Enquanto o Brasil acompanha a CPI das apostas, cresce silenciosamente uma epidemia que ameaça a renda, a saúde e os laços familiares de milhões de brasileiros: o vício em apostas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o comportamento compulsivo relacionado às apostas já é classificado como um transtorno grave. No país, desde a legalização das apostas esportivas online em 2018 e a nova regulamentação de 2023, o número de pessoas dependentes só aumentou.
De acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), o varejo perdeu R$ 109 bilhões em 2024 devido ao avanço das apostas online. Dados da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) indicam que 63% dos apostadores comprometem parte da renda com apostas; 19% deixam de comprar alimentos e 11% deixam de investir em saúde e medicamentos.
O impacto atinge especialmente os mais vulneráveis: beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas esportivas apenas em agosto de 2024, equivalente a 21,2% dos recursos do programa.
“Muitas pessoas acreditam, por ignorância, que se trata de ‘um vício bobo’, ou que quem se afunda nisso é preguiçoso ou irresponsável. Estamos falando de uma doença, de um transtorno psíquico que tem arruinado vidas, casamentos e famílias inteiras”, explica Brunna Dolgosky, psicóloga e hipnoterapeuta. A seguir, saiba como identificar e superar o vício em apostas.
Parar de fugir da realidade é o primeiro passo
Segundo Brunna, é essencial enfrentar a verdade sobre o vício em apostas. “Estamos diante de uma epidemia invisível que cresce enquanto a sociedade se mantém cega e negligente. Não se trata de lazer ou escolha, mas de um problema de saúde pública. Ignorar o sofrimento alheio nos faz perder também nossa própria humanidade. Amanhã, pode ser nosso filho, nosso marido ou alguém que amamos profundamente que estará em risco”, alerta a especialista.
Autoestima e traumas alimentam o vício em apostas
A psicóloga destaca que pessoas com baixa autoestima ou experiências de rejeição e frustração buscam no jogo uma válvula de escape. “O jogo se torna uma ilusão de controle, um lugar onde se sentem poderosas e sortudas por alguns segundos. Mas essa sensação é passageira e logo se transforma em culpa, prejuízo e dependência. O tratamento precisa ir além do comportamento: é preciso cuidar das feridas emocionais que alimentam o vício”, ressalta Brunna.

Clareza e regulamentação são essenciais para conter o vício em apostas
Brunna reforça que o Brasil ainda não trata as apostas online como um problema de saúde pública. O acesso é fácil e imediato, e influenciadores lucram promovendo essas plataformas.
“Quanto mais as pessoas perdem, mais dinheiro as empresas ganham. O sistema é perverso. É urgente regulamentar a propaganda, criar campanhas educativas e políticas públicas que apoiem as vítimas desse vício em apostas. Caso contrário, o problema continuará crescendo, afetando a saúde emocional e financeira das famílias”, explica.
Falar sobre o assunto é indispensável
A prevenção inicia-se com diálogos abertos. É fundamental o papel de famílias e escolas, pois a omissão abre espaço para a idealização. Crianças e adolescentes estão cada vez mais expostos a conteúdos de apostas, sobretudo nas redes sociais. Brunna destaca que é crucial desenvolver o pensamento crítico, a responsabilidade digital e monitorar o acesso a plataformas, ao mesmo tempo em que se reforça a importância do trabalho, da paciência e da construção genuína da autoestima.
Enfrentar o vício em apostas é, portanto, um esforço coletivo. A conscientização, o diálogo e o tratamento especializado podem reduzir os impactos desse problema silencioso que atinge milhões de brasileiros. “Quando ignoramos o que acontece com o outro, mais cedo ou mais tarde isso nos afeta. É assim, no silêncio e na negligência coletiva, que a dor se espalha”, conclui Brunna Dolgosky.
Resumo: O vício em apostas cresce silenciosamente no Brasil, afetando renda, saúde e família. Especialistas destacam a importância de enfrentar a realidade, tratar feridas emocionais, regulamentar a propaganda e promover diálogos preventivos com crianças e adolescentes.
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