Fim de ano é tempo de festas, comemorações, Papai Noel, férias escolares e praia. Mas o período não é apenas de diversão e espírito natalino. Para alguns, também é tempo de provas finais e recuperação. E, sabemos, não é nada fácil administrar as emoções das crianças e até mesmo dos pais nessas horas.
Cobrança, ansiedade, frustração, medo, uma série de sentimentos ficam envolvidos e podem prejudicar o resultado final. Contudo, mesmo que não seja possível controlar totalmente esses sentimentos, é preciso, especialmente para o bem do estudante.
E para ajudar os pais nesse processo com seus filhos, a coluna de hoje traz dicas para enfrentar essa fase com resiliência.
PRIMEIRO IMPACTO
Com o dia a dia corrido para a maioria das famílias, acompanhar cada passo dos filhos nos estudos pode ser difícil. Sentamos, conversamos sobre como foi o dia, buscamos saber se há algum problema, acompanhamos os deveres e os estudos para as provas. Mas, mesmo assim, pode ser que, em alguma disciplina, os esforços não sejam suficientes para que alcancem boas notas. E aí, chega a notícia: recuperação.
Em um primeiro momento, os pais costumam ficar chateados com a notícia, o que é natural. No entanto, é preciso parar, pensar e procurar meios de ajudar, entendendo “quem” é o seu filho. Afinal, há diferentes casos de alunos que vão para a recuperação: os que não estudaram mesmo, os que não prestaram atenção em sala, os que têm dificuldades para assimilar o conteúdo, os que enfrentaram problemas pessoais, entre outros.
A psicanalista Andréa Ladislau explica que, sim, é preciso compreender o histórico desse aluno ao longo do ano e classificar seu desempenho: estudou, mas não assimilou? Ou não estudou e levou o ano na brincadeira, deixando a desejar, sem foco, sem dedicação e sem responsabilidade? “Para cada uma destas questões, existe um tipo de abordagem, pois são situações distintas que merecem e pedem colocações precisas para que o próximo ano letivo seja encarado com atitudes mais assertivas e pontuais. O aluno que não estudou, por exemplo, precisa compreender, através de um diálogo sincero e sem meio termo, onde ele falhou”, avalia.
Durante a conversa, peça a ele que diga, com sinceridade, o que considera positivo e negativo em sua atuação ao longo do ano. “Mostre que o resultado colhido é fruto de suas próprias ações e que a entrega dele reflete, exatamente, o que produziu. Não tem como ser diferente. E que perder o ano letivo fará uma diferença gigantesca no futuro. O tempo e energia gastos deveriam ser melhor aproveitados e isso fará falta em algum momento a longo prazo. Brigar não adianta, é preciso chamar à consciência, criar rotinas e novos hábitos”, pontua.
Já o aluno que estudou, mas mesmo assim teve um desempenho abaixo da média, diz Andréa, pode ter tido algum problema de assimilação que deveria ter sido percebido ao longo do período, através de acompanhamento psicopedagógico e também familiar. “Por isso é tão importante analisar o desempenho a cada bimestre, associando a entrega e dedicação deste aluno para perceber se pode estar havendo algum tipo de desequilíbrio na aprendizagem”, diz. Muitos casos de TDAH, por exemplo, são percebidos após orientação e acompanhamento de perto de uma equipe multidisciplinar. “Ele pode ter seu desempenho comprometido pela falta de foco e de atenção, por excesso de ansiedade e pela hiperatividade que dificultam a assimilação do conteúdo. O ideal é ouvir esse aluno, permitir que ele se expresse, demonstre suas deficiências e que o mesmo seja encaminhado a um atendimento especializado”, esclarece.
Ainda sobre alunos com TDAH, a neuropsicóloga Bárbara Calmento, diretora do Autonomia Instituto, explica que estimular a autoconfiança é fundamental. O estudante precisa acreditar no seu potencial e buscar ajuda terapêutica, quando necessário. “Afinal, o Déficit de Atenção não limita suas habilidades e capacidades. Para melhorar a autoconfiança, uma ótima estratégia é fazer exercícios e atividades que estimulem a concentração, como jogo da memória, tabuleiro, quebra-cabeça ou cartas, da forma como preferir. O importante é acreditar no próprio potencial de manter foco e atenção com o objetivo de vencer os obstáculos tanto nos jogos quanto na hora de realizar a prova”, explica.
Há, ainda, alunos que passaram por traumas, como luto, alguma doença ou bullying, e merecem atenção especial, não apenas no que tange ao desempenho escolar, mas também ao emocional. Alice Dias, mãe de Luana, de 13 anos, conta que, quando tinha a idade da filha, teve depressão e perdeu boa parte das aulas durante o ano, o que resultou em reprovação.
“Eu fiquei muito mal, ia a aula alguns dias e faltava um mês. Por um lado, tive a sorte de estudar em uma escola em que os professores eram muito conscientes, porque era uma época em que não se falava muito sobre depressão. Muitos enxergavam como frescura. Ao longo desses meses, meus pais passavam na escola e toda semana entregavam um material enorme para que eu pudesse estudar em casa. Quando eu conseguia ir a aula, os professores praticamente me davam aula particular. Fiz todas as provas, em todos os semestres, mas não tinha assimilado nada. No meu caso, meus pais concordaram que a melhor opção era eu fazer novamente aquele ano. Minha mãe era professora de escola, e meu pai de universidade, compreendendo bastante a situação toda. No ano seguinte eu fiquei na mesma escola e me saí muito bem”, conta.
Para Patricia Girrach, Coordenadora Pedagógica Anos Finais do Colégio Simbios Young, cada situação deve ser abordada de maneira específica. Mas em todas elas os alunos devem ser estimulados e encorajados, não só pela escola, mas também pela família, nesse processo que muitas vezes é desafiador. “Professores devem buscar diferentes formas de apresentar a informação, minimizar as distrações em sala, ensinar estratégias de aprendizagem e, principalmente, mostrar a este aluno que a recuperação e/ou a reprovação é necessária, pois reflete uma nova oportunidade para assimilação de conteúdos que são pré-requisitos para a série/ano seguinte”, determina.
Já Margarida Serrão, psicóloga e orientadora educacional do Colégio Portinari, pontua que existem diferentes formas de abordagem e não é possível ter um discurso unitário para tantas subjetividades. O primeiro passo é escutar o/a estudante e investigar o que pensa sobre sua própria dificuldade, avaliando o ponto central da mesma. A partir daí, tentar construir em conjunto estratégias que têm por objetivo facilitar a aprendizagem. Além disso, é preciso lembrar que os menores podem ficar assustados com a possibilidade de recuperação, dependendo da forma como os pais e responsáveis ajam. “As crianças podem acreditar que a recuperação é algo bom ou ruim, dependendo de como pais e escola abordam o assunto”, diz Patrícia.
Para isso, é importante, portanto, evidenciar o aprendizado que a criança teve e positivar as conquistas apresentadas ao longo do ano, valorizando o esforço e mostrando que dificuldades podem fazer parte do caminho, mas que a escola e a família poderão ajudar a superar. “A recuperação precisa ser mostrada como o momento em que essas dificuldades podem ser sanadas: revisitando conteúdos, realizando mais exercícios de fixação e recebendo uma atenção mais exclusiva por parte da professora, que estará com um grupo menor de alunos”, alerta. Andréa, alerta, também, que os pais devem mostrar que a criança não é pior que ninguém por não ter conseguido ser aprovado de imediato, mas precisa se esforçar e estudar mais para ser aprovado ao final. “Demonstre que ainda existe uma oportunidade de conseguir. Mostre que ele é capaz. Faça-o acreditar que pode vencer, para não se sentir derrotado”, complementa.
Mas, independentemente de haver sempre um motivo para o filho entrar em recuperação, alguns pais “não aceitam”. E esse tipo de reação costuma ser ainda mais prejudicial para toda a situação. “O apoio é imprescindível para que esse filho compreenda que, seja qual for a causa da reprovação inicial, ele precisa encarar esse momento como um desafio em sua vida, que precisa se responsabilizar pelo fato, analisar todo o processo e ser honesto consigo mesmo, identificando suas falhas e seus pontos fortes, para ressignificar o momento e abraçar o momento com uma postura diferenciada. Do contrário, poderá apenas se fazer de vítima, buscar culpados para suas fraquezas e procrastinar seus afazeres. Ou seja, a abordagem e o diálogo, no momento certo, possuem um peso de suma importância, para que o olhar para o novo ano seja positivo e encarado de forma desafiadora, com desejos de fazer e ser diferente. Assim como na vida adulta, os desafios e obstáculos devem ser encarados de frente e sem transportar para o colo de outras pessoas”, enfatiza Ladislau.
A HORA DA VERDADE
A ansiedade dos pais e dos filhos durante a recuperação é natural. Afinal, aqueles poucos dias que vão rever o conteúdo de um ano inteiro podem, infelizmente, não dar certo. E quando a recuperação, de fato, não é suficiente para aquele aluno aprender o que foi perdido, não há outra alternativa a não ser repetir a série. E aí, novamente, fica a pergunta: como agir nesse momento?
“Se não existe mais o que salvar, é acolher, conversar e cobrar as responsabilidades para que no próximo ano, os desafios sejam encarados de forma diferente. Além disso, cabe fazer também uma autoanálise, enquanto pais e responsáveis, se os hábitos familiares negligenciam e contribuem para o baixo desempenho dos filhos nos estudos”, diz Andréa Ladislau. Ou seja, os pais precisam se fazer também algumas perguntas, como os filhos possuem rotina de estudo? Seus hábitos pessoais permitem que dediquem parte do tempo para a aprendizagem? Os filhos são acompanhados ou orientados por algum adulto no desempenho de suas tarefas escolares? “O ambiente familiar e a contribuição da família como um todo, fazem muita diferença na compreensão de importância aos estudos que esse indivíduo terá ou não, ao longo de toda sua vida acadêmica”, completa Ladislau.
Para Girrach, a verdade e o diálogo franco são sempre a melhor solução para esse momento. Não é indicado minimizar o acontecimento, pois ele certamente trará consequências para a vida escolar e pessoal do aluno reprovado, mas também é importante que os pais não descontem as próprias expectativas e frustrações nos filhos, uma vez que isso pode trazer mais desafios para a relação futura entre ambos. “O ideal é considerar os próximos passos para tomar as decisões mais acertadas sobre como não perder a motivação do aluno no ano a ser repetido, como reorganizar a rotina para ter melhores resultados, ou, ainda, se é produtivo permanecer no mesmo ambiente escolar, entre outros. Diante da notícia, é preciso refletir juntos, tomar decisões e se preparar para recomeçar, sempre em parceria”, alerta.
Além disso, diz, ao receber a notícia, o mais importante é buscar manter a calma para não agir ou falar de forma a culpabilizar a criança ou a escola pelo resultado. “Com tranquilidade, é importante buscar a causa do problema, identificando os hábitos que contribuíram para isso e estabelecendo uma nova rotina para o ano seguinte. A partir dessa rotina estabelecida, buscar estar presente de forma assídua e frequente para monitorar se essa rotina tem sido cumprida e se o estudante tem encontrado alguma dificuldade na execução e/ou na aprendizagem dos conteúdos. Caso haja dificuldades, procurar auxílio para o seu aprendizado também é uma alternativa que pode trazer bons resultados. E, durante todo esse processo, o mais importante é sempre manter um diálogo franco e saudável com seu filho, a fim de manter um relacionamento de parceria, escuta e consciência das potencialidades e desafios enfrentados pelo estudante”, complementa.
Margarida comenta, ainda, que, geralmente, a notícia da reprovação é dada pessoalmente pela orientadora a pais e estudante juntos. Essa conversa ressalta a importância de aceitar o fato e aproveitar a oportunidade de construir a aprendizagem defasada de maneira mais consistente. Também é importante ressaltar que não há tempo perdido desde que a experiência seja bem aproveitada. “A reprovação já é um castigo suficiente. Com o fato consumado, o melhor é virar a página e escrever uma nova história. E o apoio parental é fundamental para a nova escrita”, determina a Orientadora Educacional do Colégio Portinari.
AJUDA EXTRA
Como sabemos, durante o período de recuperação as matérias não são dadas no mesmo tempo que nas aulas regulares. Pensando em ajudar o aluno a aproveitar melhor esse tempo, pedimos algumas dicas para os especialistas para que essa segunda chance possa realmente ser aproveitada.
Patricia Girrach – “A grade de aulas de um aluno em recuperação não preenche todo o período estudado (manhã/tarde) e, com isso, o estudante tem mais tempo para estudar. É necessário, portanto, organizar bem a rotina para aproveitar mais o tempo livre, distribuir ao longo do tempo as listas de exercícios entregues pelo professor para realização, buscar tirar as dúvidas que surgem e se dar pausas para descanso.”
Margarida Serrão – “Para fazer uma boa recuperação, alguns procedimentos ajudam bastante. O primeiro é organizar seu material, juntar as avaliações do ano da disciplina, manter limpo e arrumado o local do estudo com todo material que será necessário para seu estudo, dormir as horas adequadas, evitar distrações e muita dedicação, acreditando que é possível ser bem sucedido, mas se isto não acontecer, já terá aproveitado o estudo feito.”
Andréa Ladislau – “Oriente seu filho a pegar todo o conteúdo a ser estudado e focar no que apresenta maior dificuldade de entendimento para ele. Pois, para uma prova de recuperação, a quantidade de conteúdo e matérias tendem a ser bem extensos, e nem sempre é possível focar em tudo de uma só vez. Por isso a importância da priorização. Além disso, cabe ajudar a focar para não se distrair com redes sociais, amigos, festas, brincadeiras em um período que exige dedicação total. É a recuperação de todo o tempo perdido ao longo do ano. Ou seja, necessário um maior sacrifício para compor o objetivo final que é a aprovação.”
Bárbara Calmeto – “Manter a concentração e o controle da ansiedade neste período é tarefa difícil para todos e pode ser mais complicado para jovens com TDAH. Portanto, os pais devem ajudar o aluno criando uma rotina de estudo, pois é muito importante para que o jovem se organize no tempo. Crie um cronograma de estudos e cumpra todos os dias no mesmo horário, pela mesma quantidade de horas e no mesmo local. Uma boa dica é observar os horários em que está mais atento, disponível e tranquilo e delimite como blocos de atividades e revisões. Intercale as horas de estudo, com pausas para descanso e faça um lanche ou conversa com amigos, como estratégia para eliminar o tédio.
Escolha locais com poucos distratores como janelas e portas. Dê preferências a ambientes iluminados, tranquilos e sem ruídos ou falatórios. Organize a rotina de maneira que no horário de estudo a casa esteja o mais silenciosa possível. No momento do estudo, celulares, televisões, computadores etc devem ser desligados. Os dispositivos eletrônicos desviam a atenção do estudante e atrapalham a concentração. Lembre-se que uma mosca pode tirar a concentração, então tente controlar os distratores que estão ao seu alcance. É indicado também incluir atividades concretas e dinâmicas, já que ficar muito tempo parado pode ser uma tortura para quem tem o transtorno.
Logo, uma boa forma de superar obstáculos durante o aprendizado é incluir processos dinâmicos na rotina. Escreva ou desenhe para deixar mais visual, abuse de recursos como gráficos, imagens, listas, cores diferentes (marca textos), vídeos educativos, atividades práticas etc. Com essas estratégias, será possível associar o conteúdo teórico com a experiência prática vivenciada. Lembre-se que a disciplina é crucial para ajudar a definir objetivos e encontrar uma forma de lembrar deles a todo momento. Vale fazer anotações nos cadernos com post-its ou instalar aplicativos no celular com metas para cada horário de estudo.O importante é manter esta prática diariamente, refletindo sobre o que precisa ser feito e anotando cada detalhe no local que funcionar melhor. A prática permanente funciona como um estímulo extra para o cérebro, permitindo que as tarefas e os compromissos fiquem sempre frescos na mente.”
Em tempo: “Alguns estudantes costumam achar que não vão para a recuperação e se sustentam num pensamento mágico, como se fosse possível de repente mudar o processo de um ano inteiro. Mas a grande maioria não pensa assim. Muitos têm medo de ficar em recuperação mesmo com notas medianas. Enfim, não há um comportamento padrão. O resultado final é fruto de um processo. Tanto a família quanto a escola precisam acompanhar esse processo. Se os pais acompanharem as avaliações e as notas de seus filhos desde a primeira unidade, dificilmente se surpreenderão com o resultado final, seja uma recuperação ou uma reprovação. Como orientadora, penso que faz parte da nossa função refletir com os/as estudantes que todas as nossas escolhas têm consequências e que, em vez de nos culparmos ou nos punirmos por elas, devemos aprender com a experiência para nos tornarmos pessoas melhores. É o modo como lidamos com as consequências de nossas escolhas que determina se elas serão positivas ou o negativas”, conclui Margarida Serrão.