Nas últimas semanas, um projeto de Lei que nasceu na cidade de São Paulo, em janeiro, tem chamado a atenção da grande massa e se espalhado pelo Brasil. Trata-se de uma proposta apresentada pela vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil), que ficou conhecida como “Projeto Anti-Oruam”, em referência ao cantor de rap e funk carioca Oruam, filho de um ex-líder da facção criminosa Comando Vermelho, cujas músicas falam sobre uso de drogas como o “lança-perfume”, sexo e trazem nomes de “heróis” do crime organizado.
O que diz o “Projeto Anti-Oruam”?
A proposta deste PL é proibir que o poder público contrate artistas que cantem sobre os mesmos temas que Oruam canta, com a justificativa de que estes conteúdos fazem apologia ao uso de drogas e incitam jovens ao crime. O projeto ganhou força e, segundo reportagem do jornal O Estado de São Paulo, assinada pelo repórter Juliano Galisi, diversos vereadores de todo o país querem replicar a lei em seus municípios. O texto da vereadora Amanda se baseia nos princípios do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Alguns destes vereadores que também desejam levar este projeto a seus municípios, de acordo com a matéria do Estadão, vão replicar o texto da vereadora Amanda Vettorazzo na íntegra, ou seja, copiar e colar os trechos do texto original. Até mesmo o Deputado Kim Kataguiri protocolou, nesta semana, um projeto de Lei semelhante na Câmara dos Deputados, em Brasília. A prefeitura que contratar shows deste tipo podem ter multa de até 100% do valor do cachê pago a estes artistas.
Que barato é esse?
Apesar das boas intenções, este projeto não define exatamente o que seria “apologia ao crime” e nem diz sobre quais drogas os artistas podem citar ou não. Por exemplo, se são drogas lícitas ou ilícitas.
No Brasil, cantores sertanejos cantam sobre o uso de bebidas alcoólicas e são contratados por diversas prefeituras para shows com cachês que podem chegar a R$ 1 milhão. De acordo com o relatório “Álcool e a Saúde dos Brasileiros – Panorama 2023”, realizado pelo Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool), em 2021, as bebidas alcoólicas causaram mais de 40 mil internações no país, em leitos psiquiátricos e leitos comuns, devido a doenças como a cirrose hepática, por exemplo. A primeira pergunta que fica é: artistas que falam sobre o uso de álcool em suas letras serão penalizados? Isto configura incentivo e apologia? O texto da vereadora não detalha este ponto.
Cantores populares e sensualidade
Além disso, um dos destaques do texto é que o poder público não pode contratar artistas que incentivem a “adultização infantil”. Neste sentido, também vale ressaltar que o cantor Oruam não é o único que traz a temática da sexualidade, já que tantos outros artistas populares falam sobre sexo e relações amorosas em suas músicas e fazem shows para eventos públicos.
“O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de fato prevê mecanismos de proteção contra a “adultização infantil” e estabelece diretrizes para a classificação indicativa de conteúdos midiáticos. No entanto, a proibição prévia de artistas sob a justificativa de apologia ao crime ou erotização pode configurar um uso da máquina pública para restringir expressões culturais específicas, o que poderia ser interpretado como uma forma de censura indireta”, explica Jorge Abrão, advogado e Mestre em Direito Constitucional.
Criminalização do funk
Em resumo, muitos críticos afirmam que a proposta “Anti-Oruam” contém um viés moralista e que pode criminalizar expressões culturais já estigmatizadas, como o funk e o rap.
“A popularidade de músicas com forte carga de sexualidade em diversos gêneros – incluindo axé, funk, rap e até o pagode dos anos 90 – indica que o problema não é novo nem exclusivo de um segmento musical. Propostas como essa podem, intencionalmente ou não, mirar certos estilos culturais, reforçando um viés seletivo que já foi historicamente utilizado contra gêneros populares e periféricos”, completa Abrão.