Nas últimas semanas, não se fala em outra coisa, especialmente em ambientes com famílias que têm adolescentes: a nova série da Netflix, Adolescência, é um “soco no estômago”. Ao abordar o caso de um adolescente de 13 anos envolvido em um assassinato, a história mostra muito mais que um drama que poderia ser um folhetim de qualidade. Além do suspense e da crítica social, a trama escancara uma questão incômoda para muitas famílias: até que ponto os pais realmente conhecem a vida dos filhos? Em uma era dominada pelas redes sociais e pela hiperconectividade, a distância emocional entre gerações parece crescer.
A série britânica levanta questões sobre redes sociais, misoginia e a relação entre pais e filhos. Mas, mais do que um drama, ela pode servir de alerta: você realmente conhece seu filho? Como fortalecer esse vínculo antes que seja tarde?
Kelly R F Capeletti, mãe de Theo, de 17 anos, e Caio, de 14, conta que o maior desafio em manter um vínculo próximo com os filhos adolescentes é ter assuntos e interesses em comum ou, pelo menos, tentar entender o mundo deles. “As coisas que eu gostava na adolescente são completamente diferentes do que eles vivenciam hoje. Então, tentar resgatar dentro de tudo o que existe alguma coisa, interesse em coisas comuns, é bastante complicado. É um desafio, mas tentamos constantemente organizar de alguma forma”, explica. Entretanto, mesmo trabalhando para fazer essa maior aproximação diariamente, já enfrentou momentos de afastamento. “Já tive algumas situações e acho que hoje a gente já melhorou bastante com relação a isso. Até pelo fato de estarem crescendo. Com o mais velho, inclusive, começam a aparecer alguns interesses em comum. Antes, havia mais com o pai, até por conta do meu marido curtir skate, futebol etc. E, por serem meninos, a conexão era mais fácil. Mas agora, com namorada, o Théo começou a querer saber mais sobre pratos diferentes para fazer para a namorada e amigos. Eu, é claro, adoro fazer parte disso. Já com o Caio, uma coisa que a gente descobriu é que os dois gostam é montar quebra-cabeça e de alguns jogos de tabuleiro e baralho, e isso acabou nos unindo. Além disso, a música também é uma paixão de todos”, completa
Na coluna de hoje, vamos tratar de forma direta a questão, tentando traçar um “plano” para que nós, pais, consigamos ficar atentos a qualquer sinal sobre algum comportamento suspeito de nossos filhos.
Os perigos do silêncio na adolescência
Na série, Jamie Miller esconde segredos que nem sua família imaginava. Esse comportamento, comum na adolescência, pode ser um sinal de que algo não vai bem. Muitos pais confundem a falta de diálogo com um traço natural da idade, mas especialistas alertam que criar um ambiente seguro para conversas sinceras é essencial para evitar que os jovens busquem apoio apenas nas redes sociais.
A psicóloga Araiê Berger explica que é normal o adolescente querer mais privacidade e passar mais tempo sozinho – é uma fase de descoberta de si mesmo. Mas quando esse isolamento vem com tristeza profunda, irritação constante ou abandono de atividades que gostava, pode ser um sinal de que algo não vai bem. “A chave é observar: se ele fica no quarto, mas ainda conversa com amigos online ou mantém seus hobbies, está apenas amadurecendo. Se para de se cuidar, não quer ver ninguém e fica agressivo sem motivo, é bom ficar atento”, diz.
Para incentivar o diálogo sem parecer invasivos, os pais devem, antes de qualquer coisa, não insistir em mil perguntas. “Adolescentes fogem de interrogatórios! Em vez de chegar com “conte tudo”, experimente criar momentos leves para conversar – no carro, cozinhando juntos ou até assistindo a uma série que ambos gostam. Mostre interesse genuíno no mundo dele: “Essa música que você ouve é diferente – o que chamou sua atenção?” Ou compartilhe algo seu: “Na sua idade, eu tinha medo de não me encaixar…”. O segredo é ouvir mais do que falar e evitar julgamentos. Se ele sentir que pode falar sem ser criticado, vai se abrir aos poucos”, sugere Araiê.
Já para Carlos Fernando Dalacqua, que é psicólogo e psicanalista, os pais não devem ter medo de serem invasivos, mas precisam ter bom senso! “O adolescente, ao se sentir pressionado, tende a se fechar mais e evitar contato. Porém, existem situações críticas que extrapolam os limites aceitos pela cultura familiar e isso demanda uma atitude mais incisiva. O adolescente precisa de espaço pra crescer, mas também precisa de limites e regras claras, para poder explorar esse espaço. É importante dialogar, principalmente ouvir seus argumentos e ponderar o que é um capricho ou um trauma dos pais, lembrando que existe um abismo cultural entre a adolescência dos genitores e a dos filhos, e as regras que conduziram a primeira podem não funcionar para a segunda. Muitas vezes, é necessário que os pais procurem ajuda de um psicólogo para trabalhar em si essas questões de forma mais calcada na realidade, não numa imagem de um filho ideal”, analisa.
Pais precisam estar nas redes sociais?
As redes sociais desempenham um papel central na série e na vida real dos adolescentes. O universo digital influencia comportamentos, padrões de pensamento e até a autoestima dos jovens. Mas até que ponto os pais devem se envolver? Especialistas sugerem que entender o funcionamento dessas plataformas – e saber o que está em alta entre os adolescentes – é uma forma de prevenir riscos e dialogar com mais empatia.
Dalacqua pontua que é importante que os pais tenham disposição para entender a linguagem dos filhos, mais do que estar em todas as redes que possam existir. “Existem estratégias para burlar esse controle parental, como usar outras redes ou mesmo contas alternativas. Tentar controlar tudo é desgastante para ambos os lados. Por isso é importante ter um diálogo franco sobre os perigos e os problemas que podem advir do mau uso desses recursos. Em contrapartida, uma ação que ajuda controlar o dano causado pela exposição ao mundo online é a limitação do tempo de tela, uma atribuição direta dos pais e responsáveis. Proporcionar à criança tempo de qualidade fora do virtual é importantíssimo, seja através de práticas esportivas, culturais, convivência familiar etc”, diz.
Como agir quando seu filho está envolvido em algo sério?
Seja um caso de cyberbullying, um comportamento preocupante ou uma acusação injusta, pais podem se sentir perdidos ao descobrir que seus filhos estão enfrentando um problema grave. A série apresenta diferentes reações diante de uma crise, e na vida real não é diferente: manter a calma, buscar entender antes de julgar e contar com ajuda especializada são passos fundamentais.
Para começar, é preciso estar atento aos ‘sinais’. “O adolescente pode exibir comportamentos que não fazem sentido para os pais. Modos de se vestir, aparência de forma geral, comportamentos “estranhos”. Todos os sinais são importantes e merecedores de atenção”, avalia Carlos Fernando. Porém, alguns comportamentos exigem mais prontidão na resposta, como reclusão excessiva, perda de apetite recorrente ou superalimentação, desleixo pessoal intenso ou uma preocupação com a aparência fora do normal, cortes e machucados pelo corpo, à mostra ou escondidos. “Enfim, comportamentos incomuns demandam uma ação incomum. Novamente, reforçando este ponto: muitas vezes não é suficiente apenas levar o filho ao psicólogo, é importante que os pais também procurem ajuda quando seu repertório não der conta de compreender o desenvolvimento e as crises enfrentadas pela criança”, comenta.
Mas, e ao perceber que o filho está ‘diferente? Como agir? Depende da seriedade do problema, De forma geral, deve-se tomar as providências imediatas para limitar os danos subsequentes. “Procurar ajuda especializada conforme o caso e não se afundar em culpa, seja puxando-a pra si, seja recriminando o adolescente. Importante deixar o juízo moral de lado para que atitudes mais objetivas possam ser tomadas. Frases como “eu não te criei pra isso”, “estou decepcionado com você”, “o que tal pessoa vai pensar?” servem apenas para aprofundar a sensação de culpa e condenação, afastando a clareza necessária para lidar com a situação da melhor forma possível. É melhor ter uma postura mais alinhada com “nós sabemos que o que você fez foi errado, mas estou aqui pra te ajudar a entender e resolver o problema”, sugere Dalacqua.
Direto ao ponto
Adolescência não é apenas uma história sobre um crime juvenil, mas um alerta sobre a necessidade de fortalecer a conexão entre pais e filhos. O que a série nos ensina é que, muitas vezes, a resposta para evitar crises está em algo simples, mas desafiador: criar laços reais e abrir espaço para o diálogo antes que o silêncio fale mais alto. A seguir, Araiê Berger e Carlos Fernando Dalacqua falam mais sobre relações entre pais e filhos e como construir – ou reconstruir – laços.
Aventuras Maternas – A série Adolescência mostra como a pressão social e familiar afeta os jovens. Como equilibrar expectativas e apoio emocional?
Araiê Berger – Todo adolescente sente o peso de ser “perfeito” – nos estudos, no corpo, nas redes sociais. Os pais podem ajudar mostrando que errar faz parte: “Se não der certo dessa vez, vamos pensar juntos no que dá para ajustar”. Outra dica é perguntar como ele se sente em vez de só cobrar resultados. Por exemplo: em vez de “Passou na prova?”, tente “Está achando esse ano mais difícil? Quer ajuda em algo?”. Isso alivia a pressão e fortalece a confiança.
Carlos Fernando Dalacqua – A série mostra a dor de pais que acreditavam estar fazendo o melhor para seu filho, mas que descobriram tarde demais que foram negligentes em um ponto específico: permitir que o menino ficasse muito tempo na internet, acessando conteúdo inadequado. Não existe uma regra exata, uma receita de bolo, para transformar um bebê num adulto perfeito, mas algumas atitudes podem ter efeitos positivos. O que se apresenta hoje em dia como um problema de proporções ainda desconhecidas, mas já assustadoras, é a influência nefasta de conteúdo misógino, racista, homofóbico, propagada em canais específicos da internet, por youtuber e influencers. Mesmo as redes proprietárias, como Facebook, TikTok, e X, que contavam até recentemente com mecanismos mais eficientes de moderação, podem ser ferramentas de desinformação e disseminação de ódio, aumentando o alcance da exposição destrutiva, alastrando a humilhação numa dimensão inimaginável e levando as crianças, em busca de validação e pertencimento, a atitudes cujas consequências são imprevisíveis.
Aventuras Maternas – Para os pais que sentem que já perderam essa conexão, ainda há tempo para reconstruí-la? Como?
Araiê Berger – Nunca é tarde! Comece com pequenos gestos: um bilhete no celular (“Pensei em você hoje!”), um convite para tomar sorvete sem segundas intenções ou até pedir desculpas por um momento em que foi rígido demais. Adolescentes valorizam a sinceridade, mesmo que demorem a reagir. Se houver mágoas, diga algo como: “Sei que nos afastamos, mas quero reconquistar sua confiança”. E tenha paciência – reconstruir leva tempo, mas cada tentativa conta.
Carlos Fernando Dalacqua – É possível que a sensação de já haver perdido a conexão seja transitória, pois a conexão é algo dinâmico que deve ser cultivada no dia a dia, através de uma relação de confiança, cuidado e atenção. Uma conversa franca, na qual os pais exponham suas preocupações, aliada a demonstração de interesse legítimo no filho e comportamento condizente com as palavras, pode refazer elos rompidos. Porém, não adianta esperar mudanças de um lado apenas! O adolescente precisa ver que a ação dos pais está alinhada ao que foi combinado. O afastamento é consequência da sensação de abandono por parte do filho e pode não fazer sentido pelo ponto de vista dos pais, porém demanda comprometimento na reconstrução desse laço.
Aventuras Maternas – Há algo mais que você gostaria de acrescentar sobre o assunto?
Araiê Berger – A adolescência não é só crise – é também uma fase cheia de criatividade e paixão! Muitos jovens começam a questionar o mundo, criar arte, se envolver em causas ou descobrir talentos. Em vez de focar só nos problemas, os pais podem celebrar essas descobertas: elogie um desenho que ele fez, assista a um filme que ele recomenda, ouça a banda nova que ele ama. Quando o adolescente se sente visto em suas paixões, fica mais fácil atravessar juntos os momentos difíceis.