Nesta sexta, 21 de março, foi celebrado o Dia Mundial da Trissomia 21, que faz referência à trissomia do cromossomo 21, que causa a síndrome de Down – a condição genética ocorre em aproximadamente 1 a cada 700 nascimentos no Brasil, o que representa cerca de 270 mil pessoas vivendo com a síndrome no país. Caracterizada pela presença de um cromossomo extra, ela pode estar associada a condições de saúde específicas, como cardiopatias congênitas, hipotonia muscular (diminuição do tônus muscular), alterações na função da tireóide e maior suscetibilidade a infecções respiratórias, além de impactar o desenvolvimento motor e cognitivo. Por isso, os cuidados de saúde desde o nascimento devem ser planejados com atenção e suporte multidisciplinar, garantindo que o bebê tenha o acompanhamento adequado em cada fase do crescimento.
Luiza Campos*, mãe de Gabriela*, de 13 anos, conta que só soube que a filha teria Down no nascimento, pois nenhum dos exames durante a gravidez detectaram a síndrome. “Não consegui me preparar para a chegada da minha filha e não sabia como me replanejar para aquele início. Como eu era diretora de uma multinacional e meu marido viaja muito, assim que soube da minha gravidez, eu já reservei a creche para onde iria com um mês, pois queria voltar logo pro trabalho. Claro que não aconteceu isso. Um recém-nascido com Down requer cuidados redobrados. No meu caso especificamente, tudo era novidade e as surpresas não foram poucas. Ela começou, por exemplo, a fazer fisioterapia e fono já na primeira semana. Ela não tinha nenhuma cardiopatia, mas tinha uma alergia severa a alguns alimentos. No primeiro ano de vida, foram vários ajustes necessários, mas deu tudo certo”, conta. Hoje, Gabriela tem uma vida comum como qualquer adolescente da sua idade: estuda, sai com amigos, namora e adora festas.
O pediatra Claudio Ortega, de Niterói, destaca que o primeiro ano de vida é determinante para garantir a saúde e o desenvolvimento adequado da criança com síndrome de Down. Segundo ele, o acompanhamento precisa ser ainda mais atento, com foco tanto na prevenção quanto na intervenção precoce.
Na coluna de hoje, vamos falar um pouco mais sobre os cuidados com a saúde dos bebês com Síndrome de Down e como é preciso conscientizar as pessoas sobre o tratamento dessas pessoas.
Atenção redobrada desde os primeiros dias
Bebês com síndrome de Down apresentam maior risco para algumas condições clínicas que precisam ser monitoradas desde o início da vida e é fundamental investigar a presença de cardiopatias congênitas, que são comuns em crianças com T21, além de avaliar a função da tireóide, que pode apresentar alterações logo nos primeiros meses. “Já na maternidade, são indicados exames como ecocardiograma, ultrassonografia abdominal e avaliações oftalmológicas e auditivas. Esses cuidados iniciais ajudam a identificar possíveis problemas e antecipar os tratamentos necessários, garantindo melhor qualidade de vida”, orienta Ortega.
Outro ponto de atenção destacado pelo pediatra é a imunização. “Crianças com síndrome de Down podem ter uma imunidade um pouco mais baixa e, por isso, precisamos manter o calendário vacinal rigorosamente em dia, com atenção especial para vacinas contra infecções respiratórias, como a gripe e o pneumococo”, afirma Ortega. Em algumas situações, inclusive, também pode ser indicada a aplicação da imunização contra o Vírus Sincicial Respiratório (VSR), que ajuda a proteger contra quadros graves de bronquiolite, principalmente nos primeiros anos de vida.
Além do acompanhamento pediátrico regular, é importante envolver outros profissionais de saúde no cuidado diário da criança, como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, que vão atuar em questões motoras, respiratórias e alimentares. Essas intervenções precoces ajudam no fortalecimento muscular, no estímulo aos marcos motores e no avanço da fala e da deglutição. “Os resultados são muito mais expressivos quando começamos cedo, antes mesmo de surgirem dificuldades mais evidentes”, reforça Ortega.
Juliana Gomes, fonoaudióloga especializada em transtornos de linguagem e CEO da Clínica Life, explica que muitas crianças com a condição apresentam hipotonia muscular, uma flacidez que afeta a mastigação, a deglutição e a fala. “O trabalho fonoaudiológico é fundamental para fortalecer os músculos da face, facilitando a comunicação e a alimentação da criança. Além disso, a terapia auxilia na melhor articulação das palavras contribuindo para aquisição de fala e linguagem”, pontua. Além dos exercícios, outra estratégia utilizada para potencializar a comunicação da criança é a Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA), que pode incluir o uso de gestos, figuras, pranchas de comunicação e aplicativos específicos. “A comunicação alternativa facilita a interação da criança com os pais e com o mundo ao seu redor, permitindo que ela expresse vontades, sentimentos e necessidades antes mesmo de desenvolver a fala”, ressalta Juliana, acrescentando que o momento ideal para iniciar as terapias é o mais cedo possível, garantindo que a criança tenha suporte desde os primeiros meses de vida.
O pediatra chama atenção, ainda, para a necessidade de um calendário específico de rastreios ao longo da infância, com exames que precisam ser repetidos periodicamente, como avaliação cardiológica anual; exames de função tireoidiana a cada 6 meses até os 3 anos e depois anualmente; acompanhamento oftalmológico e auditivo regular; e monitoramento do crescimento e do ganho de peso, com curvas adaptadas para síndrome de Down.
Conscientização é o primeiro passo para inclusão
Conscientizar as pessoas sobre a Trissomia 21 é fundamental para criar uma vida mais justa para todos. Entretanto, mesmo com tantas notícias sobre os espaços conquistados pelas pessoas com T21, ainda encontramos os que os tratam de forma diferente ou infantilizada. E isso não apenas não é correto, quanto é desrespeitoso. “E, sim, precisamos falar sobre isso”, enfatiza a neuropsicóloga Bárbara Calmeto, diretora do Autonomia Instituto.
A seguir, Bárbara pontua informações importantes para criar uma sociedade mais inclusiva.
1. Pessoas com Trissomia 21 não são todas iguais. Embora alguns traços e características sejam comuns, cada pessoa tem a genética de sua família. Além disso, temperamentos, gostos pessoais etc também são individuais, como qualquer outra pessoa;
2. Infantilizar o trato com crianças e – pior ainda – adultos com T21 não é legal. Aja como você agiria com pessoas típicas da mesma faixa etária. Eles percebem quando estão sendo tratados de forma diferenciada assim como todas as outras pessoas perceberiam. O mesmo vale para tratar como coitados. Não, eles não são coitados. Entenda de uma vez por todas isso;
3.Trissomia 21 não é uma doença, mas uma condição genética e é preciso que as pessoas entendam isso definitivamente e não tratem os indivíduos com T21 como doentes;
4. Assim como todos têm revisto a forma de se expressar sobre diversos temas em relação ao racismo (como o uso de palavras e expressões como criado mudo, denegrir etc), é preciso que o mesmo aconteça com termos como “retardado”, “mongol” etc. Esses adjetivos são desrespeitosos não apenas quando se referem às pessoas com Trissomia 21. Precisamos melhorar como sociedade e usar termos que não tenham essa carga preconceituosa. Além disso, precisamos de informação para acabar com o capacitismo de uma vez por todas;
5. É muito comum as pessoas falarem sobre níveis da T21 e isso é um mito. O que muitas vezes diferencia o nível cognitivo e funcional entre uma pessoa com Trissomia 21 de outra é a deficiência intelectual. Contudo, com terapias especializadas os avanços cognitivos, motores, sociais e acadêmicos vão acontecendo cada vez mais;
6. Não fique olhando e encarando pessoas com Trissomia 21 quando estiverem no mesmo espaço que você, seja trabalhando, namorando ou fazendo qualquer outra atividade que é comum a todos. Se você não sabe (e agora ficará sabendo), esses indivíduos estudam, trabalham, namoram, se divertem, saem, enfrentam desafios e têm alegrias no dia a dia como qualquer outra pessoa. Portanto, não se espante (e pior: demonstre isso) quando encontrá-los nos mesmos ambientes que você;
7. Embora muitos não se deem conta, usar os termos corretos para se referir a pessoas com Trissomia 21 é muito valioso. Portanto, lembre-se sempre: pessoas com Trissomia 21, não são portadoras. Quem porta carrega algo que não é seu. E a síndrome é uma condição genética da pessoa, não um fardo a ser carregado;
8. Pessoas (crianças ou adultos) com Trissomia 21 têm opiniões próprias e percebem quando estão sendo colocadas de lado em uma brincadeira ou em um bate papo. E isso é gravíssimo. Sempre converse sem capacitismo;
9. Lembra que falei sobre não infantilizar ou tratar como coitado quem tem Trissomia 21? Esse direcionamento também é válido para o contato com a família (especialmente com os pais de uma criança com T21). É muito comum as pessoas olharem com pena para essas famílias, como se fosse um castigo. E não, não é. Pais precisam de ajuda, empatia, carinho, atenção, acolhimento e direcionamento;
10. Tem alguém com Trissomia 21 na família ou que participe da sua vida? Então, você pode ajudar ainda mais nessa inclusão. Sempre que alguém fizer algum comentário inadequado sobre pessoas com T21, aproveite para dar o famoso toque e mostrar como o que o outro entende está errado. Precisamos de pessoas que falem mais sobre isso. E que, sim, ajudem a ensinar quem ainda não entendeu que todos temos os mesmos direitos.
Direto ao ponto
O primeiro ano de vida de um bebê com T21 é uma fase muito importante que exige cuidados específicos e intervenções multidisciplinares para promover um desenvolvimento saudável. “O acompanhamento integrado, envolvendo profissionais de diversas áreas e o engajamento ativo da família, é fundamental para assegurar que o bebê com síndrome de Down tenha um desenvolvimento pleno e saudável durante o primeiro ano de vida”.
A seguir, Bárbara destaca os principais aspectos a serem considerados durante esse período:
Amamentação e nutrição: O aleitamento materno é fundamental para bebês com síndrome de Down, não apenas por suas propriedades nutricionais, mas também pelo trabalho muscular exercido durante a sucção, que auxilia no fortalecimento dos músculos orofaciais. “Devido à hipotonia muscular característica, esses bebês podem apresentar dificuldades na alimentação. É essencial que os pais recebam orientação de profissionais de saúde para garantir uma nutrição adequada e estimular a musculatura envolvida na alimentação”, explica a neuropsicóloga.
Estimulação precoce: A intervenção precoce é vital para o desenvolvimento neuromotor de crianças com síndrome de Down. Programas que envolvem fisioterapia e terapia ocupacional desde os primeiros meses de vida têm mostrado resultados positivos no desenvolvimento motor e cognitivo. “Essas terapias auxiliam na aquisição de habilidades como controle da cabeça, rolar, sentar e andar”, conta Calmeto.
Acompanhamento médico regular: Bebês com síndrome de Down têm maior predisposição a certas condições de saúde, como problemas cardíacos congênitos, distúrbios da tireoide, deficiências auditivas e visuais. “É imprescindível um acompanhamento médico regular para monitorar e tratar precocemente quaisquer alterações, garantindo uma melhor qualidade de vida”.
Envolvimento familiar e social: O apoio e o envolvimento da família são essenciais no desenvolvimento da criança. “Participar de grupos de apoio e comunidades pode proporcionar troca de experiências e suporte emocional. Além disso, a inclusão social desde cedo favorece o desenvolvimento de habilidades sociais e de comunicação”, explica.
Preparação para a inclusão educacional: Desde o primeiro ano, é importante preparar a criança para a futura inclusão escolar. Estimulações cognitivas e sociais, realizadas em conjunto com profissionais especializados, podem facilitar a adaptação e o aprendizado em ambientes educacionais inclusivos.
BOX: Mitos e verdades sobre a Síndrome de Down
A T21 é repleta de mitos e tabus que precisam ser desconstruídos para melhor acolhimento dos pacientes e seus familiares. E para desmistificar esse tema, a pediatra Maria Aparecida Figueiredo Aranha, do Sabará Hospital Infantil, que também faz parte do Núcleo de Apoio à Criança com síndrome de Down, esclareceu as principais dúvidas.
Crianças com síndrome de Down podem estudar junto com outras crianças em escola regular – Verdade: Podem e devem! De acordo com o último Censo Escolar da Educação Básica, de 2023, o número geral de crianças com deficiência incluídas em turmas regulares atingiu 91% na educação básica em comparação com 79% em 2014. Dos alunos matriculados na educação especial do ensino básico, 53,7% têm deficiência intelectual, incluindo os que possuem síndrome de Down. Isso aponta o aumento no reconhecimento do direito à educação para alunos com deficiência e reafirma a importância de inclusão dessas crianças na sociedade e no ambiente escolar.
Crianças com síndrome de Down não podem ler nem escrever. Mito: A maioria das crianças com Down consegue ler e escrever. Entretanto, precisam de adaptações curriculares e atendimento individualizado para aprendizagem.
Crianças com síndrome de Down tendem a adoecer mais. Verdade: Devido à baixa resistência imunológica, principalmente nos primeiros anos de vida, elas estão mais suscetíveis a infecções, principalmente no sistema respiratório e digestivo. Mas, com acompanhamento de uma equipe multidisciplinar essa tendência tende a diminuir com o tempo.
Os bebês com essa condição não podem realizar atividades de outras crianças na mesma idade. Mito: Crianças com síndrome de Down geralmente podem fazer a maioria das atividades que qualquer outra criança faz: andar, falar, brincar, se vestir, usar o banheiro. A única diferença é que talvez leve um pouco mais de tempo para desenvolver essas habilidades de maneira autônoma.
Todas as crianças que nascem de mães acima dos 40 anos terão síndrome de Down. Depende: É verdade que mulheres que têm filhos após os 35 têm de mais chance de ter um bebê nessa condição. No entanto, segundo dados do Centro de Controle de Doenças e Prevenção dos EUA (CDC), mostram que 80% dos bebês com Down nasceram de mulheres com menos de 35 anos, porque há, naturalmente, mais nascimentos entre as mais jovens.
Pessoas com Down morrem jovens. Mito: A expectativa de vida depende do acesso ao sistema de saúde e ao acompanhamento clínico multidisciplinar que o bebê recebe desde seu nascimento. De acordo com o estudo “The four ages of Down Syndrome”, nas duas últimas gerações, a expectativa de vida subiu de 12 para 60 anos.
Quem tem síndrome de Down pode praticar esporte. Verdade: A prática de atividade física auxilia muito no bem-estar físico e emocional. Não existe uma mais indicada, o mais importante é ter sempre um acompanhamento do especialista.
Todas as pessoas com Down têm sobrepeso. Mito: Nem todas. No entanto, estudos sugerem que a tireoide e o baixo metabolismo contribuem para a obesidade em pessoas com a síndrome. Por esse motivo, o acompanhamento com endocrinologista e nutricionista é muito importante.
Todas as crianças com síndrome de Down são cardiopatas. Mito: Cerca de 50% das crianças apresentam algum tipo de cardiopatia congênita, sendo que destas, a metade delas têm indicação cirúrgica até os três anos de idade.