No próximo domingo, famílias de todo o Brasil se reúnem para celebrar o Dia dos Pais, uma data que, para muitas crianças, significa abraços apertados, histórias compartilhadas e momentos que fortalecem laços para a vida inteira. Pais que estão presentes, participam do dia a dia e se envolvem com amor e responsabilidade deixam marcas positivas que acompanham os filhos em cada fase do crescimento. Mas, ao mesmo tempo, é importante lembrar que nem todas as crianças têm essa presença tão necessária, e que a ausência paterna, seja física ou emocional, pode impactar profundamente seu desenvolvimento.
Aline Ferreira*, mãe de Davi*, de 11 anos, conta que depois que se separou, o pai acabou se afastando da criança por causa dela e isso trouxe uma revolta muito grande, interferindo até na rotina do menino. “Lembro-me dele ter contato com outras crianças que tinham os pais separados, mas que tinham guarda compartilhada. Ele me questionava, perguntava por que o pai não gostava dele, mas sempre fiz questão de dizer que ele o amava e que era apenas um período. Nessa época, as notas pioraram, ele não queria ir a locais onde outras crianças estariam com os pais. Foi muito difícil. Eu, então, conversei com o pai e ele passou a mudar, a ficar mais presente. Hoje, nossa guarda é compartilhada e meu ex-marido vem até em eventos na minha casa. Os homens precisam entender que, em uma separação, o casal acaba, mas os filhos continuam precisando de ambos. Acho que a sociedade está mudando nesse sentido, mas sei que a minha realidade não é a da maioria das mulheres que acabam com o casamento. Normalmente, o pai sai, dá uma pensão ruim e ainda acha que está fazendo um favor”, conta.
Na matéria da semana, vamos falar mais sobre a importância do papel do pai na vida de uma criança.
Paternidade ativa
Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre janeiro de 2016 e julho de 2024, mais de 1,2 milhão de crianças foram registradas apenas com o nome da mãe no Brasil. Ainda de acordo com o órgão, cerca de 5% a 6% dos nascimentos nos últimos anos apresentam ausência paterna na certidão de nascimento, o que aponta para um quadro preocupante de abandono afetivo institucionalizado. Já o Painel da Transparência do Registro Civil, com dados de mais de 7.600 cartórios em todo o país, também revela que cerca de 800 mil crianças foram registradas sem o nome do pai entre agosto de 2019 e agosto de 2024. Isso representa aproximadamente 6% dos nascimentos no período. Esses dados dão a exata noção de um problema silencioso, mas grave: o abandono afetivo paterno e suas consequências na infância e na vida adulta.
A presença de um pai atento, afetuoso e disponível impacta diretamente o desenvolvimento emocional de uma criança. “Ser pai vai muito além da função de provedor. É sobre vínculo, presença no dia a dia, afeto, escuta e disponibilidade emocional”, explica a educadora parental Priscilla Montes, especialista em infância e adolescência.
Mas ser presente de forma genuína não é apenas ter contato físico, é preciso estar ali também emocionalmente; e isso inclui brincar, acolher sentimentos, participar das decisões cotidianas da criança e cultivar um vínculo baseado em escuta e carinho. “Paternidade não se resume ao DNA. Todo pai pode aprender a construir vínculo. É na rotina que se educa com amor: no banho, no colo, na hora da birra, na escuta das pequenas histórias do dia. Isso é parentalidade ativa”, afirma a educadora.
Já quando o pai está somente fisicamente, sem entrega, pode causar impactos profundos no desenvolvimento emocional da criança, com consequências como insegurança, dificuldade de estabelecer relações, baixa autoestima e ansiedade. “O abandono emocional, infelizmente, é silencioso, mas deixa marcas que muitas vezes acompanham a criança até a vida adulta”, reforça a educadora.
Paternidade atípica
Assim como o diagnóstico precoce é fundamental para o desenvolvimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o suporte adequado da família também é. E os pais têm um papel importantíssimo.
Para o professor e especialista em inclusão Nilson Sampaio, o envolvimento real do pai impacta diretamente o desenvolvimento das crianças autistas. “Muito mais do que ‘ajudar’ a parceira ou o parceiro, as crianças carecem de pais que desempenhem ativamente o seu papel. Pais que assumem responsabilidades nas atividades diárias, que priorizam o bem-estar físico e psicológico de seus filhos e que os orientam em sua trajetória de formação”, destaca.
O envolvimento paterno diário, seja com uma criança neurodivergente ou não, pode melhorar a dinâmica familiar como um todo. Afinal, um pai presente contribui para o equilíbrio da rotina, reduz a sobrecarga emocional da mãe ou dos demais cuidadores e transmite para a criança a segurança de que ela pode contar com múltiplos apoios ao seu redor. Isso favorece a autonomia, a autoestima e a inclusão social. “Quando falamos de crianças com desenvolvimento atípico, é importante lembrar que o estresse vivido pelas famílias costuma ser elevado, seja pelas demandas terapêuticas, pela pressão social ou pelas dificuldades socioeconômicas. Ter ao lado um pai participativo, que divide decisões, leva a consultas, conversa com professores e está atento às necessidades do filho, torna-se um verdadeiro fator de proteção emocional”, explica o especialista. Segundo ele, compartilhar responsabilidades não apenas alivia o peso da rotina, como fortalece o vínculo familiar e amplia a rede de segurança da criança.
A literatura especializada e a prática clínica mostram que um pai presente traz ganhos concretos para a vida da criança, como ampliação do repertório comportamental e de comunicação; maior flexibilidade mental, facilitando a adaptação a diferentes situações; desenvolvimento da tolerância e da autorregulação emocional; aprendizado de múltiplas formas de se comportar e se expressar; e compreensão de diferentes modos de ser, o que facilita o relacionamento interpessoal.
Sampaio orienta que os pais busquem formar uma rede de apoio, envolvendo escolas, terapeutas, familiares e amigos confiáveis. “É fundamental não se isolar e nem fugir da situação. A criança precisa de estabilidade emocional, e o pai pode ser uma âncora nisso. Participar ativamente desde o início, mesmo com dúvidas, já faz uma grande diferença. A maior ferramenta que um pai pode oferecer, além de cuidados práticos, é o vínculo afetivo sustentado pela escuta e pelo respeito às singularidades do filho”, avalia. Por outro lado, a ausência paterna pode ter impactos negativos significativos. “Quando o pai se mantém distante, quem perde não é só a criança — é a família inteira. Falta afeto, falta apoio, e falta referência para a formação de vínculos saudáveis”, alerta.
A presença da figura e influência paternas na formação de uma pessoa é indiscutível e, quando ativa e atenciosa, complementa o papel da mãe e enriquece a trajetória de crescimento e desenvolvimento da criança, especialmente daquelas que estão no espectro. Não se trata de “ajudar” — trata-se de exercer a paternidade como ela deve ser: afetuosa, comprometida e presente. “É nesse paternar participativo, presente e responsável que acreditamos. Quando o pai está realmente envolvido — nas terapias, na rotina, no brincar e nas decisões — ele se torna um agente ativo de inclusão e desenvolvimento”, completa o professor.