Quem já teve um ídolo na adolescência conhece a sensação de profunda admiração por uma pessoa tão distante da própria realidade — e é comum que essa admiração desperte um desejo romântico, que tende a desaparecer com a chegada da vida adulta. A série ‘Bebê Rena’, produzida pela Netflix, tem despertado discussões entre especialistas, que apontam características da erotomania na personagem Martha, interpretada por Jessica Gunning.
Martha se torna cliente assídua do bar onde o aspirante a comediante Donny Dunn (Richard Gadd) trabalha. Martha, que diz ser uma famosa advogada, passa a perseguir o atendente compulsivamente, nutrindo uma paixão obcecada por ele. A trama fica ainda mais perturbadora quando o espectador se dá fica sabendo que a série é baseada em uma história real. ‘Bebê Rena’ foi escrita e estrelada por Richard, que interpreta o comediante em ascensão e conta a própria experiência com uma stalker na minissérie.
A provável presença da erotomania retratada na obra ‘Bebê Rena’ acontece também fora das produções audiovisuais. O norte-americano John Warnock Hinckley Jr. tentou assassinar o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, em 30 de março de 1981. O objetivo do atentado era atrair a atenção da atriz e diretora Jodie Foster, por quem John era apaixonado.
Em 2016, Rodrigo Augusto de Pádua manteve Ana Hickmann refém em um hotel em Belo Horizonte, Minas Gerais. O mineiro, um fã obcecado da apresentadora, rendeu o empresário Gustavo Corrêa, na época cunhado da ex-modelo, e exigiu que Corrêa o levasse até o quarto onde Ana estava hospedada. O sequestro teve um fim trágico: Giovanna, esposa do empresário que estava no quarto durante o sequestro, foi baleada pelo sequestrador no braço e no abdômen. Rodrigo foi imobilizado e morto por Gustavo.
O caracteriza a erotomania?
A erotomania, também conhecida como síndrome de Clèrambault, está no espectro da esquizofrenia. Ela é caracterizada por uma ideia delirante, fora da realidade, de que uma pessoa famosa ou com destaque social, está apaixonada pelo portador da síndrome. De acordo com Beatriz Moraes Bento, médica psiquiatra, essa patologia ocorre com mais frequência entre as mulheres e faz parte de um transtorno psiquiátrico delirante, com alteração do juízo de realidade.
Os sintomas delirantes podem ocorrer em pessoas que nasceram com uma predisposição genética a ter delírios e alucinações. É comum que a condição se desenvolva no final da adolescência ou início da idade adulta — embora possa ser mais precoce ou mais tardia.
Os gatilhos para o início dos delírios vem geralmente de traumas pessoais, assédios, abusos, uso de drogas e outras situações marcantes.“Esses sintomas podem ser acompanhados por desorganização do pensamento, desorganização da casa onde o paciente mora, confusão no discurso com dificuldade de entendimento e concatenação das ideias, falta de autocuidado e desleixo pessoal”, pontua Beatriz.
Erotomania tem cura?
Beatriz explica que, como as pessoas que manifestam delírios têm alto grau de convicção, os sintomas não se modificam pelo discurso ou pela experiência. Por esse motivo, apenas o tratamento psiquiátrico com medicamentos moduladores da dopamina (antipsicóticos) tem ação na desestruturação dos delírios e reequilíbrio químico cerebral. A especialista alerta que o tratamento, em geral, é longo, e deve ser realizado por psiquiatra ou médico experiente no assunto.
É importante destacar que a pessoa em questão está doente e apenas um tratamento médico adequado pode ajudá-la e retornar ao seu juízo de realidade. Nesses casos, assim como outras questões de saúde mental, a rede de apoio sólida é crucial. O acompanhamento médico e o suporte familiar são a base que podem reestruturar o estado emocional e a saúde mental de pessoas que porventura estejam sofrendo de quadros psicóticos.
“É essencial procurar saber se essa pessoa tem apoio familiar ou amigos que possam convencê-la do tratamento ou que possam oferecer suporte médico para uma internação, caso isso se faça necessário”, salienta Beatriz.
A postura de quem é objeto do delírio romântico deve respeitar a gravidade da condição médica imposta pela erotomania. “É necessário encarar a situação com o distanciamento necessário para a sua segurança, e empatia, pois, embora pacientes com delírios erotomaníacos possam ter comportamentos de perseguição da figura amada, com atos às vezes não socialmente aceitos, essas pessoas precisam de ajuda médica para poderem retornar a sua vida”, finaliza a psiquiatra.
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