O Brasil tem vivenciado uma queda expressiva na taxa de fecundidade desde os anos 1970, quando cada mulher tinha, em média, seis filhos. Na década seguinte, a média caiu para 4,4. Dados mais recentes mostram que a redução é constante: de acordo com o Observatório Nacional da Família, o número de filhos por mulher caiu de 2,32, no ano 2000, para 1,57 em 2023. A expectativa é que esse número chegue a 1,47 até 2030.
Além disso, o número de casais sem filhos também cresceu: passou de 18,3%, em 2019, para 19% em 2022. Mas o que está por trás dessas estatísticas? E, mais importante, por que cada vez mais pessoas optam pela não parentalidade?
Ser mãe (ou não ser): de onde parte essa decisão?
A sociedade sustenta a ideia de que crescer, casar e ter filhos é a única forma de alcançar a felicidade e a plenitude. Segundo Amanda Dantas, doutoranda em Psicologia e autora do livro Sem filhos, sem culpa! Uma análise sobre a decisão de não ter filhos (Ed. Appris), essa cobrança está atrelada à construção cultural de que a realização feminina só se completa com a maternidade.
Na obra, Amanda analisa os fatores que influenciam homens e mulheres a optarem por não ter filhos. Entre os principais pontos estão a independência financeira, o avanço da mulher no mercado de trabalho e a ausência de uma rede de apoio.
Nasce uma mulher, nasce uma cobrança
A ideia de que toda mulher nasceu para ser mãe é construída desde a infância. Desde cedo, as meninas são direcionadas a atividades relacionadas ao cuidado, enquanto os meninos são estimulados para jogos mais agressivos ou voltados à vida profissional.
Amanda destaca que esse modelo é reforçado historicamente por discursos religiosos e culturais que associam o valor da mulher à renúncia e ao cuidado, ou seja, à maternidade como um destino inquestionável.
Apesar disso, o cenário vem mudando. “Cada vez mais mulheres têm se posicionado de forma clara ao dizer que não desejam ter filhos. E essa decisão não está ligada a egoísmo ou imaturidade, como se costuma dizer, mas a um desejo consciente, alinhado a seus projetos de vida”, afirma Amanda.
Novos arranjos, novos sentidos de família
O conceito de família também passou por mudanças importantes. Se antes era comum esperar que todo casal tivesse filhos, hoje isso não é mais regra. Com o avanço da medicina e a ampliação do acesso a métodos contraceptivos seguros, as mulheres passaram a ter o poder de escolher se querem ou não ter filhos – e também quando desejam isso.
Cada vez mais mulheres optam por adiar a maternidade ou simplesmente por não tê-la como objetivo de vida. Ao mesmo tempo, os arranjos familiares também mudaram. Já não é só o modelo tradicional, com casal heterossexual e filhos, que é visto como legítimo. Outras configurações vêm ganhando espaço e reconhecimento social.
E os homens?
Um aspecto importante destacado no livro é a diferença na forma como homens e mulheres são tratados quando decidem não ter filhos. Enquanto eles relatam não sofrer pressão social e contam com apoio de amigos e familiares, as mulheres relatam justamente o oposto: muita cobrança, especialmente vinda dos próprios pais.
Amanda compartilha uma experiência pessoal que ilustra essa diferença: “No velório do meu avô, fui questionada sobre o fato de não ter filhos. Meu marido, que estava ao meu lado, não recebeu uma única pergunta sobre isso. A cobrança é nitidamente direcionada às mulheres”, relata.
A vida plena depende da maternidade?
Para a pesquisadora, a maternidade não deve ser vista como garantia de felicidade, da mesma forma que a ausência de filhos não deve ser associada à solidão ou ao arrependimento. Durante a pesquisa para o livro, ela ouviu muitos relatos de pessoas que disseram que a decisão de não ter filhos foi a mais acertada para suas vidas.
A verdade é que existem muitas formas de viver uma vida plena: com filhos, sem filhos, com bichos, com livros, com viagens, com projetos, com amor em diferentes direções. A maternidade pode ser uma fonte imensa de afeto, mas não é a única. E também não é obrigação. O importante é que cada pessoa possa escolher livremente qual caminho quer seguir – e que essa escolha seja respeitada e vivida com leveza, sem culpa.
A matéria acima foi produzida para a revista AnaMaria Digital (18 de abril). Se interessou? Baixe agora mesmo seu exemplar da Revista AnaMaria nas bancas digitais: Bancah, Bebanca, Bookplay, Claro Banca, Clube de Revistas, GoRead, Hube, Oi Revistas, Revistarias, Ubook, UOL Leia+, além da Loja Kindle, da Amazon. Estamos também em bancas internacionais, como Magzter e PressReader.
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