Você já reparou como sua letra se modificou ao longo dos últimos anos? Ao escrever qualquer texto, habitualmente começamos com a escrita “que conhecemos” e no final há um emaranhado de letras com tamanhos e traços diferentes. Isso acontece, em boa parte dos casos, porque desde a chegada da tecnologia em nossas vidas, passamos a colocar nossas ideias e nos comunicar muito mais por teclas do que por meio de uma caneta. Mas se para adultos, que cresceram escrevendo em papéis, já há uma transformação na hora de escrever, imagine para as novas gerações, as quais fazem quase tudo com o uso da tecnologia?
Embora seja um hábito cada vez mais incomum, escrever à mão continua sendo importante, especialmente no desenvolvimento infantil – estudos mostram, inclusive, que essa prática vai além do simples registro de ideias, ela ativa diversas áreas do cérebro e contribui diretamente para a aprendizagem. Uma pesquisa da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, publicada na revista Frontiers in Psychology1, por exemplo, revela que esse tipo de escrita estimula o cérebro de maneira única, gerando um padrão de ativação neural mais amplo e profundo do que a digitação. Essa estimulação favorece a memorização, o raciocínio, a atenção e a construção do conhecimento de longo prazo. “Quando a criança escreve à mão, ela precisa planejar o movimento, pensar na forma da letra, organizar o que vai escrever. Tudo isso exige atenção e coordenação, o que favorece o seu desenvolvimento”, explica Mariana Bruno Chaves, pós-graduada em psicopedagogia e especialista em educação na rede Kumon.
Maria Eduarda Schwab, que é mãe da Virgínia, de cinco anos, conta que desde que a menina iniciou o processo de alfabetização, ela investe em brincadeiras relacionadas à escrita. Ela, que é jornalista, faz questão de oferecer atividades que favoreçam esse desenvolvimento, pois sabe da importância dessa etapa. “Nós adoramos escrever cartas juntas para amigas, para a avó, para os primos, por exemplo. É um momento divertido e afetivo que mantém a escrita manual presente no nosso dia a dia. Também brincamos de ‘ditado’ e de adivinhar com que letra começa cada palavra: eu digo uma palavra e ela precisa dizer a letra inicia. Essa última costuma ser nossa aliada no carro, quando o tédio de algum deslocamento mais longo aparece”, diz, e complementa: “Isso não significa que a tecnologia não faça parte da vida da minha filha. Porém, o uso em casa acontece por meio de combinados, ou seja, regras claras: o tempo no celular, assistindo a vídeos, é curto e depende de ela realizar outras atividades ao longo do dia, incluindo a tarefa de casa. E tem dado certo”.
Já Giovana Del Prette, mãe de Bento, de 8 anos, comenta que, embora a escola do menino faça bastante uso de recursos tecnológicos, quando estão em casa, a escrita manual ainda aparece nas listas, nos bilhetes, nos lembretes colados na geladeira. “O que mais me encanta é quando ela surge espontaneamente no brincar. Outro dia, por exemplo, meu filho e os amigos criaram um “Escape Room” no quarto. Escreveram à mão pistas e charadas para que eu, a cobaia da vez, conseguisse escapar do cômodo. A cada papelzinho escondido, eu via mais do que brincadeira: via intenção, criatividade, narrativa. Era a escrita sendo vivida como parte da imaginação, e isso, pra mim, é precioso”, lembra.
E para falar mais sobre o assunto, na coluna desta semana, vamos falar com especialistas, que vão pontuar o porquê da escrita da mão ser tão importante para o desenvolvimento cerebral das crianças.
A formação cerebral
Não há dúvidas: a Geração Alpha (assim como a Z) escreve pouquíssimo à mão, especialmente quando falamos sobre textos mais complexos. Essa tendência, como já sabemos, está diretamente associada ao uso intenso de tecnologias. Mas como isso afeta, de fato, o desenvolvimento das crianças e adolescentes?
A perda da prática de escrever à mão pode prejudicar a consolidação da memória, a atenção sustentada e a retenção de informações novas, especialmente em crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento cortical – estudos mostram que escrever à mão melhora a codificação semântica e fortalece a memória de longo prazo; em crianças, ativa o hipocampo e melhora a aquisição da linguagem escrita e falada; e em adolescentes e adultos jovens, está relacionada a maior profundidade de processamento cognitivo e melhor desempenho em tarefas de compreensão. A neuropediatra Fernanda Moro explica que a escrita manual ativa uma rede cerebral mais ampla e integrada do que a digitação. “Durante o ato de escrever com lápis ou caneta, áreas como o córtex pré-frontal dorsolateral, giro fusiforme, córtex motor primário, cerebelo e especialmente o giro supramarginal (envolvido na integração sensório-motora) são significativamente ativadas”.
Moro esclarece, ainda, que a ausência da escrita manual pode levar a déficits em coordenação motora fina; dificuldades em processamento fonológico e associação grafema-fonema, fundamentais para alfabetização; redução da neuroplasticidade cortical em áreas associadas à linguagem e planejamento motor; e menor engajamento cognitivo em tarefas acadêmicas e prejuízo na autorregulação emocional, que também é beneficiada pela escrita reflexiva. “O período crítico para o desenvolvimento da coordenação motora fina ocorre entre os 3 e 7 anos de idade, quando há intensa mielinização dos tratos corticoespinhais e rápido desenvolvimento do córtex motor e pré-motor. Durante essa janela, atividades que envolvem o uso preciso das mãos, como desenhar, pintar e escrever, são fundamentais para estabelecer conexões neurais duradouras. Privar a criança desse estímulo nessa fase pode acarretar prejuízos que demandam maior esforço para serem corrigidos futuramente. Além disso, há evidências de que escrever à mão promove um “efeito ancoragem” que reforça o aprendizado simbólico e matemático, além de favorecer habilidades metacognitivas e organizacionais”, avalia.
Mas, atenção: isso não quer dizer que a tecnologias devam ser banidas da vida desse público. “Estudos com ressonância funcional (fMRI) demonstram que a escrita manual envolve mais intensamente a memória motora e os circuitos de aprendizado visuo-espacial e linguístico. Por outro lado, a digitação tende a ativar mais o córtex motor secundário e áreas relacionadas ao reconhecimento de padrões de teclas, com menor engajamento do circuito visuo-motor fino e menor codificação simbólica”, pontua Fernanda. Já sobre o uso da controversa IA, a médica acredita que represente uma faca de dois gumes. “Por um lado, se mal utilizada, tende a favorecer a passividade cognitiva, a diminuição do esforço mental e a delegação de tarefas fundamentais para o cérebro em desenvolvimento, como escrita, síntese e raciocínio lógico. Isso pode comprometer funções executivas, como planejamento, memória de trabalho e autocontrole. Por outro lado, se usada de forma inteligente e moderada, pode ser uma aliada na individualização do ensino, na estimulação adaptativa e na acessibilidade. A chave está na mediação: a IA deve complementar, e não substituir, a prática ativa de habilidades cognitivas e motoras”, pondera.
E, afinal, seria possível ‘reensinar’ o cérebro a escrever depois de perder esse hábito? Sim, já que o cérebro possui plasticidade neuronal – inclusive em adultos, um exemplo clássico é o de que a mielinização ocorre até os 25 anos de idade, e após esse período existem evidências de continuidade da plasticidade, ainda que dificultada. “Estudos de neuroimagem mostram que a prática regular da escrita manual, mesmo após anos de inatividade, pode reativar áreas como o giro pré-central e o córtex parietal posterior. Com treino estruturado, é possível recuperar a fluência motora e os benefícios cognitivos associados”, pontua a neuropediatra. “Contudo, quanto maior o tempo de desuso, mais exigente será o processo de reaprendizagem. Técnicas como caligrafia terapêutica, uso de cadernos visuo-motores e treinamento de coordenação olho-mão são eficazes nesse contexto”, complementa.
A escrita na Educação
Normalmente, a gente aprende a escrever na escola. Quem aqui não lembra da “tia” ensinando com aqueles bloquinhos de caligrafia como formar letras, palavras e frases? Mas, embora essa “tarefa” continue a fazer parte das atribuições das instituições de ensino, o uso das tecnologias mudou muito essa rotina.
Segundo a psicopedagoga Maria Christina Küster Leal, do Consultório de Psicologia Clínica e Psicopedagogia de Curitiba, atualmente, o aluno escreve menos e apresenta maior dificuldade na aprendizagem devido as mudanças que vem ocorrendo com a inserção da tecnologia na vida cotidiana das famílias, bem como a dificuldade das escolas de ensino fundamental ao receberem crianças, que mesmo tendo frequentado a educação infantil, muitas vezes ainda não apresentam o desenvolvimento visomotor que se adequa a escrita manual, o que, possivelmente, interferirá em seu processo de aprendizagem. “Acredito que a escrita à mão é imprescindível. Inclusive, pesquisas da neurociência revelam que a escrita manual ativa ondas cerebrais associadas à aprendizagem, enquanto a digitação não provoca o mesmo efeito. Escrever manualmente ativa mais áreas do cérebro do que digitar, estimulando conexões entre regiões ligadas à memória, linguagem e coordenação motora, melhora a retenção de informações e atua no desenvolvimento cognitivo e motor”, explica.
E Juliana Monteiro, que é pedagoga e professora de ensino médio da Camino School, faz uma reflexão, lembrando de sua própria experiência de alfabetização. “Naquela época, o ensino era fortemente pautado pela repetição e pela memorização. Lembro-me de escrever páginas inteiras com a letra “a”, buscando fixar o traçado exato da letra cursiva. O resultado foi uma caligrafia bastante refinada, fruto da prática intensa e constante correção. No entanto, isso me traz um questionamento: quais outras aprendizagens deixaram de ser priorizadas para que esse tipo de habilidade fosse tão enfatizada? Que tipos de pensamento crítico deixaram de ser desenvolvidos enquanto focávamos quase exclusivamente no reforço mecânico do uso do caderno? Minha reflexão não se posiciona contra o ensino da letra cursiva nem contra o uso do caderno físico. Ambos continuam sendo recursos valiosos no processo educativo. Mas não há como ‘abandonar’ a tecnologia , ela é uma aliada importante. Ou seja, a escrita manual continua sendo uma ferramenta poderosa para estimular a concentração, a memória, a criatividade, o pensamento mais cuidadoso e até a autonomia dos alunos e não deve ser colocada de lado. Mas o ideal é que a escola ajude a formar estudantes que saibam transitar bem entre os dois mundos: o digital e o do papel”, diz.
Em relação às telas, Küster, comenta, também, que essas podem interferir diretamente nos processos cognitivos da criança, prejudicando habilidades como a atenção, a memória e a resolução de problemas, o que pode acarretar, maior dificuldade no processo de alfabetização. “A rapidez das informações e a intensidade de estimulação visual e sonora ofertada pelos dispositivos tecnológicos, pode levar a uma menor capacidade de concentração e a um processamento cognitivo mais superficial. Quando a maioria dos estímulos ocorre por intermédio das telas, há o fortalecimento de respostas impulsivas ao invés da atenção sustentada e do planejamento estratégico, o que está associado a maior dificuldade em manter a atenção concentrada em tarefas prolongadas, como a leitura e a resolução de problemas complexos”, avalia.
Para Maria Eduarda, mãe de Virginia, o que mais incomoda é que a escola já propõe atividades virtuais, em formato de jogos, enquanto ela preferiria que, nessa fase, o aprendizado fosse mais concreto, com menos tempo de tela e só experiências manuais. “Acredito que a escola deveria ser o local de valorizar e insistir mais em atividades manuais, mesmo num mundo cada vez mais digital. Essas experiências são fundamentais para o desenvolvimento motor, cognitivo e criativo das crianças, já sabemos. Além disso, proporcionam uma conexão mais concreta com o aprendizado, algo que a tecnologia, por mais avançada que seja, ainda não substitui completamente. E, sinceramente? Espero que nunca substitua”, diz. Já Giovana, mãe de Bento, lembra de um fato recente que pode ajudar nessa “volta” aos cadernos: a proibição por lei do uso de celulares em sala. “Quando a tecnologia começou a se popularizar nas escolas, a “aula de informática” era o grande orgulho institucional. Depois, vieram os tablets em sala de aula substituindo livros, e os conteúdos tornando-se 100% digitais. Hoje, vejo pais comemorando escolas que voltaram ao livro físico, à lousa, ao caderno. Esse retorno ao essencial é um respiro e tomara que continue”, diz.
Para Juliana, o equilíbrio entre o uso da tecnologia e o desenvolvimento de habilidades básicas, como a escrita à mão, pode e deve ser construído de forma intencional e integrada à rotina pedagógica. “Um exemplo prático que aplico em minhas aulas é o uso de um livro âncora a cada bimestre, que serve como base para todas as atividades de leitura, interpretação e escrita. Recentemente, com os alunos do Grade 10, trabalhamos com 1984, de George Orwell. Durante o processo, a tecnologia foi uma grande aliada: utilizamos recursos online para a leitura de trechos em voz alta, vídeos explicativos, além de plataformas interativas como Edpuzzle, Quizzis e Kahoot, que enriquecem a compreensão do texto e despertam o pensamento crítico dos alunos. Esses recursos tornam o aprendizado mais dinâmico e acessível, ajudando a construir repertório e engajamento. No entanto, ao final desse processo, quando os alunos são convidados a produzir suas análises literárias, a proposta é que o façam por escrito, à mão. O objetivo é que consigam acessar, de forma autônoma, todo o conhecimento construído ao longo do percurso, agora sem o apoio direto da tecnologia, mas mobilizando a própria reflexão e a capacidade de organizar ideias com clareza. Dessa forma, conseguimos construir um equilíbrio saudável e produtivo entre os dois mundos: usamos a tecnologia para potencializar o aprendizado, e a escrita manual para consolidar o conhecimento e desenvolver a expressão pessoal. Um não anula o outro, pelo contrário, eles se complementam”, avalia.
Direto ao ponto
A seguir, Maria Christina Küster Leal e Juliana Monteiro respondem algumas questões sobre a importância de escrita à mão.
Aventuras Maternas – Você percebe que os alunos estão escrevendo menos à mão ou com mais dificuldade?
Juliana Monteiro – Sim, é possível perceber uma redução significativa na frequência com que os alunos escrevem à mão, o que tem impactado diretamente diversas habilidades relacionadas à escrita manual. Muitos estudantes hoje estão muito mais habituados à digitação, o que se reflete em uma menor desenvoltura na escrita cursiva , alguns, inclusive, optam exclusivamente pela letra de forma (bastão). Esse distanciamento da escrita manual também afeta aspectos mais amplos do uso do caderno. Nota-se uma dificuldade em manter a organização das páginas, utilizar parágrafos adequadamente e aplicar a acentuação de forma consistente. A destreza no manuseio do caderno e o cuidado com a apresentação da escrita, que são desenvolvidos com a prática regular, acabam sendo comprometidos.
Maria Christina Küster Leal – Os alunos dos últimos anos da educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental (1º e 2º anos) são inseridos ao letramento por meio do alfabeto em letras maiúsculas, letra bastão, ou seja, aprendem apenas um tipo de traçado. A aprendizagem das letras minúsculas e cursivas, de acordo orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), devem ser ensinadas entre o final do 1º ano e início do 2º ano, entretanto, o que vemos são crianças que apresentam dificuldade na coordenação motora fina, o que afeta o traçado, atravessarem o ensino fundamental com essa dificuldade. A escrita sucinta em respostas ou mesmo na produção textual pode estar associada a aspectos cognitivos e emocionais, como medo de errar, baixa autoestima e dificuldade de planejamento e organização de ideias. A facilidade de acesso e influência tecnológica também pode estar interferindo neste sentido. Considero que a aprendizagem seria mais efetiva se fosse apresentado aos alunos os diversos tipos de letras (bastão, impressa e cursiva) concomitantemente. As atividades que propiciam o desenvolvimento visomotor deveriam continuar a ser trabalhadas com os alunos, mesmo após estarem alfabetizados.
Aventuras Maternas – Quais práticas pedagógicas você recomenda para manter viva essa habilidade sem desestimular o uso da tecnologia?
Maria Christina Küster Leal – As práticas pedagógicas devem estimular a rotina de escrita manual, reservando momentos fixos na semana para práticas de caligrafia, escrita cursiva e produção textual no papel, conforme o nível de aprendizado. As aulas de Artes e Educação Física podem ajudar no desenvolvimento visomotor estimulando atividades de: desenho e pintura, recorte e colagem, ligação de pontos, como atividades que exigem seguir sequências visuais com lápis, labirintos e traçados, colorir dentro dos limites, bem como jogos e brincadeiras visomotoras: quebra-cabeças, que desenvolvem percepção visual, coordenação olho/mão e raciocínio, jogos de memória com imagens, que estimulam atenção visual e associação, boliche, arremesso ao alvo e ping-pong que trabalham coordenação olho/mão com movimento corporal, circuitos psicomotores com obstáculos, bolas e tarefas que exigem atenção visual e ação motora. Para fases posteriores (pós-alfabetização) é importante manter a rotina da atividade de caligrafia e escrita cursiva, pois refinam a coordenação motora fina. O desenho técnico ou artístico desenvolve a precisão visual e controle motor. Jogos digitais com controle manual, é importante que sejam jogos educativos que auxiliem na coordenação visomotora e, sejam analisados como apropriados para a faixa etária e o nível de escolaridade (sendo que esta atividade deve entrar na conta das horas diárias de tela). Atividades com régua, compasso e esquadros. Projetos interdisciplinares onde se possa integrar tecnologia e escrita à mão, como jornais escolares, blogs manuscritos e digitalizados, mapas mentais. A utilização da tecnologia na escola deve ter sempre um propósito, como apps e plataformas que estimulem a escrita criativa, leitura e organização de ideias, nunca como consumo passivo.
Juliana Monteiro – Algumas práticas pedagógicas criativas e eficazes ajudam a manter viva a escrita manual, sem cair na tentação de demonizar a tecnologia. Uma delas é fazer um diário de bordo analógico com reflexão digital, onde os alunos podem manter um diário de bordo à mão, onde escrevem reflexões rápidas após cada aula ou leitura. Depois podem utilizar essas anotações para desenvolverem um post, blog, fórum online ou vídeo. Isso cria um ciclo: pensar com a caneta, desenvolver com a tecnologia. Outra é a escrita criativa com recursos mistos. O professor pode apresentar uma imagem, trilha sonora ou vídeo curto (via tecnologia), e pedir aos alunos que escrevam à mão uma narrativa inspirada nesse estímulo. No fim, eles podem digitar, editar e até gravar a leitura do próprio texto. Assim, a mão escreve e a tela amplia. Outra prática interessante é fazer mapas mentais no papel, ou seja, antes de produzir um texto mais elaborado, é bacana incentivar o uso de mapas mentais feitos à mão, com cores, desenhos e setas criativas. A ideia é que o pensamento “se espalhe” livremente no papel antes de ser organizado digitalmente. Isso ajuda na estruturação de ideias de forma visual e tátil. Já nas oficinas de caligrafia com propósito, a ideia é transformar a caligrafia em uma experiência autoral, como escrever cartas para os personagens literários sendo trabalhados, cartas para os autores das obras, convites ilustrados para eventos fictícios, análises literários, comparações e contrastes. A escrita manual ganha vida quando tem um porquê criativo. Por fim, a dramatização escrita. Após assistir a um vídeo ou ler um texto, os alunos redigem, à mão, roteiros curtos de cenas alternativas, diálogos ou monólogos dos personagens. Depois, eles gravam com o celular ou encenam para a turma. A escrita manual é o ponto de partida da criação multimodal. Esses são alguns exemplos de práticas que não colocam a escrita manual e a tecnologia em lados opostos, construindo pontes entre os dois. O segredo está em dar função e intenção à escrita à mão, tornando-a algo vivo, expressivo e relevante dentro do universo digital dos alunos.
Aventuras Maternas – Quais impactos você espera para a Geração Alfa, que está crescendo cercada por IA e comandos de voz?
Maria Christina Küster Leal – A interação com a tecnologia já está estabelecida e contribui efetivamente no desenvolvimento da sociedade. A IA vem apresentando crescimento acelerado e otimizando diversos setores, tanto públicos como privados. Na educação básica, poderá ser útil na individualização do ensino, propondo aspectos educacionais mais específicos aos alunos de inclusão; poderá ser apoio ao professor por meio de ferramentas que o auxiliarão no planejamento das aulas, na execução e correção de provas, bem como na análise das dificuldades específicas que os alunos podem estar apresentando; o professor poderá acompanhar o desempenho dos alunos, o que possibilitará intervenção mais efetiva, se necessário. Crianças da geração Alpha, nasceram e cresceram com a tecnologia e estão sendo introduzidas a IA de forma natural, utilizam brinquedos e aparelhos interativos, jovens educandos já estão utilizando-a para resolver tarefas escolares, estudo de idiomas, apoio a pesquisas e redações. Buscam informações diversificadas como saúde, mercado de trabalho, jogos e assuntos de interesse. O maior desafio será a educação operacionalizar o uso desta ferramenta tecnológica e o desenvolvimento humano, nas crianças as capacidades cognitivas que envolvem leitura, escrita manual, memória, raciocínio logico, bem como na adolescência, o raciocínio hipotético dedutivo, abstração, raciocínio inferencial entre outras. Importante ressaltar que o uso passivo de qualquer ferramenta tecnológica pode ser prejudicial ao desdesenvolvimento.
Juliana Monteiro – O que mais me preocupa em relação à Geração Alfa é a possibilidade de um desequilíbrio no uso da tecnologia, especialmente da inteligência artificial. Essas crianças e adolescentes estão crescendo cercados por comandos de voz, assistentes virtuais e respostas instantâneas. Se não houver uma mediação cuidadosa, corremos o risco de criar uma geração que delega o pensamento à máquina e deixa de desenvolver habilidades essenciais como o pensamento crítico, a argumentação e a autonomia intelectual. Crianças e adolescentes são seres em formação e é justamente nesse período que elas mais precisam ser desafiadas a pensar por si mesmas, a questionar, a errar e tentar de novo. Se a IA faz tudo por elas, esse processo se enfraquece. Por isso, acredito que o segredo está no equilíbrio: a inteligência artificial deve ser usada como uma aliada, não como substituta. Ela pode enriquecer o processo de aprendizagem, oferecer recursos incríveis e até personalizar caminhos, mas sempre com a intencionalidade do educador por trás. Nosso papel como escola é garantir que a tecnologia sirva como ponte para o pensamento, e não como atalho que pula etapas importantes do desenvolvimento cognitivo e humano.
BOX: Além dos benefícios cognitivos, a escrita também contribui para o fortalecimento da coordenação motora fina, essencial não só para a vida escolar, mas também para atividades do dia a dia da criança, como abotoar uma camisa, recortar com tesoura ou escovar os dentes com precisão.
A seguir, Mariana Bruno Chaves, do Kumon, destaca algumas atitudes simples que os pais podem adotar para manter esse hábito presente na rotina das crianças:
– Incentivar o uso de cadernos e blocos de notas, em vez de apenas digitar;
– Estimular a escrita criativa com histórias, bilhetes ou diários;
– Propor listas de compras, cartinhas ou anotações feitas à mão;
– Reservar momentos no dia a dia para atividades manuais que envolvam o traçado das letras.