo pai ou por ninguém. Isso é uma decisão dela, entre ela e a obediência dela a Deus”, defende Bárbara.
A dualidade entre opressão e empoderamento é bastante delicada, ainda mais quando partimos do ponto de vista ocidentalizado, em que a moda é constantemente associada à ousadia e à excentricidades. Por outro lado, Fátima e Bárbara concordam sobre a importância de darmos ouvidos às mulheres muçulmanas e considerar os diferentes recortes da situação antes de proclamar preconceitos.
“Hoje em dia, as pessoas têm essa visão de que o empoderamento feminino engloba o ‘meu corpo, minhas regras’, mas normalmente quando se fala em tirar (…) Mas ninguém pensa nesse mesmo ponto de vista quando se trata do pôr. Eu quero usar o hijab, eu quero usar uma roupa modesta, uma roupa que me cubra e não quero ser incomodada pelas pessoas. Eu quero cobrir o meu corpo e não quero que ninguém me encha de advertências por causa disso”, protesta a técnica em informática.
PRECONCEITO
Fátima acredita que o empoderamento também está no ato de enfrentar os julgamentos relacionados ao uso do hijab. “Num mundo em que muita gente está te falando que usar o hijab é sinônimo de opressão, você pega e fala ‘não, pra mim é sinônimo empoderamento’ (…) De maneira geral, a mulher é oprimida de tantas formas, independentemente do que estiver vestindo. E aí colocar o hijab e ter total convicção de que é isso o que eu quero é muito empoderador”.
Não faltam relatos de islamofobia enfrentados pelas entrevistadas, como na situação do ônibus. Bárbara teve receio de não conseguir empregos ao aderir ao uso do hijab, por exemplo. Já Fátima perdeu as contas de quantas vezes foi chamada de apelidos maldosos na infância.
Segundo ela, os olhares também dizem muito sobre o preconceito dos outros. “Muitas vezes é por falta de conhecimento e aí a pessoa quer saber mais. Por conta do que ela viu na mídia, ela acha que nós somos oprimidas. Eu não tenho problema algum em ensinar, o ruim é quando a pessoa acha que ela está certa e aí ela vai sempre julgar”.
Fotos: Instagram/@falafatuma e @bafranciscatte
TENDÊNCIAS
Quando o assunto são tendências, se engana quem pensa que as adeptas à moda modesta não podem se reinventar e apostam na criatividade para montar os looks. Bárbara é uma das influenciadoras muçulmanas que sempre aposta em looks cheios de estilo, para inspirar suas seguidoras nas redes sociais.
“Existem muitos estereótipos em relação à moda muçulmana. Fala-se muito sobre a roupa da mulher muçulmana, mas a maioria das roupas que eu tenho eu compro em lojas normais, não são lojas específicas”, pontua ela.
Entre as peças favoritas de Bárbara estão os vestidos de manga comprida e as calças pantalona. Calças de alfaiataria, calças jeans e macacões também não podem ficar de fora do seu guarda-roupas.
Para Fátima, o segredo para produções mais estilosas está nas sobreposições – respeitando os mandamentos do Islã, é claro. “Várias roupas que antes as pessoas achavam meio estranhas, tipo colocar uma calça, uma blusa e um vestido por cima, agora estão muito na moda”.
Acima de tudo, a reflexão final trazida pela jornalista é de que cada mulher muçulmana, assim como as não-muçulmanas, têm o seu próprio estilo e fases. “Às vezes, eu gosto muito de usar vestidos longos. Às vezes, eu gosto de usar uma calça com uma blusa. Vai depender bastante, não tem uma coisa definida. É algo muito amplo e livre”, finaliza Fátima.