Muitas vezes rotulados como distraídos ou excessivamente ligados às redes sociais, os adolescentes de hoje vêm mostrando uma face que surpreende: eles estão se engajando em causas sociais, criando projetos de impacto e exercendo protagonismo em ações que beneficiam suas comunidades. Longe de viver apenas de curtidas ou modismos, essa geração tem encontrado formas criativas de transformar empatia em atitudes concretas. E mesmo conectados, ao serem expostos a exemplos de jovens que criam soluções para problemas da sociedade e para ajudar ao próximo, esses indivíduos se inspiram por modelos de comportamento inspiradores e práticas de cidadania. Além disso, também são fortalecidas habilidades socioemocionais como cooperação, resiliência e comunicação, pilares importantes para o desenvolvimento pessoal e profissional.
Mas, para que essa influência seja efetiva, é fundamental que pais e profissionais de Educação combinem curadoria de conteúdos com oportunidades reais de participação. “Escolas, famílias e comunidades podem facilitar o acesso a iniciativas comunitárias, campanhas de doação e projetos de impacto social, incentivando a participação dos jovens de forma segura e orientada. Dessa forma, a internet se torna um espaço não apenas de consumo, mas de construção de valores e de ações que ajudam quem precisa”, pondera Carlos Fernando Dalacqua, psicólogo e psicanalista na Sygne em Curitiba. Para a também psicóloga Michele Silveira, as redes sociais são ferramentas e, como toda ferramenta, o impacto depende do uso. “Quando bem orientadas, elas podem ser um espaço de expressão, de conexão com causas sociais, de aprendizado e de mobilização. Muitos adolescentes hoje usam as redes para divulgar projetos, trocar ideias, ampliar repertório e até liderar movimentos importantes. O que precisamos é oferecer orientação, mostrar limites e ajudar os jovens a fazerem escolhas mais conscientes no ambiente digital”, diz.
Na coluna da semana, vamos falar mais sobre como ensinar para nossos filhos sobre voluntariado, inclusão e fazer o bem.
Redes amigáveis?
Influenciadores e redes sociais podem agir como catalisadores inspiradores ao amplificar exemplos positivos de voluntariado, compartilhar histórias reais de impacto e oferecer guias práticos para começar projetos que visem a construção de um mundo mais justo. Ao apresentar conteúdos acessíveis e autênticos sobre como ajudar comunidades, criar parcerias e transformar ideias em ações, eles ajudam crianças e jovens a visualizar caminhos concretos e replicáveis.
Para o psicólogo Carlos Fernando, a exposição a conteúdos positivos nas redes sociais pode ser benéfica para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, pois oferece modelos de comportamento pró-social, reforçando valores como empatia, responsabilidade e cooperação, e estimulando a reflexão crítica sobre questões sociais. “Porém, é essencial que os pais acompanhem a qualidade dessas mensagens, visando promover discernimento diante de informações, estabelecer limites saudáveis e orientar sobre uso consciente das plataformas para que o impacto seja realmente positivo no desenvolvimento emocional, social e moral”, avalia.
Um bom exemplo disso é de Alicia Sá, aluna da 3ª série do Ensino Médio da Escola Gracinha. Para ela, o ambiente ao nosso redor influencia muito nas decisões de crianças e adolescentes, e as redes sociais, atualmente, exercem um papel determinante nos desejos e opiniões desse grupo. “Já vi inúmeros conteúdos inspiradores, mas o que me vem à mente agora é um vídeo de um pai chegando em casa após um dia de trabalho e encontrando tudo completamente bagunçado: brinquedos espalhados, roupas fora do lugar, comida pela cozinha. E, ao invés de descontar na esposa, ele silenciosamente arrumou a casa e preparou o jantar. Esse vídeo me marcou profundamente, porque é sobre enxergar as dificuldades do outro e sair, ainda que por um momento, desse nosso individualismo. Ele entendeu que, em meio à rotina intensa de cuidar de um bebê, ela não conseguiu manter tudo organizado, e está tudo bem. Como alguém perfeccionista, que se cobra muito, essa cena me trouxe conforto. Mostrou que existe compreensão genuína: esse pai, mesmo cansado, escolheu agir com empatia. Ele valorizou o esforço, e não apenas o resultado. Em uma sociedade que exige produtividade constante e nos faz acreditar que precisamos dar conta de tudo, lembrar que haverá momentos de pausa, e que nem sempre seremos julgados ou atacados por isso, é reconfortante. É a prova de que pequenas atitudes de cuidado e compreensão podem transformar completamente um dia e, principalmente, uma relação”, pondera.
Mas embora as gerações mais novas possam se desenvolver em diferentes sentidos acessando o “lado positivo” das redes sociais, não há como negar que estão mais expostos a conteúdos violentos ou absurdos. “Hoje, os adolescentes têm um acesso praticamente ilimitado a conteúdos online, que incluem influências tanto positivas quanto negativas. Isso impacta profundamente o comportamento deles e, nós, como adultos, temos o papel de orientá-los e acompanhá-los. É fundamental que estejamos presentes, conversando e oferecendo um ambiente seguro para que eles possam distinguir o que é construtivo do que pode ser prejudicial. Assim, eles aproveitam o lado bom da internet sem ficarem vulneráveis a modas perigosas”, avalia Lívia Thomaz, que é coordenadora pedagógica dos Anos Iniciais do Colégio Stella Matutina.
Afinal, é possível proteger os jovens acima dos 13 anos da influência negativa das redes sociais sem isolá-los do mundo virtual? Para Sandra Cirillo, que é Coordenadora Pedagógica do Ensino Fundamental II da instituição da Escola Gracinha, se a perspectiva dos adultos for apenas de controle, “o barco vai afundar”, porque é impossível, hoje em dia, controlar completamente a rede social. “Muitos pais usam a internet de maneira geral. Muitas famílias colocam esses aplicativos novos, que bloqueiam o celular em tempo de uso, de entrar em determinados sites, mas a internet voa, a tecnologia voa. Então, somente essa tentativa de controle não reduz muita coisa – e reduz por muito pouco tempo. Claro que tem de ter uma regulação, uma supervisão, mas é importante também fazer um trabalho educativo com as crianças e adolescentes, discutindo um pouco esse uso, quais são os riscos, as consequências de maus usos, e ter esses debates abertos. Isso é bem importante, porquanto, caso contrário, os resultados não aparecerão. É importante que o uso da tecnologia não seja um tabu, assim como o uso do celular, mas que eles aprendam a se proteger, a fazer denúncias, a pedir ajuda para os adultos, mais do que qualquer outra coisa”, avalia.
O papel das escolas
A educação desempenha um papel fundamental para incentivar e viabilizar o envolvimento de crianças e adolescentes em voluntariado, seja promovendo discussões sobre empatia, solidariedade e responsabilidade social; oferecendo oportunidades concretas de participação em projetos de serviço comunitário e campanhas de doação; ou criando um ambiente que leve à reflexão crítica sobre impactos sociais do voluntariado e da inclusão.
O projeto Cine Pensi+, por exemplo, que é realizado anualmente com alunos da 1ª série do Ensino Médio do Colégio Pensi+, ganhou uma nova dimensão em 2024: pela primeira vez, todos os curtas exibidos contaram com recursos de audiodescrição, tornando as produções acessíveis a pessoas com deficiência visual. A iniciativa nasceu de uma situação concreta em sala de aula, quando uma estudante com baixa visão expressou frustração ao não conseguir acompanhar plenamente os filmes da edição anterior. “A professora Gabriela Marçal nos trouxe o caso com muita sensibilidade. A partir disso, entendemos que não se tratava apenas de atender uma demanda pontual, mas de dar um passo importante na construção de uma escola verdadeiramente inclusiva”, explica Pablo De Oliveira De Mattos, coordenador pedagógico do Pensi+, que atuou em conjunto com a orientadora educacional da unidade, Ingrid Vasques. Para tornar a proposta viável, a escola convidou a especialista em acessibilidade audiovisual Larissa Costa, professora da PUC-MG, que conduziu uma série de oficinas com os estudantes. Eles aprenderam os fundamentos da audiodescrição, elaboraram roteiros adaptados e gravaram as versões acessíveis dos próprios filmes. Um momento decisivo para essa mudança de perspectiva foi a vivência proposta pela professora Gabriela na disciplina de LIV (Laboratório de Inteligência e Vida), em que os jovens passaram por dinâmicas com os olhos vendados, mãos amarradas e ouvidos tapados. A experiência, ainda que distante da realidade das pessoas PCD, reforçou a empatia e o compromisso com o projeto.
A aluna Luiza Loures Evaristo de Albuquerque Maranhão, que inspirou a iniciativa, também participou ativamente, mesmo enfrentando limitações de saúde que exigiram internações ao longo do semestre. Ela atuou em um dos curtas e acompanhou emocionada a exibição dos filmes na noite de estreia. “Luiza reagiu com uma salva de palmas espontânea ao saber que os filmes tinham audiodescrição. Aquela emoção dela confirmou que tomamos o caminho certo”, relata Pablo. A audiodescrição foi disponibilizada por QR Code junto aos vídeos, permitindo que todos pudessem acompanhar o conteúdo de forma plena. Com resultados tão positivos, a expectativa é que a audiodescrição passe a integrar permanentemente o projeto. “Não queremos que nenhum aluno precise se adaptar ao projeto. Nosso papel é garantir que o projeto já venha adaptado para todos. Essa é a escola que acreditamos construir”, conclui Pablo.
No Colégio Stella Matutina, há um projeto que tem promovido uma verdadeira aula prática de empatia, o Ronda Noturna, que mobiliza seus estudantes a prepararem refeições e distribuí-las a pessoas em situação de rua. A ação tem como principal objetivo cultivar a solidariedade e o compromisso social dos jovens, pilares centrais da proposta pedagógica da instituição. “Realizada no início da noite, a atividade envolve os alunos em todas as etapas do processo: desde o planejamento do cardápio, preparo dos alimentos e organização das embalagens, até o momento mais transformador, a entrega nas ruas e o contato direto com os moradores. Na última edição, uma macarronada com frango foi servida com afeto, tornando-se um gesto de acolhimento que aqueceu o corpo e a alma daqueles que vivem à margem da sociedade”, conta Lívia. Outro projeto da escola é o “Guardião Digital”, voltado para crianças do 1º ao 5º ano dos Anos Iniciais, que aborda de forma direta e acessível às questões relacionadas à internet. “Entendemos que nossos alunos já nasceram na era digital e, por isso, precisamos utilizar essa realidade a nosso favor. O projeto, idealizado por Fernando Lino, é incorporado ao cotidiano escolar e conduzido pelas professoras, que realizam um trabalho contínuo de conscientização sobre os riscos e cuidados no uso da internet. Além disso, o Guardião Digital também promove o desenvolvimento da autorregulação no uso das telas, ajudando as crianças a compreenderem a importância de equilibrar o tempo de conexão e outras atividades do dia a dia. Assim, desde muito cedo, elas são orientadas a navegar de forma segura e responsável, fortalecendo uma postura crítica, consciente e equilibrada diante do mundo digital”, complementa.
Já a Escola Gracinha trabalha muito na perspectiva de relacionar os conteúdos escolares e as questões de dentro da escola com as questões do mundo; e isso acontece desde a Educação Infantil, progressivamente, ao longo do Fundamental 1, na entrada do Fundamental 2 e no Médio. “Vou citar um projeto do final do 6º ano, que chama “E eu com isso?”, onde as crianças, em grupos, precisam pesquisar e eleger uma problemática social que pode estar dentro ou fora da escola, nas relações entre eles ou nas questões do mundo. Eles vão fazer um projeto de pesquisa científica, de elaboração da pergunta norteadora da pesquisa, levantamento de dados em fontes confiáveis, estabelecimento de hipóteses do porquê isso acontece, de pesquisas sobre isso e a apresentação de um resultado com perspectiva, com proposta de uma solução para aquele problema. Não precisa ser algo que eles coloquem na prática, mas pensar: temos esse problema, pensamos nesse encaminhamento que pode ser uma solução. Esse é um dos projetos, e eles fazem depois uma apresentação final, sempre tutorado por um adulto educador da escola, com quem eles sentam, fazem reuniões para pensar nas perguntas, no encaminhamento e nas propostas. Depois, tem uma formalização de uma manhã inteira de apresentações do percurso de pesquisa e aonde eles chegaram, pensando na proposta que vão apresentar”, explica Sandra Cirillo.
E, novamente, Alicia é um bom exemplo do trabalho da escola. “O Gracinha me apresentou muitas oportunidades de protagonismo. Quando penso em ações solidárias, a primeira que me vem à mente é a organização da Comissão Amazônica, que visa arrecadar a quantia necessária para fornecer o maior auxílio financeiro às famílias que encontram dificuldades para arcar com o valor da viagem de encerramento de ciclo da terceira série. Sempre gostei de estar no centro de projetos e de fazer parte da liderança, e o que mais me motivou, além de ser algo que afetaria diretamente aqueles ao meu redor e estar relacionado à minha turma, foi o fato de se tratar de uma causa que me toca muito. A Amazônia é muito mais que um território rico em biodiversidade: é debate, complexidade política, diversidade cultural e expansão de horizontes. Poder mobilizar um projeto que já remete a uma tradição de apoio entre os alunos, e que garantirá a todos essa experiência me traz conforto e satisfação”, conta. E continua: “É um projeto inicial, que ainda precisa de muita mobilização. Acabei de voltar da Amazônia e, mesmo tendo aproveitado ao máximo a época de cheia do Rio Negro, debatemos muito com os habitantes das comunidades ribeirinhas os impactos da seca para a economia e a subsistência dessas comunidades. Assim, inspirado no trabalho realizado pela turma de 2023, pretendo utilizar o valor remanescente das arrecadações da Comissão Amazônica e promover novas ações para auxiliar na redução desses impactos, através do fornecimento de bombas de sucção de água do rio para distribuição de água local, cestas básicas e qualquer outro tipo de ajuda que as comunidades vierem a precisar durante esse período de estiagem”.
Mas a criação de projetos que buscam beneficiar outras pessoas não são realidade apenas entre adolescentes. Na MiniMe Educação Infantil, por exemplo, há o projeto “Special Day”, desenvolvido com a turma de 4 anos. Nele, cada criança tem um dia para ser celebrada, quando os colegas fazem desenhos, escrevem bilhetes carinhosos e compartilham as qualidades que percebem naquele amigo. “É uma experiência linda e potente, que fortalece a empatia, o respeito e a autoestima desde cedo”, comenta Mônica Caldas, coordenadora pedagógica da instituição. “A escola na Primeira Infância é o primeiro espaço coletivo da criança, e por isso tem papel central na construção do pensamento crítico e da empatia. É ali que ela aprende a resolver conflitos, a ouvir e compreender o outro, a expor suas ideias, a conectar fatos, tempos e pessoas, desenvolvendo habilidades fundamentais para a vida em sociedade. Além disso, crianças que participam de ações sociais desde cedo têm mais facilidade para se colocar no lugar do outro e têm maior senso de responsabilidade e cuidado com seus pares, com o ambiente e consigo mesmas. É assim que compreendem que são parte do mundo e reconhecem o seu papel”, complementa.
Com a mão na massa
Participar de projetos sociais é essencial para desenvolver empatia, senso de responsabilidade e cidadania desde cedo. Ao aprenderem que podem ajudar outras pessoas e melhorar a comunidade, crianças e adolescentes ganham propósito, autoconfiança e habilidades sociais, como trabalho em equipe, comunicação e liderança, que os acompanharão por toda a vida. Além disso, o voluntariado forma hábitos positivos e duradouros. Afinal, quando as crianças veem que pequenas ações podem gerar grandes impactos, tornam-se mais propensas a escolher comportamentos éticos e a manter o engajamento cívico ao longo do tempo.
Michele explica que envolver-se em projetos sociais na adolescência tem um impacto muito positivo no desenvolvimento emocional, já que esse tipo de vivência amplia o senso de pertencimento, estimula a empatia e fortalece a autoestima. “O adolescente começa a perceber que ele pode contribuir para algo maior, que sua presença importa e que ele tem valor para além do seu grupo imediato. Isso gera um senso de propósito, o que é extremamente saudável nessa fase da vida em que tantas dúvidas e inseguranças podem surgir”, pontua. Ou seja, é importante que pais e educadores incentivem que esses adolescentes tenham voz e liderem iniciativas. “É assim que eles desenvolvem autonomia, responsabilidade e senso crítico. Quando um adolescente lidera uma iniciativa, ele está aprendendo na prática a tomar decisões, a lidar com frustrações, a negociar, a escutar o outro e a se posicionar. Dar voz aos jovens é confiar neles, é reconhecer que eles têm ideias, percepções e soluções que merecem ser ouvidas. E isso impacta diretamente na construção da identidade e da autoconfiança deles”, completa.
Mas é preciso lembrar que nem sempre a vontade de ajudar nasce de conteúdos das redes sociais, de projetos escolares ou de iniciativas individuais de crianças e adolescentes. Em muitos casos, ela é cultivada dentro de casa, como um valor transmitido de geração em geração. É assim com a família de Lis (8) e Lara (11), que participa ativamente do movimento social Sempre Natal Guaratuba — criado em 2019 e dedicado a levar presentes e alegria a famílias no litoral paranaense, por meio de uma programação natalina itinerante que envolve toda a cidade, com desfile, personagens, decoração e espírito comunitário. Idealizado e liderado pela mãe das meninas, a empresária Priscila Poli, o projeto rapidamente envolveu toda a família. Desde cedo, Lis e Lara contribuem com ideias e colocam a mão na massa: ajudam na organização, participam das ações e acompanham o Papai Noel em visitas.“A ideia é que, a cada ano, elas possam contribuir um pouco mais, de acordo com o desejo de cada uma e as possibilidades da idade. Quero que entendam que ajudar o próximo vai além de doar objetos ou presentes — às vezes, é simplesmente oferecer carinho e atenção a quem precisa”, conta Priscila.
Direto ao Ponto
A seguir, Sandra Cirillo, Mônica Caldas e Lívia Thomaz respondem outras questões relevantes sobre o tema.
Aventuras Maternas – Por que, ao mesmo tempo, vemos jovens cometendo atos terríveis e outros criando projetos sociais brilhantes?
Sandra Cirillo – São muitos os elementos que influenciam as escolhas que os jovens e adolescentes estão fazendo. Um dado importante é que a gente não pode ter uma leitura alienada sobre em qual sociedade estamos imersos, porque não se trata apenas do indivíduo. Não dá para a gente individualizar as atitudes para o bem ou para o mal. Não vamos ter um espaço escolar em que vamos fazer conversas, aplicar medidas de contenção, e tudo vai funcionar, porque estamos todos influenciados por esse modo de relação social. Nesse sentido, entra em jogo um componente de estrutura social, de relação entre as pessoas, que está em todos os lugares, nas redes sociais e na convivência. Tem, sim, um fator que é formativo. Se há uma política de educação, seja dentro da escola, seja na família, de apagar incêndio, no sentido de que deu um problema, teve um comportamento disruptivo, aplica-se uma sanção para que isso não volte a acontecer, isso não vai ser suficiente. Ela não vai resolver o problema da consciência sobre aquilo que é errado, aquilo que é certo. Por isso é importante sempre ter um trabalho preventivo, de educação e formação.
Mônica Caldas – Somos reflexo dos ambientes relacionais em que vivemos. Como dizia o pedagogo russo Vygotsky, nos tornamos quem somos a partir do outro. Isso não significa que o meio “cria” comportamentos ruins, mas que nossas escolhas e características são moldadas por nossas experiências. É na Primeira Infância que se desenvolvem as bases da empatia e do autocontrole, com o amadurecimento do cérebro e, especialmente, do sistema límbico. Por isso, a qualidade das relações e dos estímulos recebidos nessa fase é determinante para que a criança se torne um adulto emocionalmente saudável e conectado ao mundo ao seu redor.
Aventuras Maternas – Que tipo de suporte emocional e social os adolescentes precisam para canalizar sua energia de forma positiva?
Sandra Cirillo – Abertura de espaços dialógicos, espaços de escuta, espaços de fala, todos os não ditos criam fantasias, que podem ser para o bem ou para o mal, sobre as circunstâncias, sobre as pessoas, sobre as relações. Então, estar próximo, estabelecer um ambiente que seja de acolhimento, de pertencimento, de relações humanizadas. E, por isso, o excesso de tecnologia é prejudicial, porque esse aparato tecnológico acaba sendo colocado na frente. Você não olha mais no olho para ver como o seu colega está se sentindo. A piada que se faz via internet acaba por favorecer, por exemplo, o movimento de bando, onde todo mundo ri sem pensar em quem está do outro lado; no corpo a corpo, você poderá olhar para o seu amigo, vai ter um adulto intermediando essa relação.
Mônica Caldas – Crianças pequenas que recebem afeto e acolhimento, especialmente quando não sabem nomear o que sentem, têm mais chances de desenvolver os chamados neurônios-espelho — fundamentais para a construção da empatia. Quando o adulto assume o papel de “cérebro maduro” e oferece suporte emocional adequado, cria condições para que a criança se desenvolva de forma equilibrada e segura.
Aventuras Maternas – Como a escola pode ajudar a formar adolescentes mais críticos e empáticos?
Sandra Cirillo – É preciso ajudá-los a se colocar no lugar do outro, criar espaços de experiência, de fala e de escuta – são espaços da experiência humana, onde está se perdendo demais. O excesso de tecnologia vai individualizando e isolando demais. Isso faz com que eles não desenvolvam essa capacidade de se ver e se colocar no lugar do outro. A experiência humana, na relação com o outro, tem uma potência muito grande na formação crítica e em uma relação humanizada com o outro.
Aventuras Maternas – Qual o impacto emocional de se envolver em projetos sociais na adolescência?
Sandra Cirillo – O impacto emocional é imenso. Quando eles se engajam em questões do mundo, que chamam a atenção para eles, isso já vai gerar engajamento, porque começa a fazer sentido, é uma pergunta que eles querem responder. O que estamos colocando é: temos uma problemática aqui que vale pegarmos tempo didático da escola para tratarmos com atenção, com cuidado e com tempo. Isso gera a possibilidade de que eles consigam olhar para fora deles mesmos, identificarem-se com algumas temáticas, com alguns indivíduos, formar novos vínculos sociais e divisão de tarefas.
Aventuras Maternas – Como os adultos podem apoiar os jovens sem tirar a autonomia deles?
Sandra Cirillo – É um tanto nessa proposta, que é um trabalho baseado em um projeto de pesquisa. Nesses projetos, a escola vai apresentar, porque precisa guiar – não pode ser qualquer coisa dentro de determinado assunto. Mas o que isso interessa? Como eles caminham? É um trabalho que é orientado, mas não excessivamente dirigido. É preciso que os estudantes possam fazer experiências daquilo que dá certo e daquilo que dá errado, e o que faço com aquilo que dá errado. Então, o projeto da autorregulação da aprendizagem, acompanhado por um adulto – mas não tem um adulto que vai fazer por eles – desenvolve tanto essa capacidade de autonomia quanto desenvolvimento crítico, que é voltar e revisar aquilo que deu errado e identificar, dentro daquilo que deu certo, os passos que eles deram. Há uma perspectiva de construção a partir da própria experiência escolar, muito mediada, muito refletida, com muitos registros que possam ser revisitados, mas que não são, por exemplo, com perguntas fechadas dos educadores. E, se a gente quer que eles construam uma autonomia de pensamento, as perguntas precisam ser dos estudantes, dentro de uma metodologia de aprendizagem.
Aventuras Maternas – As redes sociais podem ser usadas de forma positiva na adolescência? Como?
Mônica Caldas – Sim, o uso de telas pode ser positivo, desde que com moderação e intencionalidade. Existem produções premiadas – curtas, longas e séries com mensagens lindas, que podem ser ferramentas valiosas para pais e educadores. No entanto, é fundamental respeitar as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria quanto ao tempo de exposição às telas, mesmo quando o conteúdo é de qualidade.
Lívia Thomaz – As redes sociais podem, sim, ser usadas de forma positiva, desde que haja orientação para que os adolescentes entendam que a vida real não é apenas o que se posta. Com a orientação devida, os adolescentes conseguem buscar conteúdos que agreguem e os façam crescer.