A cada mês de junho, o Brasil se transforma em um grande arraial. De Norte a Sul, a mistura de fogueira, quentão, bandeirinhas e cantigas caipiras vai muito além da diversão. É um encontro entre fé e cultura que atravessa gerações.
As festas juninas, dedicadas a Santo Antônio (13/6), São João (24/6) e São Pedro (29/6), ainda preservam tradições que se misturam à religiosidade popular e à gratidão pelas colheitas do meio do ano.
Segundo a professora Ana Beatriz Dias Pinto, doutora em Teologia pela PUCPR, “cada arraial, cada fogueira acesa e cada simpatia feita com fé expressam uma catequese viva, transmitida não por livros, mas por gestos, sabores e ritmos que fazem universo de sentido para a religiosidade popular e dizem muito sobre nossa cultura”.
A fogueira que avisa nascimento
Você já deve ter ouvido que a fogueira de São João existe para aquecer. Mas sua origem está ligada à Bíblia. Isabel, grávida de João Batista, teria prometido acender uma fogueira para avisar Maria que o bebê havia nascido. Desde então, o fogo simboliza vida, luz e proteção, sendo aceso todos os anos nos dias de festa. Pular a fogueira, aliás, também tem um sentido: purificação, renascimento e bons desejos para o futuro.
Arraial é mais do que barraca de brincadeira
O espaço onde tudo acontece também tem seu simbolismo. O arraial representa uma pequena comunidade católica recriada de forma lúdica, com “padre”, “noivos” e “igreja”. É uma reverência ao povo rural, que alimenta os centros urbanos com os ingredientes típicos das festas, como milho, pinhão, amendoim e uva.
Quadrilha: da dança francesa ao balancê caipira
As famosas coreografias com “olha a cobra!” e “é mentira!” têm origem nas danças de salão europeias. Com o tempo, foram adaptadas ao modo brasileiro de festejar, se tornando um verdadeiro baile popular temático, com muita alegria, roupas coloridas e um toque de sátira às cerimônias tradicionais.
Santo Antônio: o cupido mais requisitado do país
Apesar de ser conhecido por ajudar os pobres e achar objetos perdidos, Santo Antônio ganhou fama de casamenteiro quando ajudou moças sem dote a se casarem.
A partir daí, surgiram dezenas de simpatias, como colocar o santo de cabeça para baixo ou esconder o Menino Jesus de sua imagem até o pedido ser atendido. Também é comum guardar o pãozinho abençoado no armário ou na carteira, acreditando atrair fartura, saúde e amor.
São João e a chuva “de propósito”
A tradição popular diz que a chuva no dia 24 de junho é “obra de São Pedro”, que solta umas gotas de bênção em homenagem ao amigo João. Já os meteorologistas explicam que a data coincide com o solstício de inverno no hemisfério sul, quando o frio e a umidade aumentam.
Comida e bebida que alimentam a fé
Cada região tem sua especialidade, do pinhão cozido no Sul ao milho verde do Nordeste, passando pelo amendoim, vinho quente e canjica. Todos esses alimentos são, originalmente, uma forma de agradecimento pelas colheitas e refletem uma espiritualidade do cotidiano, em que comer também é rezar.
Até o quentão tem sua história: com origem portuguesa, a bebida é preparada com cravo, canela e gengibre para aquecer corpo e alma.
Quermesse: igreja, bingo e cachorro-quente
A palavra vem do flamengo “kerkmisse” e significa “festa da igreja”. Com o tempo, ganhou barraquinhas, música, brincadeiras e bingo, mas não perdeu seu espírito: uma celebração da fé em forma de festa comunitária, onde se mistura o sagrado e o profano com afeto e alegria.
Trezena de Santo Antônio e o calendário alternativo da fé
A tradição de rezar durante 13 dias seguidos em homenagem a Santo Antônio ainda é forte no Brasil. Só no país, são 478 paróquias e 40 cidades com o nome do santo. A prática mostra como o período junino também é um tempo de oração intensa, com novenas, simpatias e agradecimentos.
Por que tudo isso ainda importa?
Mesmo com os tempos acelerados e o avanço da tecnologia, as festas juninas continuam como ponto de encontro afetivo e espiritual. Representam um momento de pausa coletiva, gratidão pelas conquistas, pedido de bênçãos e esperança para a segunda metade do ano. No fundo, são uma forma de reacender a fé, na colheita, na vida e no outro.
Resumo:
As festas juninas celebram muito mais do que tradição. Com raízes religiosas e simbólicas, elas são expressão viva da fé popular, da gratidão pelas colheitas e da memória coletiva. Da fogueira ao quentão, tudo tem um porquê. E é justamente isso que mantém acesa a chama do São João.
Lígia Menezes
Lígia Menezes (@ligiagmenezes) é jornalista, pós-graduada em marketing digital e SEO, casada e mãe de um menininho de 3 anos. Autora de livros infantis, adora viajar e comer. Em AnaMaria atua como editora e gestora. Escreve sobre maternidade, família, comportamento e tudo o que for relacionado!