Que ir ao supermercado está cada vez mais difícil, todo mundo sabe. Infelizmente, é quase impossível encher o carrinho e não ter um colapso com a conta apresentada no final da compra. Se o consumidor sente no bolso o peso dessa alta de preços, o setor de Alimentação Fora do Lar, um dos maiores empregadores do país, está em risco. Bares e restaurantes que sobreviveram após a pandemia tentam, a todo instante, não repassar a subida de preços na tentativa de manter a clientela e o desafio não é só esse. É preciso não repassar custos e manter a estrutura, qualidade e mão de obra intactos.
Apesar da inflação dos alimentos consumidos fora do lar ser menor em 2024 do que a dos alimentos consumidos dentro do domicílio, não é de hoje que empreendedores sofrem tentando equilibrar o cenário. Em abril, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para a alimentação fora do lar foi de 0,39%, praticamente em linha com o índice geral de 0,38% e bem abaixo dos 0,81% registrados para os alimentos dentro do domicílio. Os alimentos e bebidas, principais insumos dos bares e restaurantes, registraram um aumento de 0,70% no mesmo mês, acumulando uma alta de 3,59% nos primeiros 120 dias do ano. Contrastando com essa variação, a inflação acumulada da alimentação fora do lar no mesmo período ficou em 1,48%, abaixo até mesmo da média de inflação geral, que é de 1,80%.
Christian Lombardi, um dos fundadores do Horacio Bar e Cucina declara que esse cenário já era esperado por todos, porém a falta de política pública para lidar com um dos setores que mais gera empregos em território nacional é preocupante. “É essencial que os governos reconheçam a importância do nosso setor para a economia e precisamos exigir sim a adoção de medidas eficazes e imediatas para apoiar a recuperação. É preciso fornecer assistência financeira direta, implementar políticas que incentivem a adaptação dos bares e restaurantes às novas realidades do mercado e oferecer apoio à força de trabalho. Se nada for feito com urgência, teremos um impacto devastador em áreas não apenas na indústria de hospitalidade e alimentação, assim como também na economia toda e na comunidade local. Estamos suplicando por ajuda e não é de hoje”, ressalta Lombardi.
Leonel Paim, vice-presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRASEL) indica dois motivos principais da alta de custos. “Podemos afirmar que, por exemplo, o aumento exagerado de insumos como tomate e cebola, essenciais para cozinhar se deve a dois fatores: principalmente o fator climático e claro, a inflação”. Por serem alimentos que não podem ser substituídos, isso acaba afetando a economia no geral. “O setor vem sofrendo com aumentos constantes dos insumos e um grande percentual dos empresários está absorvendo tais custos e mantendo os preços do cardápio para não perder clientes. Mais de 30% do setor ainda está operando com prejuízos devido às dívidas e empréstimos adquiridos na pandemia e pós isolamento, com a inflação, também para agravar o quadro”.
Gustavo Barakat, sócio do Pé de Manga dentre outros restaurantes concorda. “Os preços dos alimentos estão em alta, impactando diretamente os custos dos bares e restaurantes. Condições climáticas adversas, interrupções na cadeia de abastecimento e aumento da demanda global são alguns dos fatores que contribuem para esse cenário. Como resultado, os consumidores podem notar um aumento nos preços dos pratos nos cardápios. Para lidar com essa situação, nós empresários estamos adotando medidas como revisão de cardápios, negociação com fornecedores e otimização de processos de produção”.
Para piorar, como noticiado pela mídia há meses, o arroz é um dos itens que mais sofreu com aumento. “Não temos como prever ou estimar percentual de aumento de preço pois são muitas variantes que podem impactar no agronegócio. A ABRASEL apoia os empresários com cursos voltados à gestão e qualificação, para que possam direcionar os negócios de forma mais assertiva. Temos ainda, a Esbre – Escola de Bares e Restaurantes, que oferece uma grade diversa e específica de cursos para empresários e funcionários”, informa Paim.
A cozinheira N.L. que trabalha em um restaurante na região Oeste de São Paulo e prefere não se identificar revela estar preocupada com os acontecimentos. “Estamos passando por instabilidade já há muito tempo e isso preocupa. É comum vermos nosso patrão se desdobrando para manter os empregos de todos. Só de falar do meu, já fico angustiada”, declara a mãe solteira de três crianças e única chefe da família. É preciso olhar à fundo o problema dos preços dos alimentos e agir imediatamente, para evitar desemprego e ainda mais inflação e crise.
A falta da política de incentivo também é outro vilão do setor, segundo Lombardi. “Falo sempre que posso em entrevistas que falta atitude de nossos governantes. Por exemplo, poderia ter sido criada uma política de incentivo, tanto na parte do IPTU quanto na linha de crédito subsidiada para os alugueis no pós pandemia e nada disso foi feito. É preciso frisar que somos o segundo setor que gera mais empregos na cidade de São Paulo e onde temos muitas mulheres como colaboradoras, e estas, em sua maioria têm filhos, e o provento dos lares vem dessas pessoas. É preciso começar a olhar o segmento com outro ângulo e agir mais”, finaliza.