Quando viramos mães, somos inundadas por sentimentos nunca antes vividos. O grau de felicidade, amor e realização, geralmente, são inéditos em nossas vidas. Mas como nem tudo é perfeito pra ninguém – inclusive na maternidade -, existem momentos em que gostaríamos de mudar algumas situações em nossa rotina, não é mesmo?
E querer mudar alguns aspectos da nossa vida não é pecado, e nem deve vir carregado de culpa. Algumas mães, infelizmente, acreditam que seja um sacrilégio reclamar de algo relacionado ao dia a dia com os filhos, mas não é. Afinal, somos, antes de mães, humanas, com hormônios, gostos pessoais, estresses e mais um emaranhado de emoções que, muitas vezes, não temos controle. No entanto, de forma geral, essas reclamações não são exatamente por causa dos filhos, mas por uma nova realidade que aparece com a chegada deles.
Por isso, na coluna dessa semana, e em homenagem ao nosso dia, vamos falar sobre como o nosso maternar pode se tornar mais leve em relação a alguns temas que, vira e mexe, aparecem em nossa rotina: comparação com outras mães, mercado de trabalho, rede de apoio, amamentação e autocuidado.
COMPARAÇÕES TÓXICAS
Para a maioria de nós, a chegada de um filho significa uma mudança drástica no que antes conhecíamos como rotina. Os horários ficam loucos, não estamos mais em primeiro lugar para nós mesmas e tudo tem um peso muito maior – para o bem e para o mal. Com o passar do tempo, porém, algumas situações voltam a ser como antes. Mas e quando não voltam? Invariavelmente, a resposta é a mesma: porque todo mundo consegue, menos eu?
Se comparar com outras mães e questionar o tempo de cada uma é sempre sinal de problema. Afinal, como o próprio ditado diz, “a grama do vizinho sempre será mais verde”, ou seja, a realidade do outro tende a nos fazer pensar que nós estamos fracassando. Mas estamos mesmo?
Estela Nunes, mãe de Clara, de 10 anos, e Gabriel, de 7, conta que o maior erro que uma mãe pode cometer é se comparar a mães que considera “perfeitas”. Para ela, o ideal de perfeição serve somente ao sistema patriarcal que, nos quer sempre submissas e culpadas. “Em vez e nos comparar, devemos nos unir às outras mães para dividir as dores e delícias desse caminho intenso que é a maternidade”, diz ela, lembrando que a experiência mais se assemelha a uma montanha russa.
“Devemos criar redes de apoio entre nós e sermos sinceras, sempre. Porque não é fácil. A maternidade pode ser linda, mas também pode ser dolorida e extremamente solitária”, lembra. Na visão de Estela, a pressão da sociedade para que a mãe seja perfeita é enlouquecedora. Inclusive, tentar trazer mais leveza pro seu dia a dia com as crianças é algo que ela se propõe desde que a primogênita nasceu, há 10 anos.
“E essa leveza vem justamente pra se contrapor a toda essa pressão. Vem como forma de resistência. Vem pra fazer diferente da geração da minha mãe e da minha avó. Quero que meus filhos saibam que não sou perfeita, que erro, que choro, que também estou aprendendo com eles, assim como eles aprendem comigo. Que não existe fórmula mágica pra maternidade perfeita. Aliás, buscar a perfeição em qualquer âmbito da vida é se frustrar. Então, que sejamos mães leves, imperfeitas e felizes”, complementa.
A jornalista Priscilla Silvestre, que é especialista em Psicologia Social, explica como a positividade tóxica de perfis de “mães perfeitas” pode ser um problema não apenas para elas, mas para todas as mulheres. E uma dica para filtrar essa positividade é o autoconhecimento. Afinal, saber separar a vida real daquilo que é mostrado como imaculado em todos os posts, com frases otimistas e estimulantes, é a grande sacada para manter a saúde mental em dia.
“Quem consome esse tipo de conteúdo precisa ter a consciência da maternidade real. Assim como assistimos novelas e sabemos que muito do que acontece ali é interpretação, mas ainda assim nos sentimos bem em consumir aquele produto de entretenimento, essa é a mesma linha que as mulheres devem seguir ao visitar um perfil de uma “mãe perfeita”. Saber abstrair só o que é válido e discernir sobre aquilo que é visivelmente irreal, já que toda mãe passa pelas dores e amores da maternidade, é uma excelente maneira de filtrar essa positividade tóxica”, orienta.
PROTEJA-SE
Mas há uma forma de se blindar da positividade tóxica das redes. Anote aí:
- Primeiro: é importante estarmos atentas às mensagens que invalidam nossos sentimentos, evitando levá-las a sério ou reproduzi-las. “Mensagens vazias que sobrevalorizam a positividade, como “escolha ser feliz”, invalidam outras emoções genuínas”, ressalta Patrícia.
- Segundo: podemos evitar discutir nossos sentimentos com mães que nos pressionam para sermos otimistas sempre, ou que invalidam nossos sentimentos desconfortáveis.
- Terceiro: fique atento à mídia social. Muitas pessoas, muitas mães promovem a positividade tóxica publicando o que parece ser uma vida perfeita. Escolha seguir pessoas autênticas ou, então, engaje-se menos com as redes.
- Quarto: dedique-se ao desenvolvimento da autocompaixão. Quando entendemos o que precisamos para nos sentir apoiadas durante o sofrimento, fica mais fácil reconhecer quando as pessoas fazem o contrário. “E lembre-se de reconhecer, normalizar e acolher as emoções das outras mães, mesmo que elas não façam sentido para você. Quando censuramos as emoções das outras pessoas incentivamos a falsidade e as amizades superficiais”, pontua Adriana Drulla, mestre em Psicologia Positiva.
A VOLTA AO MERCADO
Depois que passa o período da licença-maternidade (ou um período mais extenso que algumas mulheres conseguem tirar para ficar com os filhos), a volta para o emprego é um dos momentos mais tensos. Afinal, além da distância daquele bebezinho lindo que a gente não consegue ficar longe, ainda tem a rotina, na maioria das vezes estressante, do trabalho.
No entanto, embora esse retorno seja sempre bastante difícil, é preciso, sim, dizer que existem empresas se movimentado, de fato, para dar apoio às mães. Na L´oreal Brasil, por exemplo, além dos seis meses de licença-maternidade (o obrigatório, por lei, são quatro, mas algumas empresas têm aderido a um tempo maior), existe a preocupação em acompanhar as mulheres durante a gravidez com assistente social e palestras sobre o tema, dando todo o apoio necessário nesse período.
A volta depois do nascimento também é super acolhedora, dando o tempo que a mãe precisa para se readaptar à rotina. “É natural que as mulheres, ao saírem durante a licença, tenham medo de perder suas vagas, mas aqui cuidamos para manter tudo como antes ou, se necessário, fazer a realocação para outro lugar. Eu, por exemplo, fui promovida durante a minha licença-maternidade, algo que poucos imaginam que possa ocorrer”, conta Renata Dourado, psicóloga e Diretora de RH da L´oreal Brasil.
Ela pontua, ainda, que é preciso que os gestores entendam que as mulheres que se tornam mães acabam tendo uma jornada dupla, pois precisam conciliar duas vidas, a pessoal e a profissional, e isso definitivamente não é fácil. “O volume de trabalho de ambos é árduo. E não apenas para as mães solo, que literalmente precisam dar conta de tudo sozinhas. Mas até mesmo as casadas sentem esse peso, que vem em grande parte de uma sociedade patriarcal, que coloca a mãe como responsável única no papel de cuidar dos filhos. E, no nosso caso, por entender que essa rotina é demasiadamente pesada, temos ampliado os benefícios para as mães, inclusive incentivando o trabalho híbrido (que também é estendido a todos os colaboradores da empresa, não apenas às mães), para que essas mulheres, se for o melhor para elas, possam dividir melhor o seu tempo”, complementa.
Daniela Diniz, Diretora de Conteúdo e Relações Institucionais da Great Place to Work Brasil, conta que as queixas mais comuns que recebe de mães estão atreladas a uma gestão pautada ainda no comando e controle, em que os líderes exigem presença física e “fiscalizam” o trabalho, reconhecendo funcionários apenas como empregados, e não pessoas. “Precisamos de líderes mais humanizados que conheçam verdadeiramente seus times. Saber, por exemplo, se a mulher é casada, solteira, se tem filhos ou funciona esse ambiente doméstico, é fundamental para criar uma relação de confiança e permitir que mulheres se sintam mais à vontade, livres e, principalmente, engajadas com o trabalho”, avalia.
Sim, sabemos que o mundo do trabalho mudou e que muitas empresas têm acompanhado as novas demandas e expectativas dos trabalhadores, mas ainda falta muito para que tenhamos 100% de empresas e, principalmente, de líderes que realmente se importem como o ser humano atrás do crachá. “Para isso, é importante deixar as colaboradoras trazerem sua total personalidade ao trabalho, pois não existe mais essa de ser mãe apenas da porta para fora da empresa. A mulher que tem espaço para cuidar e abraçar sua vida doméstica e familiar, quando está trabalhando é muito mais engajada, feliz e produtiva”, ressalta.
E pode ter certeza que ela também vai levar o trabalho para casa. Portanto, é importante aceitar, e até estimular, que se leve a casa para o trabalho também. Temos vários exemplos de empresas que buscam trazer a família do colaborador para conhecer e viver o ambiente da empresa (e mesmo em tempos remotos, essas empresas buscaram se conectar com a família).
“É fundamental também que os líderes estejam próximos e ouçam. Há mulheres que voltaram da licença-maternidade e podem estar mais fragilizadas, por exemplo, precisando de um tempo e de uma flexibilidade maior. Há outras que não vêm a hora de voltar a viajar a trabalho ou pegar novos desafios, ainda que precise de mais horas de dedicação. Não se pode colocar todas numa caixinha e padronizar: é mulher, é assim; é mãe, é assado e, a partir daí, tirar conclusões precipitadas, ou, pior, criar práticas pasteurizadas para todas de forma igual. É preciso estar próximo, se conectar e entender o momento de cada uma”, esclarece Daniela.
ALÔ, EMPRESAS!
Essa necessidade de uma rotina profissional mais adequada às necessidades das mães acabou, inclusive, dando ideia para um projeto que mistura coworking, maternidade e rede de apoio, o Materlap Coworking Familiar. O local surgiu da necessidade de ter um espaço familiar confiável, onde fosse possível reunir crianças em livre brincar e a rotina de escritório. E quem pensou nisso foram duas mães, a pedagoga Isabella Moreira e a educadora parental Marina Zirpoli, que estavam com dificuldades em conciliar a carreira profissional e os cuidados com os filhos.
“Esperamos atender o maior número possível de mães, conectando famílias e negócios. Tudo isso com os filhos ao lado! Queremos ser um local voltado para rede de apoio, cuidado e bem-estar”, explica Isabella. O espaço conta com salas compartilhadas, salas de atendimento individualizado (consultório) e estações de trabalho individual. O empreendimento conta, ainda, com um café, uma loja de produtos materno-infantis feitos por mães autônomas e artesãs, além de um espaço para pequenas confraternizações, aniversários ou eventos corporativos e sala para vivências diversas.
Outra iniciativa do local para apoiar as mães é a contratação de profissionais mulheres que moram na região e que são mães. “Aqui, além de um trabalho que entende as suas necessidades, essas mulheres também vão poder trazer os filhos quando precisarem”, esclarece Isabella. Marina comenta, ainda, sobre uma situação muito comum que acontece junto com a chegada da maternidade: “as mulheres não precisam parar suas carreiras porque se tornaram mães. É uma longa jornada desconstruir essa prática que vemos tão comumente por aí. O que precisa ser feito é justamente prover meios e formas para, quando for escolha ou necessidade da mulher mãe permanecer no mercado de trabalho após o nascimento de um filho, apoiar a sua decisão”.
DE OLHO NOS DIREITOS
Mas uma informação importante: mulheres que se tornam mãe têm alguns direitos garantidos por lei. Sabrina Donatti, advogada e criadora do Mamãe em Construção, que trata de temas que conciliam maternidade e direito (Direito da Família, Direito das Mulheres e Direito do Consumidor), explica que essa mãe tem direito à estabilidade no emprego durante a gravidez e até o 5º mês após a gestação, só podendo ser demitida por justa causa.
“Tem direito a licença-maternidade, com um padrão de 120 dias, mas se a empresa empregadora participar do Programa Empresa Cidadã, chega a 180 dias a licença; o direito de não comparecer ao trabalho quando há consulta do pré-natal e permissão para amamentar o bebê com intervalos diários de 30 minutos ou sempre que possível. Também há o direito a Auxílio Creche a todos os trabalhadores urbanos e rurais que possuem registro em carteira e trabalhem em empresas que possuam 30 colaboradores com mais de 16 anos, devidamente registrados. A empresa não oferecendo um espaço para que as crianças fiquem, é dever pagar o auxílio, a partir do que está descrito na CLT”, afirma.
Quanto às mães solo e/ou periféricas especificamente, a advogada Rachel Serodio pontua que toda a garantia de direito ainda é pouca, não apenas no que se refere ao SUS, mas também quanto às creches de filhos com horário estendido para que a mulher trabalhadora possa deixar seu filho com tranquilidade. “Sim, existem projetos, mas poucos estão efetivados. O PL 3717/2021,aprovado pelo Senado no dia 08 de março deste ano, afirma que mães solos podem passar a ter prioridade de atendimento em políticas sociais e econômicas, como pagamento em dobro de benefícios, prioridade em creches, cotas mínimas de contratação em empresas e acesso a crédito”, explica.
Ela determina, ainda, atendimento prioritário para essas mães em políticas públicas de intermediação de mão de obra e de qualificação profissional, bem como prioridade aos filhos de mãe solo na distribuição de vagas nas escolas públicas de educação infantil (creche e pré-escola), seja sobre o conjunto de vagas existentes ou sobre as vagas mais próximas da residência. “O projeto, porém, seguiu para a Câmara dos Deputados e não há previsão de ser votado”, explica.
E complementa: “as mães solo em situação de vulnerabilidade precisam com urgência deixarem de ser vistas como produtoras de mão de obra para o sistema e se tornarem sujeitas de direitos com o apoio do poder público, ainda mais nestes tempos de pandemia, quando o fechamento das escolas e creches tornou o dia a dia dessas mães insustentável, sendo certo que muitos dos empregos ocupados por essas mulheres não permitiram o trabalho a distância, o que retirou de muitas a possibilidade de sustento, tornando-as vulneráveis e dependentes”.
NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉM
Quando se fala em um maternar mais leve, uma das questões mais recorrentes entre as mães é a falta de uma rede de apoio. E não estamos falando do companheiro(a), que tem as mesmas obrigações que a mãe, mas de outras pessoas que possam apoiar essa mulher com filhos. “É preciso uma aldeia para criar uma criança” e isso é muito real.
Quem lembra esta frase é Tatiane Generali, jornalista e idealizadora do Mamãe Acolhe, que costuma citar o provérbio africano para abrir as rodas de conversa sobre redes de apoio. Para ela, precisamos de pessoas ao redor para nos auxiliar nessa caminhada. Antigamente, a sociedade era composta com mais vida em comunidade. Famílias vivendo todas juntas, com um quintal grande. Vários pais davam terreno para os filhos que construíam do lado, se tornavam vizinhos. Sempre havia uma mãe, sogra, tia, madrinha, todo mundo muito perto para ajudar a cuidar dessa criança que acabou de nascer.
“Com a sociedade moderna, cada um dentro do “seu quadrado”, em seu apartamento, essa função de criar uma criança ficou muito solitária. Hoje, a maior parte dos pais conta muito com a escola, que é a principal rede de apoio. Outros poucos têm algum familiar, geralmente os avós, por perto e conseguem uma ajuda. Então, o que vejo é que hoje essa rede está mais restrita a quem pode pagar por ela, seja uma escola em período integral ou uma cuidadora/babá. Ou seja, as pessoas que têm rede de apoio são aquelas com maior poder aquisitivo, já que a escola em período integral gratuita e creches nem sempre têm vagas, ou têm uma longa fila de espera. E, assim, muitas mães que têm menor poder aquisitivo não conseguem uma vaga para os seus filhos, e acabam não conseguindo contar com uma rede de apoio”, exemplifica.
Outro ponto importante é lembrar que a responsabilidade não deve pesar apenas em cima da mãe. O parceiro, mesmo quando não mora debaixo do mesmo teto, precisa criar junto. “Precisamos falar e repetir em exaustão porque vivemos numa sociedade machista e patriarcal. Se o pai vai levar criança na escola, vai às reuniões ou está junto no pediatra, é considerado participativo. Mas quando a gente vê uma mãe fazendo as mesmas coisas não é nada extraordinário, certo? A mesma coisa tem que ser com o pai. Isso é comum e precisa ser”, avalia.
Ela lembra ainda que não podemos ficar implorando pela participação do pai para as coisas básicas, como colocar para dormir. “Partimos do princípio que é um adulto que está dividindo a criação do seu próprio filho, e não que está fazendo um favor para a mãe. Vale a pena reforçar, principalmente porque no Dia das Mães vemos muitos que querem fazer um café da manhã ou dar “uma folga” para a mamãe, como se nós tivéssemos obrigação de preparar o café para a família, ou organizar as coisas da casa e da família. Sem falar da carga mental, que muitas vezes tem participação do pai, desde que a mãe fale o que precisa fazer, quando precisa ser feito e de que forma, porque nem autonomia para fazer eles têm.”, enfatiza Generali.
E é impossível falar sobre rede de apoio às mães sem pensar no papel da escola nesse contexto. Afinal, é lá que as crianças, muitas ainda bebês, passam boa parte do tempo do seu dia. Para Regina Crestani, diretora do Colégio João Paulo I, a escola precisa ser parceira da família e a melhor forma de construir essa relação é por meio do diálogo, pois a conversa e a troca de informações, que acontecem especialmente nas reuniões, são importantes para que a instituição de ensino possa ajudar os alunos e suas famílias, especialmente as mães, que ainda carregam boa parte da responsabilidade do cuidado com os filhos e, por vezes, ficam sobrecarregadas.
“Uma questão que tem sido muito levantada é em relação a quantidade de deveres que são passados para as crianças e adolescentes fazerem em casa. Sempre explico para os responsáveis que essas atividades escolares têm como objetivo o desenvolvimento do aluno, e não prejudicar o convívio e a rotina da família. Então, quando notamos essa sobrecarga, buscamos identificar as características de aprendizagem do estudante e propomos a readequação de metodologias de estudo”, informa.
O PAPEL DO ESTADO
Costumamos associar a rede de apoio das mães apenas à família e, no máximo, ao ambiente de trabalho. Mas o Estado também precisa, sim, participar. Agda Dias, mãe da Amora, 6 anos, que tem paralisia cerebral, comenta sobre a urgência de políticas públicas para auxiliar as mães, especialmente as que têm filhos com algum tipo de necessidade especial. “É tão profundo pensar nisso no meu caso. Já é lei a extensão da licença-maternidade em caso de prematuridade, mas nem sempre é uma realidade. E pensar na maternidade atípica, então. O auxilio oferecido pelo governo é ridículo. E dependendo do grau de necessidade da criança, a mãe atípica é obrigada a viver dedicada aos cuidados do filho e, basicamente, tem que suplicar por auxílio financeiro, de saúde, de reabilitação”, conta.
Já Michele Nascimento Melo Magalhães, mãe de Bernardo, de 9 anos, que tem Transtorno do Espectro Autista, conta que os atendimentos que o filho precisa para se desenvolver são realizados pelo município e que, se não fosse dessa forma, os custos com essas terapias seriam muito onerosos para as famílias, ainda mais porque algumas crianças possuem restrições alimentares. Ou seja, sim, a participação do Estado pode ser um divisor de águas para as mães (e famílias, consequentemente).
“Na sociedade, eu vejo que falta conscientização e políticas públicas para apoio das famílias. Como eu disse, sou privilegiada, pois na cidade de Colorado do Oeste existem atendimentos que foram implantados por projetos e pela junção das próprias mães. Mas, quando eu morava em Porto Velho, até mesmo para atendimentos particulares era tudo muito difícil. Nas escolas, falta infraestrutura e conhecimento das pessoas sobre como lidar com as crianças. Se houvesse mais apoio geral, seria muito mais fácil. E também sinto que falta acompanhamento psicológico para os pais”, pontua.
Para Flávia Albaine, Defensora Pública, criadora do projeto Juntos pela Inclusão Social (que atua principalmente com crianças e adolescentes com deficiência) e membro da Comissão dos Direitos da Mulher da AMDEPRO (Associação dos Membros da Defensoria Pública de RO), é muito importante falar sobre o assunto, pois a questão do cuidado está muito mais ligada à figura feminina do que a masculina na nossa sociedade.
“Então, de acordo com a Segunda Onda do Modelo Social de Deficiência ou os Estudos Feministas sobre Deficiência, é importante não só ouvirmos as pessoas com deficiência, mas também as mulheres cuidadoras das pessoas com deficiência. E isso fica muito centralizado na figura das mães, que acabam sendo vítimas de um capacitismo reflexivo indireto, ou seja, elas não são PCDs, mas também acabam sendo vítimas de preconceitos, até pela falta de estrutura que a sociedade concede a essas mulheres, para que tenham condições de cuidar de seus filhos e exercer as demais atividades das suas vidas, como trabalhar, por exemplo. Então, essas mulheres precisam do apoio do Estado, e aí a gente traz a possibilidade da redução de carga horária, já que esse filho precisa de terapia e tratamentos de saúde mais específicos. E é por isso que volto a frisar que elas são vítimas de capacitismo reflexivo, então, as dores e as dificuldades precisam ser ouvidas”, enfatiza.
DE BEM COM O ESPELHO
Logo que um filho chega, toda a atenção passa a ser voltada para ele. Seja por uma necessidade real ou pelo fato de não conseguirmos tirar os olhos daquele pequeno, a verdade é que nos colocamos em segundo plano no instante seguinte ao nascimento deles. Porém, com o passar do tempo, queremos ou sentimos necessidade de voltar a cuidar da gente, naturalmente.
Juliana Dantas, mãe de Isabel e Laura, de 5 e 3 anos, conta que, literalmente, largou o autocuidado durante um tempo após as duas gestações e que acompanhar perfis maternos nas redes sociais, especialmente de mulheres que falam sobre o maternar real, tornou as suas cobranças mais leves.
“Fui a última do meu grupo de amigas a ter filhos, mas acompanhei o puerpério de todas elas. Quando eu as via jogadas e sem vaidade, criticava muito, como todo mundo que não sabe a realidade de ser mãe. E só quando tive minha primeira bebê fui entender como tudo vira um caos, mesmo que a gente tenha uma rede de apoio fantástica, como a que tive”, conta.
Ela conta que realmente se deixou levar e não se cobrava. Só queria viver pra elas. Parei de me preocupar com exercícios, skincare, roupas etc, e isso foi fundamental para eu conseguir me tornar uma mãe mais madura e segura. Mas eu tive um cuidado muito grande com o que consumia nas redes. Perfis de mulheres, especialmente celebridades, que tinham acabado de parir e já estavam saradas, maquiadas e sempre impecáveis não faziam parte das minhas pesquisas diárias nas redes, até porque isso, no meu entender, não existe. E isso foi fundamental para eu não me cobrar em estar linda um dia após parir, porque mesmo que estejamos muito certas do que estamos fazendo, se não tomarmos cuidado, acabamos acreditando nesses contos de fadas que essa galera posta”, comenta.
Mas fazer as pazes com o espelho não tem exatamente a mesma conotação para todas as mulheres. Pode significar a vontade de voltar a ter a forma física de antes (e das roupas voltarem a caber), a saudade daquele cabelo com o corte dos sonhos que tinham (e que deu lugar ao coque rápido), a sensação da pele bem cuidada (que agora, no máximo, recebe um hidratante), a alegria de escolher a roupa e sapato que quer colocar (sem ter que se preocupar em achar uma peça que facilite a amamentação ou correr atrás dos nossos pimpolhos) etc. Ou seja, fazer as pazes com o espelho é voltar a gostar da gente, do que a gente vê sobre nós mesmas.
Para a mestre em Psicologia Positiva Adriana Drulla, vivemos em uma cultura que comercializa nossos corpos e reduz o nosso valor à capacidade de mantê-los lindos e jovens, e acabamos formando a nossa identidade baseadas nisso e vivendo toda a vida inseridas neste contexto. “Mas sofremos porque internalizamos ideais de juventude e beleza que são impossíveis de conquistar ou dificílimos de manter, ainda mais na sobrecarregada rotina materna. Por isso, é importante lidar com a feminilidade nesta fase sem cobranças excessivas”, ressalta.
Necessitamos de conversas que nos auxiliem a lidar com as angústias fruto dos estereótipos que já absorvemos, segundo ela. “Precisamos falar sobre como a frustração de ideais inalcançáveis tem produzido mulheres inseguras e infelizes. Precisamos motivar nossos comportamentos a partir da compaixão em vez da competição. Podemos escolher metas alinhadas com o que nos faz bem. Podemos também trocar nossos modelos. Por exemplo, escolhendo melhor as mulheres que nos inspiram. Mulheres que desafiam os estereótipos da idade, que tem coragem de mostrar que são mortais e que valorizam outros aspectos para além da aparência”, conclui.
ASSUNTO RECORRENTE
A amamentação é um tema recorrente entre as mulheres que têm ou terão filhos. Assunto delicado em rodas de bate papo sobre a maternidade, ainda é considerada por algumas mães um tabu. E para falar um pouco mais sobre isso, batemos um papo com a pediatra Camila Maria Bertáglia Luizetto de Lima, que é coordenadora do Pronto-socorro infantil do Hospital 9 de Julho.
Como você orienta a mulher que amamenta fora de casa e tem receio de ser julgada?
Oriento que a amamentação é algo que deve ser feita de uma forma natural, confortável para a mãe e para o bebê. Em geral, se não existir essa tranquilidade, é difícil amamentar em situação de estresse, onde a mãe não se sinta bem. Para as que sentem algum tipo de desconforto em relação a outras pessoas olharem, existem roupas e acessórios que podem facilitar a amamentação, mantendo a privacidade da mãe. Outro ponto para se observar é escolher um lugar mais calmo, pois muitos bebês se distraem em locais movimentados e não mamam bem. O medo de julgamento a gente não deve ter nunca, mas eu entendo que há situações em que as mães se sentem pressionadas. Mesmo que haja constrangimento de outros, amamentar ou não deve ser uma escolha apenas da mulher.
Como você orienta as mulheres que não podem amamentar?
Muitas mães podem não conseguir estabelecer a amamentação, mas podem dar uma mamadeira com muito amor. Somos muito diferentes e cada uma tem a sua realidade. A amamentação é um aprendizado mútuo para mãe e para o bebê, não é algo automático. O ideal é que as mães não achem que falharam em algo. Mas, em geral, as mães têm uma expectativa muito grande. Acham que fazer o correto é ter um parto normal e depois amamentar sem nenhuma dificuldade, mas nem sempre é assim. Então, eu volto a atenção para essas mães.
Para as mães que por ventura não conseguem atender essas expectativas e ficam se sentindo diminuídas, é importante que se traga a maternidade real. Nem sempre é possível atender todas as expectativas. O importante é a saúde da mamãe e do bebê e a saúde mental também. O puerpério já não é um período fácil em termos hormonais e em termos de cansaço, principalmente quando se tem o primeiro filho. Muda toda a vida e rotina. E é importante que as mães se sintam acolhidas, porque às vezes a amamentação pode não ser possível.
E as mães que podem amamentar, mas não querem?
Ultimamente, tem sido mais frequente as mães manifestarem que não querem ou não estão se sentindo bem. Acho que é importante acolher essas mães e abrir um espaço de fala. Como pediatra, tentamos, porque o leite materno é importante. Mas podemos entender também que a saúde mental da mãe é algo importante para a mãe e o bebê. Então, se ela manifesta que é difícil para ela, é importante apoiarmos a decisão e ajudá-las a manter a alimentação adequada do bebê.
Como precisa ser a participação do parceiro/parceira no dia a dia da criança?
Essa participação é fundamental. Pode ser para trazer água, buscar o que a mãe precisa, ficar com o bebê para arrotar e a mãe descansar. O descanso é fundamental para que a mãe possa produzir leite. A mãe pode também retirar o leite, congelar, aquecer em banho maria e o companheiro (a) oferecer ao bebê, com orientação.
*PRISCILA CORREIA é jornalista, especializada no segmento materno-infantil. Entusiasta do empreendedorismo materno e da parentalidade positiva, é criadora do Aventuras Maternas, com conteúdo sobre educação infantil, responsabilidade social, saúde na infância, entre outros temas. Instagram:@aventurasmaternas