Sair de uma relação ruim não é apenas uma decisão racional. Muitas mulheres sentem que deveriam dar um basta, mas permanecem presas a vínculos que machucam. Isso acontece porque, por trás da razão, existem forças emocionais invisíveis que aprisionam.
Como explica a especialista Mayra Cardozo, terapeuta e advogada, “por mais que a mente diga ‘isso não me faz bem’, existe algo mais profundo que nos mantém ali — uma força emocional e inconsciente que opera abaixo da superfície”, afirma ela.
Segundo o relatório Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil (2025), do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 37,5% das mulheres continuam em relacionamentos prejudiciais por medo da solidão, baixa autoestima ou pela esperança de que o parceiro mude. Esses números confirmam que não se trata apenas de lógica, mas de apegos emocionais que agem de forma inconsciente.
Apego à ilusão de segurança e proteção
Um dos apegos mais comuns está na crença de que amor significa proteção. Muitas vezes, no entanto, essa “proteção” se confunde com controle.
“Em relações abusivas, o outro muitas vezes se apresenta como quem ‘sabe o que é melhor’, limitando a liberdade da mulher sob o pretexto de cuidado”, diz Mayra. Essa dinâmica está ligada ao chamado “complexo de Cinderela”: a busca inconsciente por alguém que nos salve do desamparo. O problema é que, nesse jogo, o agressor promete proteção, mas entrega prisão.
Medo do abandono e apego à instabilidade
O medo de ficar só é um sentimento universal e, em alguns casos, aprisiona ainda mais do que a própria solidão. “O medo de ficar só é um dos afetos mais primitivos que carregamos. Ele nasce, muitas vezes, de experiências precoces de rejeição ou negligência emocional”, explica a especialista.
Por isso, algumas mulheres acabam aceitando relações instáveis e dolorosas. Afinal, como lembra Mayra, a frase ‘antes mal acompanhada do que só’ não é apenas uma crença cultural — é uma tentativa inconsciente de evitar o contato com o próprio desamparo.
Baixa autoestima e apego às migalhas de afeto
Quando a autoestima está fragilizada, qualquer gesto de carinho pode parecer suficiente. Mas aceitar pouco em nome do medo de perder é um dos maiores perigos.
“A mulher que não acredita em seu próprio valor passa a supervalorizar o que, na verdade, seria o mínimo em qualquer relação saudável”, explica Mayra. Nesse contexto, migalhas de afeto se confundem com amor, criando vínculos baseados em carência e dependência.
Apego à admiração: quando o outro se torna espelho
A necessidade de validação externa também prende muitas mulheres em relacionamentos tóxicos. “Em muitos relacionamentos, o agressor usa elogios, reconhecimento e validação como forma de manter o controle. A mulher passa a depender desse olhar externo para se sentir ‘vista’”, destaca Mayra.
Essa dependência torna o vínculo menos uma escolha e mais uma questão de sobrevivência emocional, já que o valor pessoal deixa de vir de dentro.
Apego à comodidade e à zona de conforto
Nem sempre é o drama que prende. Às vezes, é o hábito, a rotina e o medo da mudança. “Muitas mulheres permanecem em relações mornas, levemente tóxicas, porque acreditam que ‘já estão ali mesmo’, que ‘ninguém é perfeito’, que ‘pior seria começar tudo de novo’”, aponta Mayra.
Esse tipo de apego revela o receio de enfrentar o luto do fim e a reconstrução da vida. Mesmo infeliz, a mulher fica, porque sair exige força e coragem para se reinventar.
O caminho da libertação
Segundo Mayra, a psicanálise nos mostra que, muitas vezes, não é o outro que nos prende — somos nós que ainda não conseguimos soltar os fantasmas internos que alimentam esse tipo de vínculo.
Por isso, a libertação vai além de dizer “basta”. É reconhecer dores antigas, curar feridas e reconstruir a autoestima. “Libertar-se é mais do que sair de um relacionamento. É sair do enredo que nos ensinou a aceitar pouco e reconstruir o desejo com base no amor-próprio, não na carência”, conclui a especialista.
Resumo: Os apegos emocionais — como o medo da solidão, a baixa autoestima e a busca por proteção — ajudam a explicar por que muitas mulheres permanecem em relações ruins. Reconhecer esses padrões, como aponta Mayra Cardozo, é o primeiro passo para quebrar o ciclo e se libertar.
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