Hobby. Palavra de origem inglesa que tem como significado “atividade exercida, exclusivamente, como forma de lazer, de distração; passatempo”. Apesar de ter um sentido simples, não é tão fácil encontrar um e algumas pessoas passam a vida inteira buscando aquele “algo a mais”, que proporcione prazer e bem-estar. Por outro lado, é na infância que muitos hobbies aparecem, naturalmente, para as pessoas. A paixão por escrever histórias, criar quadrinhos, fazer pulseiras, cantar, desenhar, inventar roupas para bonecas são algumas ideias que podem ser estimuladas nas crianças, sem compromisso.
Maria Fernanda, de 7 anos, por exemplo, adotou o skate como hobby. A menina conta que escolheu essa atividade por achar divertida e que começou a ter vontade de aprender como andar após ganhar um skate da tia. A mãe, Danielle Moura, diz que incentiva a escolha da filha e conta que, mesmo quando não tem aula (ela faz duas vezes por semana), ela pratica o esporte no tempo livre. “O interesse partiu totalmente dela. Logo depois que ganhou o presente da minha irmã, soubemos que próximo a nossa casa estava tendo aulas de skate. Falei com ela e pronto. Ficou super empolgada e me pediu para fazer a sua matrícula”, lembra Danielle.
Já Talita Mazzi Guimarães, mãe de Isabela, de 10 anos, que faz pulseirinhas para ela e também vende para os colegas, acredita que, além do lazer, ter algum hobby dá à criança mais senso de responsabilidade. “Os pequenos acabam, ainda que por diversão inicialmente, treinando novas habilidades que serão importantes para o futuro. Minha filha, por exemplo, passou a se interessar mais pelo universo de vendas. A iniciativa de começar as fazer as peças foi dela, mas sempre ajudei no que foi preciso”, conta.
Para Isabela, além de ser um hobby que lhe proporciona bem-estar e calma, o fato de ganhar seu próprio dinheiro com algo que gosta, acabou fazendo ela pensar no que pretende seguir profissionalmente, no futuro.
“Eu gosto de vender coisas e penso que posso ser uma boa empresária, assim como meus pais. Além disso, acho legal ter sido um exemplo para duas amigas que passaram a fazer pulseiras e vender, depois que comecei”, explica.
Há, ainda, quem tenha um hobby como algo além de passatempo ou como uma ideia do que fará no futuro. Esse é o caso de Miguel, de 10 anos, filho de Jéssica Magalhães. Com quatro livros já publicados – o primeiro foi aos 5 anos -, o menino usa a escrita, seu hobby, como forma de lidar com a ansiedade. “Escrever me ajuda com a saúde mental. Eu vou lá, escrevo, leio a história e vou aos poucos me acalmando. Então, se eu pudesse dizer algo para as crianças sobre ter um hobby, diria para elas fazerem algo que gostem e se sintam bem fazendo, ou algo voltado para as artes, como pintar, desenhar, tocar algum instrumento, que inclusive eu faço muito também”, sugere.
Esse pensamento de que todas as crianças deveriam fazer algo que lhes proporcionasse prazer e essa fuga da rotina também é compartilhado pela mãe, que enxerga ainda mais benefícios no dia a dia do filho. “Com os livros, ele ficou mais curioso, aperfeiçoou o vocabulário e expandiu os conhecimentos. Ele sempre se preocupa em pesquisar novas palavras para acrescentar. E o mais legal é que é um interesse genuíno, partiu dele mesmo. Um belo dia ele chegou com um monte de folhas e disse que era o livro dele. Eu só apoiei e continuo apoiando”, comenta.
E um detalhe importante: parte dos livros escritos por Miguel são doados para crianças que não têm como comprar.
“Os meus pais sempre me ensinaram a ter compaixão pelas outras pessoas e, sempre que possível, a gente tem que deixar o outro feliz. E foi na escrita que eu encontrei uma forma de fazer isso”, complementa.
E para falar um pouco mais sobre os benefícios, e até trazer dicas de como ter hobbies pode ser muito bom para nossos filhos, esse será o tema da coluna de hoje.
MUITO MAIS QUE DIVERSÃO
Nós, adultos, sempre que possível, procuramos fazer algo para desopilar. Afinal, o dia a dia não é fácil e encontrar formas de relaxar é fundamental para manter a saúde mental – como bem disse o Miguel. Sabemos o que significa, na teoria, a palavra hobby, mas e na prática?
Para a pedagoga Vanessa Bernardi, que atua na área de Educação Inclusiva, o hobby é uma atividade que é escolhida e realizada por um indivíduo para ser algo prazeroso, mas sem que haja a necessidade de seguir uma rotina rígida, e que pode colaborar no alívio do estresse cotidiano, diminuindo a ansiedade e acalmando a mente. Já Ana Beatriz Fernandes Nogueira, pedagogia, psicologia e diretoria pedagógica da Casa do Zezinho, organização sem fins lucrativos que atende crianças, adolescentes e jovens, com idade entre 6 e 21 anos, no Capão Redondo, entende hobbies como atividades que podemos realizar individualmente, ou em grupo, e se conectam a hábitos que propiciam satisfação e bem-estar, como, por exemplo, viajar, ler, passear no parque, fazer alguma atividade física, entre outras possibilidades.
“Para a criança, é preciso propiciar um ambiente que estimule, aguce sua curiosidade e expansão dos seus conhecimentos. Ao ser entretida por atividades plurais, reconhecemos a possibilidade de trabalhar as inteligências e o desenvolvimento integral, considerando cada dimensão da vida. Entre muitas aquisições, notamos a satisfação, o prazer. O hobby pode estar conectado à sustentação de atitudes que engajam a criança ao em encontro da sua paz, da capacidade de concentração e criatividade expandida”, diz Ana.
E em relação aos esportes? Bem, praticar um esporte não é, necessariamente, ter um hobby, mas pode ser. Telma Abrahão, que é especialista em neurociência comportamental infantil e idealizadora da educação neuroconsciente, explica que os esportes podem ser hobbies também. “Se você joga tênis porque ama, mas não tem a intenção de competir, pode ser considerado um hobby, pois este é qualquer atividade que você, frequentemente, faça por prazer durante seu tempo livre ou de lazer. E isso pode incluir atividades criativas, esportivas ou intelectuais”, explica.
Mas, independentemente da sua definição, é fundamental dizer que ter hobbies é muito importante tanto para a criança quanto para os adolescentes. “Ter atividades assim na rotina favorecem tanto no desenvolvimento cognitivo e comportamental, como na comunicação, na autoconfiança, na aceitação, no respeito em relação a normas e regras, no desenvolvimento de organização, no trabalho em equipe, na socialização etc. Além disso, quando realizado em família, ajuda a fortalecer laços parentais”, explica a psicóloga e neuropsicóloga Roberta Brito.
E ela vai além: “A prática de hobbies faz com que o cérebro libere endorfina, mais conhecido como o hormônio do prazer, sendo este um grande responsável por desencadear bom humor, bem-estar e, por consequência, mais qualidade de vida. Como sua principal função é inibir a irritação e, consequentemente, a tensão do corpo e a sensação do cansaço, quando temos na nossa rotina esses momentos de prazer, acabamos diminuindo, também, os níveis de ansiedade, estresse e depressão”, complementa.
Vanessa lembra, ainda, como ter um hobby pode ser benéfico sob o ponto de vista emocional, social e até físico. “Considero que os hobbies são importantes para a saúde mental de crianças e adolescentes, pois ajudam a realizar escolhas que promovam momentos de distração, redução do estresse e, ao mesmo tempo, podem colaborar com a socialização, a formação de novas amizades e convivência com diferentes realidades. Além disso, também estimulam a comunicação entre pares e favorece o desenvolvimento global do indivíduo”, comenta.
Mas, atenção: e se o hobby deixa de ser algo prazeroso e que é feito em suas horas vagas, passando a ser uma obrigação ou trabalho? “Vamos usar novamente o exemplo do jogo de tênis. Se a pessoa passou a treinar em grandes cargas horárias para competir e tem a obrigação de comparecer aos treinos, então, o jogo deixou de ser um hobby e virou um compromisso. Mesmo que a criança/adolescente ainda ame jogar tênis, o fato de se tornar uma obrigação treinar para os campeonatos desenquadra a atividade de ser chamada de hobby, que, por definição, são atividades que fazemos em nosso tempo de lazer”, enfatiza Telma.
UMA ESCOLHA DE QUEM?
Conseguir ajustar a rotina dos filhos à nossa não é fácil. Afinal, quase sempre, os pequenos têm mais atividades que a escola no dia a dia. E aí que, muitas vezes, aquela conta não fecha: escolhemos nós as atividades que eles farão em seu tempo livre para encaixarmos na nossa agenda ou deixamos que eles decidam o que querem fazer e nos adaptamos? Difícil, né?
Em primeiro lugar, é preciso que tenhamos em mente que a opinião da criança ou adolescente sobre o que querem fazer é fundamental, pois eles devem escolher atividades que tenham afinidades, se identifiquem e proporcionem prazer. “Os pais podem dar sugestões. Porém, não é aconselhável que os mesmos pressionem os filhos em favor dessa ou daquela atividade que eles acreditam ser a melhor. Inclusive, se o filho perceber esta situação, pode optar pela escolha dos pais apenas para não os decepcionar, não fazendo, assim, o que realmente gostariam”, explica Roberta. O mesmo pensa Ana Beatriz: “Os pais podem incentivar, mas atentando-se às referências de modo que não forcem a escolha. Nada imposto funciona. O diálogo, a observação e o respeito às naturezas humanas precisam ser respeitados”, complementa.
Bernardi pontua, também, que nem sempre o que os pais consideram como melhor para seus filhos é o ideal para eles. “Devemos, como pais, considerar que somos diferentes e que a vontade e a necessidade dos nossos filhos devem ser respeitadas. Não cabe aos filhos realizar sonhos que os pais não puderam praticar, seja em relação à formação ou às atividades de lazer. Porém, é preciso dizer que não impor uma vontade pessoal não significa que os responsáveis não devam incentivar os menores. Sendo a atividade de acordo com a faixa etária da criança e adolescente, não colocando ninguém em risco e não sendo prejudicial sob nenhum aspecto, os pais devem sempre dar força, orientar e ajuda-los a desenvolverem seus talentos”, complementa.
ALÍVIO MENTAL
Nos últimos anos, especialmente depois do início da pandemia, não foram raros os relatos de crianças e adolescentes passando por depressão e/ou com crises de ansiedade. As causas para esse problema são inúmeras, desde excesso de telas até a falta de contato com a natureza. Além disso, muitos têm agendas lotadas de compromissos, muitas vezes mais cheias até que a de um adulto. Isso, certamente, vai se refletir em algum momento. E é exatamente aí que percebemos o papel que um hobby pode ter na vida de uma criança.
Todos nós, em algum momento, já ouvimos que é fundamental vivermos momentos de escape para termos alívio mental. E isso também se aplica às crianças e adolescentes. Abrahão explica que a responsabilidade da vida corrida pode aumentar os hormônios do estresse, como cortisol, adrenalina e noradrenalina, o que impacta negativamente no funcionamento do corpo humano.
“O excesso de estresse pode causar insônia, aumento no apetite, irritação, desencadear inflamações e impactar o desempenho do indivíduo em qualquer ambiente, independentemente da idade. Para vencer esse problema, assim como acontece com quem faz esportes por lazer, ter um hobby aumenta os hormônios do prazer, como a dopamina, um neurotransmissor que é produzido quando fazemos atividades que nos trazem bem-estar. Ou seja, toda atividade que traga prazer e bem-estar serão positivas para ajudar crianças e adolescentes a superarem ansiedade e depressão”, pontua. Mas um alerta: os hobbies são atividades prazerosas que devem ser feitas no tempo livre. Se a criança ou o adolescente tiver uma agenda sem tempo ocioso, porém, dificilmente conseguirá ter um hobby que realmente ‘funcione’ como precisa”, lembra.
Além disso, os pais devem ter em mente que indivíduos em formação devem equilibrar obrigações escolares, atividades extra curriculares, possíveis hobbies e tempo para não fazer nada. Sim, o ócio é fundamental, inclusive, para estimular a criatividade, a socialização e para nos conhecermos melhor – sim, isso também se aplica às crianças e adolescentes.
Portanto, como esclarece Viviane, essas atividades não devem ser categorizadas como algo a mais na rotina de crianças e adolescentes, mas, sim, como um diferencial, um momento em que é possível se desligar dos compromissos cotidianos, desempenhando algo sem a expectativa e preocupação com os resultados. “Qualquer coisa diferente disso perde o sentido e deixa de ser um hobby”, conclui.