A maternidade é uma jornada repleta de desafios, alegrias e descobertas, mas entre todas as experiências únicas que envolvem a criação de um novo ser, a amamentação se destaca como um elo poderoso e transformador. Afinal, além de ser uma fonte natural de nutrição, o ato de amamentar transcende os limites da família e estende seus benefícios para diversos setores da sociedade.
E, na Semana Mundial do Aleitamento Materno (que este ano acontece até o próximo 7 de agosto), nos aprofundamos em um universo de impactos que essa prática vital traz para a saúde, a economia, o meio ambiente e o bem-estar das comunidades. Afinal, ao promover a amamentação, investimos no futuro da sociedade – estudos mostram, inclusive, que crianças amamentadas têm um desenvolvimento cognitivo superior, impulsionando o potencial de futuros líderes, profissionais e inovadores.
Ou seja, por meio desse ato de amor e cuidado, o vínculo entre mães e filhos é reforçado, contribuindo para uma sociedade mais empática e conectada. E, enquanto a saúde e o bem-estar ganham destaque, também é fundamental compreender como a amamentação pode influenciar a economia e a sustentabilidade.
Com a redução de doenças e hospitalizações, por exemplo, os gastos com saúde pública são aliviados, permitindo que recursos preciosos sejam redirecionados para outras áreas prioritárias. Além disso, a amamentação é um ato ambientalmente responsável, eliminando a necessidade de recursos naturais para a produção de fórmulas infantis e reduzindo significativamente as emissões de carbono.
E, nesta semana, para falar mais sobre os impactos da amamentação para além da saúde de mães e filhos, conversamos com especialistas de diferentes nichos para saber um pouco mais sobre os impactos que essa prática pode gerar na sociedade.
SAÚDE MATERNO-INFANTIL
A amamentação é fundamental para a saúde e o bem-estar tanto da mãe quanto do bebê. Mas como acontecem todos esses benefícios? A nutricionista Raquel Engel, professora especialista em nutrição materno-infantil da Uniavan, explica que o aleitamento materno impacta diretamente na involução uterina e na mobilização das reservas de gorduras. A longo prazo ainda é considerado um fator de proteção para câncer de mama e ovário, diabetes tipo 2, osteoporose, diminui ansiedade e depressão.
Para o bebê, além de garantir o crescimento e desenvolvimento adequado, estudos mostram que bebês que receberam aleitamento materno exclusivo até sexto mês possuem maior desenvolvimento cognitivo, melhor acuidade visual e habilidades motoras. “O aleitamento materno contribuiu para o desenvolvimento gastrointestinal e sistema de defesa do lactente. Além disso, o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês é um fator de proteção para diarreia, otite, desenvolvimento de alergias alimentares, doenças alérgicas como asma, além de proteger o bebê da síndrome da morte súbita do lactente. Para as famílias de modo geral possui menor custo, se comparado às fórmulas infantis. Além disso, o aleitamento materno proporciona a formação do vínculo do binômio mãe-filho, tão importante logo após o nascimento e que precisa ser constantemente fortalecido”, reforça.
A enfermeira Renata Iak, que é parteira, enfermeira obstetra e consultora de aleitamento materno da Clínica Parto com Amor, reitera que o aleitamento materno é de extrema importância para a mãe e seu bebê. Além da conexão, que estreita ainda mais o laço entre ambos, o ato de amamentar protege o bebê de infecções respiratórias, riscos de alergias, diarreia e desidratação. “A composição do leite materno possui nutrientes que são essenciais para o crescimento e desenvolvimento infantil, é fonte de vitaminas, carboidratos, proteínas, gorduras, sais minerais e água. Em resumo, um alimento completo! Pensando a longo prazo, a criança que teve o benefício do leite materno tem melhor neurodesenvolvimento”, pontua.
Alguns estudos demonstram também uma associação benéfica entre o aleitamento materno e um melhor desenvolvimento não só na infância, mas também na adolescência, devido aos nutrientes compostos no leite que são essenciais para o desenvolvimento cerebral, tanto na ação bioquímica quanto funcional. Sayonara Medeiros, enfermeira especializada em aleitamento materno e atual coordenadora do banco de leite Lactare e da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano – rBLH, lembra, ainda, que de imediato, a amamentação reforça e consolida o vínculo afetivo entre mãe e bebê.
“No médio prazo, ela impacta positivamente no desenvolvimento intelectual das crianças e, no longo prazo, esses bebês e crianças se tornarão jovens e adultos mais assertivos nas suas decisões”, diz. E complementa: “Especialmente para a mulher, de forma geral, amamentar amadurece e a traz para um lugar de mais cuidado – e isso é em relação a todos os ambientes que ela passa a frequentar. A mulher é uma antes de ter um bebê e outra após o nascimento. E essa transformação se reflete em todos os campos da vida dela, além de impactar na sua saúde, como, por exemplo: prevenção do câncer de mama e de ovário, aumento do intervalo interpartal e redução do risco de desenvolver diabetes e câncer de útero”.
A enfermeira obstetra Cinthia Calsinski, consultora internacional de lactação pela IBCLC, lembra também que, a longo prazo, o bebê conquista melhor imunidade, diminuição de alergias respiratórias, de pele, intestinais, menor risco de leucemias, de se tornar diabético, hipertenso, entre outros. Já para quem amamenta, menor risco de câncer de mama e ovário, de doenças cardiovasculares como infarto e derrame, maior perda de peso no pós parto, assim como diminuição do sangramento, entre outros.
ECONOMIA E SAÚDE PÚBLICA
O aleitamento humano é o primeiro componente do desenvolvimento saudável do bebê. E, no caso de recém-nascidos hospitalizados, é ainda mais importante para sua recuperação, pelos nutrientes fundamentais e proteção imunológica. A criança que mama no peito tem/terá um sistema imunológico superior. “O leite humano é responsável pela redução de até 13% da mortalidade por causas evitáveis em crianças de até cinco anos de idade. Além disso, também ajuda a diminuir riscos de diarreia, infecções respiratórias, hipertensão, colesterol alto, diabetes e obesidade. Dessa forma, um bebê que mama leite materno seguramente usará menos recursos da saúde pública. De tão potente, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) o define como uma “vacina””, pontua Sayonara. Ou seja, o leite da mãe se modula às necessidades dos bebês. “Existe uma coisa que as pessoas não sabem: no contato da saliva de um bebê com gripe, por exemplo, no momento da sucção, via ducto, essa saliva se comunica com o sistema imunológico da mãe e essa resposta virá no leite. É incrível”, enfatiza.
Iak pontua ainda que, como o leite materno é rico em nutrientes que são essenciais para o crescimento e desenvolvimento infantil, sendo fonte de vitaminas, carboidratos, proteínas, gorduras, sais minerais e água, o bebê bem alimentado resultará em menor risco de adoecimento, e, logo, menor gasto em saúde pública. Já Calsinski lembra, ainda, que os gastos com saúde pública podem diminuir tanto a curto quanto longo prazo, uma vez que os benefícios da amamentação acompanham a vida do indivíduo.
“A curto prazo podemos pensar em internações pediátricas, em consultas, medicações, e todos os gastos envolvidos pensando em pediatria. A longo prazo a diminuição de doenças crônicas que é um dos grandes gastos em saúde pública, como diabetes, hipertensão, síndrome metabólica, infartos, AVCs, câncer de mama, de ovário etc”, diz. Ela cita, também, um estudo que concluiu que se 90% das mães americanas amamentassem seus bebês de forma exclusiva por 6 meses, haveria uma economia anual de 13 bilhões de dólares em custos de saúde – Bartick M, Reinhold A. The burden of suboptimal breastfeeding in the United States: a pediatric cost analysis. Pediatrics.2010;125(5).
A ginecologista e obstetra Aline Ambrósio explica que, de acordo com o Unicef, investir na amamentação poderia salvar a vida de 520 mil crianças com menos de 5 anos, gerando US$ 300 bilhões em ganhos econômicos em 10 anos, como resultado de doenças reduzidas e custos de assistência médica e aumento da produtividade.
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
Estudos mostram que o aleitamento materno está associado a um melhor desenvolvimento cognitivo em crianças. O leite materno fornece nutrientes e ácidos graxos essenciais para o crescimento adequado do cérebro, o que pode impactar positivamente o desempenho escolar e as habilidades cognitivas a longo prazo.
Para a médica Aline Ambrósio, a composição do leite materno muda ao longo do tempo e é variável entre as mães, mas estudos associam um carboidrato chamado 2’FL presente no leite materno, à melhora do neurodesenvolvimento dos bebês, estimula o desenvolvimento intestinal adequado, diminui alergias e protege o sistema imunológico, ou seja, estimula a saúde geral com menos adversidades, favorecendo o processo de adquirir conhecimento e compreensão por meio dos sentidos, experiência e pensamento.
“Sabemos que diversos estudos mostram os benefícios e o impacto positivo que o leite humano tem no curto, médio e longo prazos na vida de uma criança, incluindo nível maior de escolaridade, QI mais alto e renda maior quando adulto. Isso acontece por conta da combinação de nutrientes e vitaminas essenciais presentes no leite materno, que, quando absorvidos pelo bebê, garantem que o seu desenvolvimento nos primeiros momentos de vida ocorra da forma mais adequada possível”, explica Sayonara, lembrando, ainda, que o leite humano é o único alimento indicado para as crianças até os seus seis meses de vida.
Raquel Engel lembra, ainda, sobre um estudo desenvolvido pela coorte de Pelotas (RS), publicado no Lancet, que concluiu que bebês que tiveram pelo menos seis meses de amamentação exclusiva obtiveram melhores resultados nos testes de desempenho após 30 anos – além disso, apresentaram maior renda e escolaridade. “Dados semelhantes são observados em outros países, como Inglaterra, Nova Zelândia. Isso ocorre porque o leite materno tem um efeito de programação na inteligência, devido a presença de componentes como por exemplo por apresentar ácidos graxos saturados de cadeia longa, que são essenciais para o desenvolvimento do cérebro. Como exemplo de ácidos graxos saturados, podemos citar o ômega-3, presente no óleo de peixe ou em peixes de águas frias como: atum, anchova, sardinha e salmão”, esclarece.
Ana Carolina Ferreira, consultora de amamentação, que está à frente do perfil do Instagram @bebesemformula, explica também que a questão do desenvolvimento cognitivo das crianças acontece porque o leite materno possui ácidos graxos que a fórmula não possui. “Ele também se modifica conforme o bebê cresce. Então, atende às necessidades em todas as fases do bebê. O corpo da mãe entende o tipo de leite que é necessário produzir para cada fase do bebê, o que a fórmula não tem, não acompanha. A questão do desenvolvimento de musculatura do bebê, de ser aleitado no seio, também tem esse benefício muscular que aumenta também o fluxo sanguíneo. Então, a sucção do bebê no seio é diferente da sucção do bebê na mamadeira, e isso também reflete positivamente no desenvolvimento cognitivo das crianças”, diz.
EMPODERAMENTO DA MULHER
A amamentação pode desempenhar um papel importante no empoderamento das mulheres, fornecendo uma conexão única e íntima com seus filhos, proporcionando uma sensação de realização e propósito e funcionando como uma luta social para conquistar seu desejo de amamentar, embora haja barreiras do emprego, da falta de rede de apoio etc. Cinthia Calsinski comenta que parir e amamentar são grandes potências do universo feminino, e mulheres que têm a possibilidade de vivenciar ambos são beneficiadas em vários aspectos de suas vidas.
Para Raquel, a utilização do termo empoderamento feminino é algo recente e bastante amplo, e se considerarmos que a amamentação existe desde os primórdios, podemos dizer que desde aquela época as mulheres eram empoderadas. “Contudo, é importante frisar que a escolha pela amamentação não faz da mulher melhor ou pior mãe. A amamentação deve ser prazerosa para o binômio mãe/filho, as mulheres precisam ser conscientizadas sobre os benefícios dessa prática”, enfatiza.
Renata Iak, porém, diz que embora amamentar seja tão importante e traga benefícios para o binômio mãe e bebê, não necessariamente leva ao empoderamento feminino. “O ato de amamentar existe desde sempre e o que mais encontro como profissional da saúde é a solidão e a falta de incentivo a esta prática de tanto impacto intelecto, social e econômico. Sem dúvida é uma maneira de mostrar o quanto a mulher é importante desde o início da vida. Costumo dizer que nós, mulheres, somos o único portal para a chegada do ser humano nesse mundo. Portanto, amamentar pode ser um dos pilares para que o empoderamento feminino ocorra, mas não a sua única causa, mesmo com tanta comprovação da sua necessidade e valor”, esclarece.
SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
O aleitamento materno pode ser também uma prática ecologicamente sustentável, pois não requer o uso de recursos naturais para a produção de fórmulas infantis nem a geração de resíduos de embalagens desses produtos. Além disso, a produção e distribuição de fórmulas infantis têm um impacto significativo na emissão de gases de efeito estufa. Renata lembra, inclusive, sobre um estudo brasileiro mundialmente conhecido chamado “Amamentação do século XXI” (2016), realizado pela Universidade Federal de Pelotas (RS), que apontou que a elevação nos índices de aleitamento materno em todo mundo poderia evitar mais de 800 mil mortes infantis.
Além disso, aponta, estudos lançados esse ano pela revista The Lancet evidenciaram que o “aleitamento materno recebe apoio e investimento insuficientes por parte de governos e sociedade, enquanto emoções e vulnerabilidades dos pais relacionadas ao desenvolvimento infantil estão sendo exploradas como oportunidade de negócios pela indústria de fórmulas infantis”. Ou seja, estudos não faltam, o que precisa ser realizado é uma conscientização a nível mundial sobre a importância e o impacto da amamentação no mundo.
Sayonara, entretanto, acredita que ainda não existam estudos que façam essa relação, mas concorda totalmente e sempre reforça que a amamentação é sustentável porque reduz todos os impactos ambientais. “O leite está sempre pronto, na temperatura ideal, pronto para o consumo, não demanda embalagem, aquecimento, nada. É um produto consumido diretamente no peito e altamente sustentável para o meio ambiente e para o desenvolvimento pleno do bebê”, comenta.
E Ambrósio faz, ainda, um alerta importante: “Sem dúvida, o aleitamento materno é natural, acessível, não sobrecarrega o orçamento com alimento artificial, mas existem diversas razões que podem impedir a mãe de amamentar, independentemente da sua vontade. Doenças, medicações ou estresse podem ressecar, tornar o leite impróprio ou insuficiente para o bebê. Então, a gente não pode vilanizar as fórmulas infantis, pois são, na verdade, aliadas importantes para oferecer nutrientes compatíveis com a maturidade do organismo para o neurodesenvolvimento do bebê”, enfatiza.
PRODUTIVIDADE NO TRABALHO
Empresas que apoiam a amamentação e oferecem políticas de licença maternidade e espaços adequados para amamentação no local de trabalho podem colher benefícios em termos de produtividade e retenção de talentos. Mães que podem amamentar ou extrair leite durante o expediente tendem a se sentir mais engajadas e leais à empresa. A Semana Mundial de Aleitamento Materno desse ano tem foco na amamentação relacionada ao emprego/trabalho. A intenção global é mostrar o impacto da licença remunerada, do suporte à mãe no local de trabalho e das normas parentais emergentes sobre a amamentação.
No que se refere à pauta escolhida para 2023, Cinthia Calsinski traz à discussão a questão da licença-maternidade, que dura quatro meses para as mães, ao passo que a recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) para o aleitamento materno engloba os seis primeiros meses de vida do bebê. “Como podemos promover a amamentação se existe essa diferença entre a indicação da OMS e a lei trabalhista brasileira?”, provoca a especialista. “Sem contar as trabalhadoras informais que sequer têm licença maternidade”, arremata. Para se ter uma ideia desse quadro, o estudo Ocupação Materna e Duração do Aleitamento Materno Exclusivo, de 2021, apurou que aproximadamente 64% das crianças nascidas de mulheres que não tinham trabalho remunerado foram amamentadas exclusivamente até que completassem 4 meses e 46% foram amamentadas até os 6 meses de vida. Apontou ainda que mães com jornadas de trabalho de 8 horas ou mais amamentaram menos seus filhos, até no máximo quarto mês.
Dessa forma, em coro com a #SMAM2023, Cinthia reconhece a necessidade de políticas públicas para promover, de fato, a amamentação, mas entende que as empresas privadas também podem contribuir de maneira autônoma com esse cenário. “Questões como flexibilidade para home office se for o caso, uma sala de apoio para ordenhar e armazenar leite, auxílio com profissional especializado no início da lactação e apoio no retorno ao trabalho para que não haja um desmame precoce são ações completamente possíveis”, sugere a consultora. Além disso, diz, o apoio à amamentação em ambiente corporativo traz inúmeros benefícios para ambos, empregado e empregador: menor absenteísmo, maior comprometimento, menor rotatividade de funcionários, diminuição de estresse físico e emocional, sentimento de valorização e reconhecimento profissionais.
A boa notícia é que há, sim, empresas engajadas nesse sentido. “O Lactare é o banco de leite da Eurofarma, primeira farmacêutica a idealizar esse tipo de iniciativa. E esse projeto, criado em 2019, só reforçou a visão da Eurofarma como empresa amiga da amamentação. Acreditamos muito que ações reais que apoiem mães e pais no seu retorno ao trabalho realmente fazem a diferença, tanto pelo lado pessoal dos colaboradores, de poderem ter o seu tempo com o bebê, quanto pelo lado profissional, que os estimula no ambiente de trabalho”, pontua Sayonara Medeiros. E continua: “Além da licença maternidade e paternidade estendidas (mães 180 dias e pais 30 dias), temos duas creches que, juntas, atendem atualmente mais de 200 crianças de 4 meses a 6 anos, filhos dos colaboradores (pais e mães). Cada creche, uma em São Paulo e outra em Itapevi, possui um “Espaço Amamentação”, certificado com o selo “Estratégia Mulher Trabalhadora que Amamenta”, que traz conforto as mães para que amamentem seus filhos mesmo no ambiente de trabalho”.
Vale lembrar, inclusive, que o Ministério da Saúde criou a estratégia Apoio à Mulher Trabalhadora que Amamenta, que consiste em criar nas empresas públicas e privadas uma cultura de respeito e apoio à amamentação – nela, profissionais de saúde treinados são direcionados aos estabelecimentos para orientar e enfatizar a importância do aleitamento. Existe também o Programa Empresa Cidadã, instituído pela Lei no 11.770/2008 e regulamentado pelo Decreto no 7.052/2009, que destina-se a prorrogar por sessenta dias a duração da licença-maternidade e por quinze dias, além dos cinco já estabelecidos, a duração da licença-paternidade (Lei no 13.257/2016).
“Essas empresas têm deduções nos IRPJ. Dessa forma, o aleitamento exclusivo até seis meses passa a ser mais presente na população. Ao meu ver, muitas empresas não enxergam essa necessidade de incentivo a amamentação por cultura imediatista, que é comum em nossa sociedade. Não temos o costume de analisar a longo prazo. Geralmente, a empresa quer a profissional 100% ativa e presente, não respeitando o momento a qual está passando. De fato, mais estudos com melhorias descritas em números positivamente impactando a empresa ajudarão os gestores na tomada de decisão a favor do aleitamento materno”, enfatiza Renata Iak.
ECONOMIA DOMÉSTICA
A amamentação também pode ter um impacto positivo na redução da pobreza. Ao promover a amamentação, as famílias economizam dinheiro que de outra forma seria gasto na compra de fórmulas infantis e, assim, podem investir em outras necessidades básicas. Raquel Engel lembra que a amamentação tem demonstrado que, na vida adulta, o indivíduo pode apresentar melhores condições de renda e escolaridade, logo, supõe-se que a longo prazo colheremos os frutos do incentivo a amamentação exclusiva até o sexto mês. “Contudo, cabe ressaltar que, a partir do sexto mês, inicia-se a introdução alimentar (período compreendido dos seis aos vinte quatro meses). E caso a família não tenha ou receba as devidas orientações sobre como proceder, observa-se que os impactos negativos que uma introdução alimentar mal conduzida trará consequências, não só na infância como na vida adulta, a citar obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão arterial, transtornos alimentares entre outros”, alerta.
Aline Ambrósio pontua, também, que nas últimas três décadas, as evidências dos benefícios da amamentação evoluíram muito. “Um estudo do Lancet Global Health (uma fonte internacional sobre saúde global) aponta que crianças amamentadas durante 12 meses em áreas urbanas do Brasil alcançaram na vida adulta rendimentos 33% mais altos do que os amamentados por menos de 12 meses. O mesmo estudo diz que o leite materno contribui para um aumento médio de três pontos no quociente de inteligência (QI)”, comenta.
SAÚDE PÚBLICA EM CRISES E EMERGÊNCIAS
Em situações de crises humanitárias, como desastres naturais ou conflitos, a amamentação é essencial para a sobrevivência e a saúde dos bebês. O leite materno é uma fonte segura e prontamente disponível de nutrição e proteção contra doenças, mesmo em condições adversas.
“A doação de leite é um ato de amor que deve ser multiplicado e ampliado. Em nosso país, temos políticas de doação de leite humano bem consolidadas. Atualmente, o Brasil é referência mundial quando o assunto são os Bancos de Leite Humano. Sendo assim, diversos países pelo mundo aprendem e replicam o que veem no nosso país, na Europa, África e América do Norte. O Brasil não doa leite humano para outras nações, porém, capacita na abertura de bancos de leite e auxilia nas campanhas internacionais de doação”, conclui Renata Iak.
Sayonara diz, ainda, que a pasteurização de leite humano é um patrimônio brasileiro. “Toda a tecnologia desenvolvida no Brasil é exportada. A rede global de bancos de leite, que atua em 23 países, atua com tecnologia 100% brasileira. Para que se possa ter uma dimensão da importância de cada litro de leite, há bebês em estágio muito acentuado de prematuridade que só precisam de 1 ml a cada vez que são alimentados, sendo a quantidade suficiente para sua nutrição. Hoje, não exportamos porque o leite deve ser transportado, congelado, em no máximo 6 horas”.
MITOS E VERDADES DA AMAMENTAÇÃO
E para ajudar a conscientizar as pessoas sobre o aleitamento materno e enfatizar a diretriz do Ministério da Saúde, que destacou o leite materno como o meio mais importante de nutrição para bebês de até seis meses de vida, destacamos mitos e verdades sobre a amamentação que ainda podem estar enraizadas na mente das pessoas – inclusive, em pesquisa recente do próprio Ministério da Saúde, realizada com 5 mil mães por todo o Brasil, 19% delas responderam que não conseguiram amamentar os bebês. Ou seja, amamentação exclusiva até o sexto mês de vida é uma realidade ainda mais distante: 31% disseram não ter conseguido amamentar o bebê apenas com seu próprio leite.
“Para muitas mulheres, fatores sociais, culturais e emocionais podem se tornar grandes obstáculos, dificultando essa prática tão importante”, lamenta Carlos Moraes, ginecologista e obstetra pela Santa Casa/SP, membro da FEBRASGO e especialista em Perinatologia pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein. Segundo ele, ainda que seja fundamental orientar a mulher sobre a amamentação no pré-natal, não são todos os médicos que o fazem. Somando a desinformação ao estado emocional mais vulnerável e aos palpites de tias, vizinhas ou primas que, normalmente, mais atrapalham do que ajudam, a mãe acaba se sentindo pressionada e acuada, podendo comprometer ainda mais a amamentação.
Considerando estes cenários, especialistas reuniram 11 mitos mais recorrentes para auxiliar as mães que não têm o devido apoio:
“A fórmula infantil é tão completa quanto o leite materno”.
Mito: Rico em anticorpos, o leite materno é o único que aumenta a imunidade da criança, ajuda a combater alergias e infecções respiratórias, além de diminuir riscos de doenças crônicas, como diabetes, obesidade e hipertensão. Até mesmo o neurodesenvolvimento do bebê tem impacto com a amamentação: pesquisadores da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, concluíram em estudo recente que o mio-inositol, uma molécula encontrada no leite materno, está diretamente ligada à formação das conexões neurais dos bebês. “Ou seja, somente o leite materno pode prover estes benefícios à criança”, reforça Carlos Moraes.
“Amamentar na primeira hora de vida é indiferente à saúde do bebê”.
Mito: O aleitamento materno na primeira hora de vida é fator protetor contra a mortalidade neonatal. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), quanto mais se atrasa o início da amamentação, maior é o risco de morte no primeiro mês de vida. “Atrasar o aleitamento materno entre 2 e 23 horas após o nascimento do bebê eleva em 40% o risco de morte nos primeiros 28 dias de vida. Já o atraso de 24 horas ou mais aumenta esse risco em 80%”, alerta Carlos Moraes.
“É necessário amamentar de 3 em 3 horas”.
Mito: Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), não é obrigatório estabelecer um horário fixo para a amamentação: o recomendado pela instituição é que o bebê seja amamentado em livre demanda, isto é, sem restrições de horários e de duração da mamada. “Nos primeiros meses de vida, inclusive, a frequência costuma ser maior e com horários mais irregulares”, diz.
“As escolhas alimentares da mãe não influenciam na qualidade do leite”.
Depende: Um dos maiores boatos é que a lactante deve consumir determinados alimentos e bebidas para “reforçar o leite”. Dentre alguns destes itens estão: cerveja preta, canjica, quinoa, entre outros. “Não há comprovação científica sobre produtos que aumentem a qualidade e quantidade de leite materno. No entanto, é primordial ter uma alimentação saudável e equilibrada, evitando o consumo de alimentos processados e bebidas alcoólicas, o que inclui a cerveja preta”, diz o especialista. Um estudo recente realizado pelo Instituto de Pesquisa Australiano QIMR Berghofer mostrou que a dieta ideal para lactantes deve ser rica em fibras, que pode aumentar a proteção dos bebês contra doenças respiratórias graves, como a asma.
“Leite empedrado não impede a amamentação”.
Mito: Um dos problemas mais comuns entre as mulheres que estão amamentando é o ingurgitamento mamário, conhecido como leite empedrado. Segundo Carlos Moraes, a condição pode ocorrer nos primeiros dias após o parto, quando mãe e bebê ainda estão ajustando o ritmo do aleitamento. “Os seios ficam mais inchados do que o normal, duros, extremamente doloridos e quentes. O leite empedrado pode, inclusive, gerar complicações mais graves, como a mastite, que é a inflamação da glândula mamária, seguida de infecção por bactérias. Por isso, aos primeiros sintomas, use uma bombinha para retirar o excesso de leite acumulado”, orienta Carlos Moraes.
“O estado emocional da mãe não interfere na produção do leite”.
Mito: Segundo a psicóloga Monica Machado, fundadora da Clínica Ame.C e pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein; quando o corpo está sob forte estresse, ele secreta dois hormônios: cortisol e adrenalina. “Ambos aumentam a atividade cerebral, e diminuem ou bloqueiam algumas funções orgânicas, como a liberação de prolactina e ocitocina, hormônios que regulam as emoções e também a produção do leite materno. Sendo assim, para não comprometer a amamentação do seu bebê, busque formas de equilibrar seu emocional, seja com atividades prazerosas ou mesmo por meio da terapia”, aconselha Monica Machado.
“Bicos artificiais dão suporte à amamentação”.
Mito: O uso de bicos artificiais durante a amamentação é uma das maiores causas de desmame precoce. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria de São Paulo, incluir bicos artificiais atrapalha a continuidade do aleitamento materno, uma vez que a satisfação da sucção da criança é suprida por eles.
“Quando congelado, o leite materno perde nutrientes”.
Mito: Congelar o próprio leite é um hábito muito comum, principalmente quando a mulher volta a trabalhar ou mesmo em caso de ingurgitamento mamário. No entanto, o processo requer cuidados. “O leite ordenhado, cuja duração é de até 15 dias, precisa ser guardado em frasco de vidro que tenha tampa de plástico. A higienização correta é feita com água fervente no recipiente por 15 minutos, seguida de secagem com pano limpo e repouso para que seque por completo, de modo natural”, explica Carlos Moraes. Outra dica importante, segundo ele, é usar a tampa do frasco para anotar o dia e a hora que o leite foi ordenhado. “Ao oferecer para o bebê, o leite deve ser descongelado em banho-maria, sem ferver, apenas esquentando a ponto de tirar o gelo. Lembrando que, uma vez descongelado, o leite não deve ser congelado novamente”.
“A prótese de silicone atrapalha a amamentação”.
Mito: De acordo com Luís Maatz, cirurgião plástico e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP); o silicone utilizado atualmente é composto por um material biocompatível, possui alta coesividade e sua superfície externa é mais resistente. “Além disso, se a prótese for colocada via inframamária (incisão embaixo das mamas) ou pela via axilar, não há cortes na glândula nem nos ductos mamários. Dessa forma, seja na produção do leite como no seu trajeto ao mamilo, não há contato direto com a prótese”.
“Quem fez redução de mama não pode amamentar”.
Mito: Segundo Luís Maatz, que também é especialista em Reconstrução Mamária pelo Hospital Sírio-Libanês, na maior parte dos casos, as dúvidas relacionadas à redução mamária e à amamentação surgem por conta do corte de determinados ductos mamários. “Entretanto, a formação de novos ductos ocorre posteriormente. Quanto maior o intervalo entre a mamoplastia e o período de amamentação, maior a probabilidade de poder amamentar normalmente”, esclarece Maatz.
“A amamentação tem efeitos contraceptivos”.
Mito: Em níveis elevados, a prolactina, hormônio responsável pela regulação da amamentação, pode inibir a ovulação. “Entretanto, para que isso aconteça, é necessário que seus níveis estejam muito altos e de forma constante, o que é impossível de saber em uma relação sexual”. Portanto, o ginecologista obstetra não recomenda usar a amamentação como meio contraceptivo. “Apenas seu médico poderá definir o método mais indicado para evitar uma gestação neste momento”, finaliza Carlos Moraes.
Em tempo: “No Brasil, hoje, a Rede de bancos de leite atende cerca de 60% da demanda. Se quisermos mudar nosso cenário, como Sociedade, no futuro, precisamos incentivar e dar visibilidade à importância da doação e como este processo é simples, seguro e gratuito. Reforçamos sempre que cada gota conta e estimulamos que cada vez mais pessoas ou doem o leite humano ou incentivem outras pessoas que possam doar. Queremos continuar fomentando uma ampla rede de apoio para que possamos avançar muito com esse tema”, conclui Sayonara Medeiros. E Cinthia Calsinski vai além: “É preciso ficar claro que o Agosto Dourado não tem como objetivo direto as famílias, mas, sim, os contextos em que estas famílias estão inseridas. O foco principal são políticas públicas que sustentem a possibilidade de aleitamento para as famílias durante os meses iniciais e após o retorno ao trabalho, até quando estes achem que devem continuar a amamentar”, finaliza.