Milhares de brasileiros não vão comemorar o Dia das Mães da mesma forma neste domingo (8). Isso porque eles perderam suas mães para a covid-19 e não terão a chance de homenageá-las pela última vez no clássico almoço em família. Trata-se dos chamados ‘orfãos da pandemia’.
A data celebra um dos vínculos familiares mais fortes que existem, especialmente quando há uma relação de cumplicidade e afeto entre mãe e filhos. Por isso, o psicólogo Alexander Bez ressalta que ignorar a chegada do Dia das Mães na tentativa de evitar os sentimentos negativos que podem vir à tona não é o melhor caminho.
“A partir do momento em que você nega o Dia das Mães, você se aprofunda mais no conflito e entra em um estado neurótico mais potente. O melhor jeito de lidar com o assunto é permitir sentir a sua mãe e trabalhar os sentimentos de maneira que ela esteja viva dentro de você, não fugindo ou se esquivando desse dia”, ressalta em entrevista à AnaMaria Digital.
É claro que esse processo não é simples e envolve diversos gatilhos e pensamentos difíceis de encarar. Pensando nisso, o especialista reuniu algumas informações e conselhos capazes de ajudar a tornar o Dia das Mães menos doloroso aos órfãos da pandemia.
LUTO PANDÊMICO
Uma peça fundamental especificamente para essa data é entender que esse sentimento é diferente de qualquer outro. “O luto pandêmico é o pior luto que existe. Ele só perde para o luto de vítimas de guerra, psicologicamente falando”, analisa Bez.
Os motivos para tal diferença é que se trata de uma dor coletiva e associativa. O profissional explica: “Ao ler uma nova notícia no jornal de que morreu mais gente em função da pandemia, esse luto traz ainda mais elementos conflituosos, aumentando a carga negativa que a pessoa tem que carregar”.
Considerando esses fatores, não é incomum que quem perdeu entes queridos devido à covid-19 desenvolvam transtornos de ordem psicológica – como crises de ansiedade, depressão e ataques de pânico. A insônia também é uma forte característica observada nesses pacientes, como aponta o psicólogo.
CONSELHOS
A pedido da reportagem, Alexandre Bez reuniu cinco conselhos àqueles que atravessarão o Dia das Mães desacompanhados pela primeira vez. Segundo ele, existem alguns mecanismos que podem ajudar a lidar com os sentimentos depreciativos, a saudade e a revolta.
- Valide seus sentimentos. É fundamental seguir a vida, porém sem esconder suas reações embaixo do tapete. A dica é conhecer seus sentimentos em relação ao luto e identificar como eles influenciam na maneira que você está agindo. Apesar da perplexidade, é preciso deixar a esfera negativa para trás e trazê-los para uma esfera positiva.
- Procure não fazer associações. Você deve entender que o novo coronavírus é uma doença extremamente cruel e lidar com as centenas de perdas diárias pela covid-19 não é fácil para ninguém. Ainda assim, vale lembrar que o vírus opera em uma diversidade muito grande e não traz nenhum tipo de padronização. Dessa forma, procurar associar sua perda às mortes que continuam acontecendo só dificulta lidar com o luto.
- Ocupe a mente. Para Alexander, o período mais difícil do luto é equivalente aos nove meses que esperamos para o nascimento. Por isso, é muito importante se manter ocupado durante esse tempo – seja através de cursos, exercícios físicos, terapias ocupacionais…
- Continue seus projetos pessoais. Vale a pena investir em atividades que você costumava fazer ao lado de sua mãe. Isso funcionará como uma forma de homenageá-la e lidar com os sentimentos negativos. Procure pensar em projetos que ela gostaria que você continuasse ou começassem a fazer juntos.
- Não se culpe. Nas palavras do psicólogo: “Ninguém teve culpa de nada. É um vírus que veio da natureza, que foi provado pelo sequenciamento genético que surgiu da interação do homem com o animal. É preciso se afastar de teorias negacionistas e conspiracionistas e enfrentar os sentimentos negativos de frente.”.
CRIANÇAS
O especialista destaca que a abordagem deve ser diferente ao tratar do luto pandêmico com as crianças. Segundo ele, é fundamental recorrer a uma linguagem que seja do entendimento da criança – especialmente àqueles entre 3 e 10 anos de idade, uma vez que os mais novos não costumam entender a situação.
Alexander recomenda que a pessoa se prepare psicologicamente para não tornar a situação ainda mais difícil para o pequeno. “Que você chore tudo o que você tem que chorar antes de conversar com criança. Você deverá encontrar uma forma de falar com ela sem adicionar mais sofrimento à situação, que já é muito pesada por si só”.
Também é importante escolher o momento certo para trazer esses sentimentos à tona, apenas quando a criança estiver disposta a falar sobre isso. Como última dica, o profissional destaca: “Sempre fazer com que a criança possa lembrar com a mãe com muito carinho, mostrando que ela e nem ninguém tiveram culpa de nada. Isso é essencial para evitar conflitos no futuro”.
RECADO FINAL: PEÇA AJUDA!
O noso recado final é ressaltar que a psicoterapia especializada sempre pode ser benéfica nos processos de luto – especialmente os pandêmicos. A depender dos sintomas apresentados por cada paciente, o tratamento deve ser associado ao uso de medicamentos ansiolíticos e/ou antidepressivos e de outros métodos terapêuticos.
“Por ser um luto muito complicado, é extremamente importante trabalhar os estados físico, emocional e espiritual. A junção desses três elementos é vital para lidar com o luto pandêmico – sendo através dos exercícios, dos medicamentos e das terapias alternativas”, sintetiza Bez.