Há um tipo de silêncio que não nasce da falta de som, mas da ausência de sentido e tem preocupado autoridades em saúde no mundo todo. Ele aparece nas rotinas automáticas, nas conversas que não viram encontros e nas telas que nunca se apagam.
Pesquisas recentes reforçam o alerta: um estudo publicado no European Journal of Public Health mostrou que adultos que se sentem sozinhos têm mais que o dobro de chance de avaliar a própria saúde como ruim. No Brasil, o levantamento ELSI-Brasil revelou que o isolamento subjetivo está diretamente ligado a piores indicadores físicos e mentais e não apenas entre os mais velhos.
“Cumprimos todos os papéis que esperavam de nós: trabalhamos, estudamos, cuidamos da saúde, temos vida social e, ainda assim, muitos sentem um incômodo persistente, como se estivessem vivendo pela metade”, detalha o psicólogo Rafael Schieber. E complementa: “O que mais chama a atenção é que a solidão deixou de ser uma experiência tardia. Ela está aparecendo cada vez mais cedo, entre jovens adultos e até adolescentes. É uma espécie de deserto afetivo que se alastra silenciosamente”.
O que fazer para evitar problemas, inclusive, de saúde

Em entrevista exclusiva a Ana Maria Revista, o especialista que é formado pela UFMG com MBA executivo em Desenvolvimento Profissional conta que o tema é urgente e, por isso, ele trabalha no lançamento do livro “O silêncio contemporâneo: a solidão na vida adulta” previsto para o início de 2026.
De acordo com Rafael Schieber, a internet é uma das grandes responsáveis por esse surto coletivo para a geração que parece ter tudo, mas sempre sente falta de algo. “Sob o disfarce do humor, frases virais como ‘a mulher hétero está no mapa da fome’ escancaram uma carência coletiva de afeto e reciprocidade. O riso serve como defesa, mas o que está em jogo é o esvaziamento dos vínculos reais e é preciso cuidar de hábitos no intuito de prevenir transtornos e, inclusive, situações alarmantes”, analisa.
Uma das medidas para se manter afastado das estatísticas de adoecimento é manter-se ocupado e limitar o uso das telas. É preciso, mais do que nunca, viver o mundo real, investindo em autoconhecimento, na prática de esportes, socializando e se permitindo. “Passeios, viagens, interações e a superação de limites, seja experimentando uma vivência nova ou a sensação de liberdade provocada por algo que você sempre teve vontade de fazer são ferramentas transformadoras nesse processo. Invista em você, cuide de um pet de estimação, leia mais e permita-se ser feliz”.
A sensação de solidão e sua causa e efeito
Para o psicólogo, a solidão nem sempre vem da falta de companhia, e sim da dificuldade de se permitir sentir. “Muitos não se isolam porque querem, mas porque desaprenderam a confiar. A solidão é, muitas vezes, uma tentativa de não se ferir de novo. Infelizmente, vivemos uma era de exibicionismo afetivo e intimidade rarefeita. Todos expostos, poucos realmente vistos”.
Inspirado em autores como Freud e Winnicott, Schieber acredita que o isolamento emocional é um reflexo de uma cultura que valoriza a performance e desestimula a entrega. “A solidão decide o que lembrar e o que esquecer, apagando os vínculos que nos mantêm vivos por dentro”.
Essas reflexões estão no centro da obra que será lançada pelo especialista e reúne anos de escuta clínica e experiências com pacientes de diferentes partes do mundo, buscando entender a solidão não como um fracasso pessoal, mas como um fenômeno emocional e social do nosso tempo. “Não escrevo sobre a solidão como quem observa de fora, mas como alguém que também tenta se encontrar no meio desse ruído”.
Para ele, o primeiro passo para transformar a solidão em diálogo é aprender a valorizá-la como espaço de reencontro consigo mesmo. “Talvez seja hora de ouvir o silêncio não como um vazio, mas como um convite para se reconectar com o que realmente importa”, finaliza o autor.








