Quando pensamos em relacionamentos abusivos, é comum que a agressão física venha primeiro à mente. No entanto, nem todo abuso deixa marcas visíveis no corpo. A violência patrimonial, também chamada de violência econômica ou financeira, muitas vezes acontece de forma silenciosa, mas provoca danos profundos à autoestima, à liberdade e à qualidade de vida da mulher.
De acordo com a advogada Andressa Gnann, especialista em Direito de Família e idealizadora do projeto Papo de Leoa, essa forma de abuso acontece quando o parceiro utiliza o dinheiro ou os bens como instrumento de controle, punição ou intimidação. “Privar uma mulher do acesso aos próprios recursos financeiros é tirar dela a independência e colocá-la em situações extremamente constrangedoras”, alerta.
Como a violência patrimonial acontece no dia a dia?
Nem sempre a mulher percebe que está sendo vítima de violência patrimonial. Muitas vezes, ela acredita que o parceiro está apenas “organizando as contas” ou sendo “cuidadoso com o dinheiro da família”. No entanto, a linha entre cuidado e controle é muito tênue.
“É muito comum que os bens, como imóveis ou veículos, estejam em nome do parceiro ou de terceiros, e que a mulher sequer tenha acesso aos documentos”, explica Andressa. Além disso, há situações em que o companheiro administra sozinho o dinheiro da casa, mesmo quando a mulher deseja participar ou não tem sequer acesso ao próprio salário.
Para piorar, há casos em que o parceiro faz dívidas ou contrai empréstimos no nome da mulher sem o consentimento dela. Mesmo em regimes de separação total de bens, isso pode ocorrer. “Trata-se de uma tentativa deliberada de impor um sistema de controle econômico, deixando a mulher vulnerável e sem saída”, destaca a advogada.
Sinais de que o relacionamento está se tornando abusivo financeiramente
Por trás de frases como “você não entende de dinheiro” ou “deixa que eu cuido disso”, pode estar o início de uma tentativa de isolamento financeiro. Segundo Andressa, frases que colocam em dúvida a capacidade da mulher de lidar com o próprio patrimônio devem acender o sinal de alerta.
Além disso, o abuso pode se manifestar de forma sutil, como ao impedir que a mulher trabalhe, controlar todos os gastos, negar informações sobre rendimentos ou até confiscar documentos importantes. Aos poucos, a vítima vai se sentindo incapaz e dependente, o que favorece a permanência em relacionamentos abusivos.
A violência patrimonial não acontece só entre casais
Embora mais comum em relações conjugais, esse tipo de violência também pode ocorrer entre pais e filhos. A advogada ressalta que, muitas vezes, filhos usam o argumento de proteção para assumir o controle do dinheiro dos pais — sem que haja, de fato, necessidade real ou autorização legal para isso.
“É claro que, quando há incapacidade comprovada, a interdição pode ser solicitada judicialmente. Mas o que vemos, com frequência, são filhos tentando administrar o patrimônio dos pais de maneira autoritária e abusiva”, explica.
Por isso, é fundamental que idosos estejam atentos e procurem apoio jurídico se sentirem que estão sendo manipulados financeiramente.
O que fazer ao identificar sinais de abuso econômico?
Se você está passando por uma situação parecida, saiba que não está sozinha. É possível, sim, recuperar sua autonomia. Andressa orienta que o primeiro passo é buscar ajuda especializada. “Procure um terapeuta para apoiar emocionalmente e um escritório de advocacia com experiência em Direito de Família voltado para mulheres. Eles poderão orientá-la a tomar decisões com segurança e clareza”, recomenda.
Também é essencial construir uma rede de apoio, com pessoas de confiança, e buscar informações sobre seus direitos. Em muitos casos, a mulher acredita que não conseguirá se sustentar ou administrar suas finanças sozinha, mas isso não é verdade. Com orientação adequada, é possível reconstruir sua vida.
Dez formas de violência patrimonial que merecem atenção
Para ajudar a identificar os sinais de abuso, reunimos algumas atitudes comuns em relacionamentos abusivos que configuram violência patrimonial:
- Impedir que a mulher trabalhe;
- Controlar ou restringir o acesso ao próprio dinheiro;
- Fazer empréstimos em nome da parceira sem autorização;
- Esconder documentos de bens adquiridos;
- Não permitir que ela saiba quanto o parceiro ganha ou gasta;
- Recusar-se a dividir informações financeiras;
- Dizer que ela não é capaz de administrar finanças;
- Impedir o acesso à educação ou saúde por questões financeiras;
- Confiscar documentos pessoais;
- Se apropriar de heranças ou bens exclusivos da mulher.
Controle financeiro só é saudável quando há consentimento
É importante lembrar que, em alguns casais, o parceiro pode ser o responsável por cuidar do dinheiro da casa — e isso não é um problema, desde que exista consenso, clareza e liberdade. “O que caracteriza o abuso é quando a mulher se sente coagida, humilhada ou forçada a implorar por aquilo que é dela”, reforça Andressa.
O ideal é que ambos tenham acesso total às finanças, saibam onde e como o dinheiro está sendo usado e tomem decisões em conjunto. A transparência é um dos pilares de uma relação saudável e respeitosa.
Resumo: A violência patrimonial afeta a autonomia financeira e emocional da mulher, muitas vezes de forma silenciosa. Saber identificar os sinais é fundamental para romper ciclos de abuso e retomar o controle da própria vida. Com apoio especializado e rede de confiança, é possível recomeçar com segurança.
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