O recente vídeo da escritora Milly Lacombe ecoou por todo o país, trazendo à tona uma realidade perturbadora: as violências cotidianas que permeiam nossa sociedade. Horrorizada com os casos de abusos que ocorreram em abrigos onde estavam refugiadas climáticas das enchentes do Rio Grande do Sul, ela lembrou que fatos como esses também acontecem em nossas casas, escritórios, festas.
“Eu me incomodo muito quando eu vejo as pessoas correrem pra gritar são monstros. Não são monstros. Não são monstros. Essa é a sociedade em que a gente vive. Essas pessoas não estão destacadas da sociedade. Se toda mulher que eu conheço foi abusada, nenhum homem que eu conheço abusou, não fecha a conta. Não são monstros. É uma sociedade monstruosa. Mas apontar essas pessoas como uma aberração não é colaborar pra gente mudar o mundo. São homens, não são monstros. São homens forjados por uma sociedade que os encoraja a ser assim”, disse ela.
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E este despertar é um chamado urgente para pais e mães que precisam prestar mais atenção na educação de seus adolescentes, intervindo para mudar o curso do futuro. É essencial confrontar atitudes de importuno sexual desde cedo, cultivando o respeito pelo espaço e pela integridade dos outros. Uma mudança fundamental começa em casa, onde valores de igualdade, respeito e consentimento devem ser incutidos desde a infância. Educar nossos jovens sobre os limites e o respeito mútuo é essencial para romper com a estrutura que perpetua violências como estupro e feminicídio. Como disse Milly, confrontar o ‘monstro’ dentro de nós mesmos, questionando quando e como ele se manifesta, é o primeiro passo para uma sociedade mais justa e segura para todos.
E para falar mais sobre como precisamos agir com nossos filhos desde já, especialmente os adolescentes, conversamos com especialistas que vão ajudar nessa tarefa tão difícil de educar com mais empatia e respeito.
PAPO SÉRIO
Conversar com os filhos sobre questões tão sensíveis para a sociedade, como estupro, maus tratos a animais, racismo, acolhimento de pessoas em situações de desamparo etc, nunca é fácil. Mas, sim, é possível.
Luiza Santos*, mãe de Augusto* e Lia*, de 14 e 11 anos, conta que os filhos, há algum tempo, começaram a dar, em encontros familiares, algumas opiniões bastante estranhas sobre assuntos que não dominavam, mas sempre com muita rispidez nos julgamentos, o que acendeu o sinal de alerta. Até que em um determinado dia a situação chegou ao limite. “Lembro-me de quando o meu filho disse que menina que dançava funk pedia para ser assediada. Naquele momento, quando vi aquele menino que sempre foi doce falando um absurdo como esse, senti uma raiva descontrolável e acabei gritando. Na hora, minha filha, defendendo o irmão, também concordou com a fala dele. Chamei meu ex marido e conversamos todos sobre o assunto, dizendo, inclusive, que era inadmissível que pensassem daquela forma, mas sempre mostrando detalhadamente como aquela fala era errada. Depois, acabei descobrindo que, na escola, havia um menino mais velho que era uma espécie de líder entre os adolescentes, que era filho de alguém famoso, que dizia essas coisas e todos apoiavam. Uma mistura de idolatria com falta de conhecimento. Literalmente tive que dar uma aula sobre feminismo, respeito ao corpo do outro, julgamentos infundáveis etc. Meus filhos entenderam, tanto que se afastaram desse menino. Mas quantas famílias acabam não percebendo esse tipo de comportamento e pensamento dos filhos? No meu caso, aconteceu porque temos o hábito de jantar todos juntos e conversar sobre assuntos da atualidade”, esclarece.
Barbara Ferraz de Campos, psicanalista especialista em Saúde Mental, Psicopatologia e Psicanálise e mestre em Antropologia Social, comenta que é muito importante que a gente converse com os adolescentes, considerando que eles são seres em formação e pessoas participantes da sociedade. “É importante que eles saibam disso, que eles possam entender o mundo onde eles vivem e que eles se sintam parte disso e que a gente possa diminuir um pouco essa barreira de “os outros”, “o morador de rua”, mas sim uma sociedade, as pessoas, para que não fique sempre naquela coisa tão simplista de eu e o outro. E é importante poder falar de tudo, poder falar da crise climática, dessa questão que está acontecendo em Porto Alegre. É muito importante que o adolescente faça parte do mundo em que ele vive”, diz.
Já Elainne Ourives, psicanalista, treinadora mental, cientista e pesquisadora nas áreas da Física Quântica, das Neurociências e da reprogramação mental, diz que para conversar a respeito desses temas, especialmente com adolescentes que começam a desenvolver suas próprias opiniões, é preciso combinar sensibilidade, honestidade e responsabilidade educativa. “Também é fundamental entender que, embora os adolescentes estejam desenvolvendo sua capacidade de compreender e lidar com questões complexas, eles ainda estão formando suas perspectivas e podem ser particularmente sensíveis a temas que envolvem violência, injustiça ou desigualdade. É preciso evitar termos que sejam perturbadores, mas sem omitir a seriedade que isso envolve. No lugar de destacar a brutalidade ou negatividade, por exemplo, ao falar sobre estupro, é importante focar nos direitos humanos, no respeito mútuo e nas leis que protegem as vítimas e punem os infratores, em vez de dar detalhes em relação a aspectos violentos do crime. Educação e contexto são essenciais também. No caso do racismo, é importante discutir incidentes específicos, suas raízes históricas e os impactos sociais e pessoais que esse comportamento gera. Isso vai ajudar os adolescentes a entenderem o racismo como um problema estrutural e cultural, promovendo uma visão mais crítica e compreensiva do mundo ao seu redor”, diz. E complementa: “Promover a empatia é uma chave para abordar qualquer um desses temas. Isso pode ser feito com histórias pessoais ou testemunhos que ilustram as consequências humanas dessas questões. Histórias de pessoas que sofreram maus tratos ou de animais que foram resgatados e cuidados podem tocar profundamente os adolescentes, o que serve de incentivo para pensar sobre seu próprio papel na sociedade e como podem contribuir para essa mudança tão desejada”.
Mas porque enquanto alguns jovens se mostram preocupados com situações que comovem a maioria, outros parecem não se “sensibilizar”? Para Mariana Casagrande, neuropsicopedagoga da Clínica Casagrande, isso ocorre devido aos princípios morais em que cada indivíduo foi criado. “Quando há, desde pequeno, treino efetivo das habilidades socioemocionais o jovem cresce com boa empatia e prazer em auxiliar o próximo. Mas quando isso não ocorre em sua formação, pode ocorrer uma insensibilidade maior”, pontua. Elainne vai além e diz, ainda, que isso pode variar amplamente, sendo que acontece devido a diversos fatores psicológicos, sociais e até biológicos. “Compreender porque alguns jovens se mantêm indiferentes é complexo, sendo que ao menos um dos fatores pode estar relacionado a maturidade emocional, que ainda está em desenvolvimento. Colocar-se no lugar do outro e sentir o que outra pessoa está sentindo, pode acontecer em tempos diferentes para cada um. Alguns jovens podem simplesmente não ter alcançado essa fase que permite compreender plenamente a gravidade ou o impacto emocional de certas situações. Outra razão pode ser a exposição a traumas ou experiências negativas. Jovens que foram expostos repetidamente a ambientes estressantes ou que sofreram traumas podem se tornar emocionalmente insensíveis, um mecanismo de defesa conhecido como dessensibilização. Esse mecanismo protege contra a dor emocional adicional, resultando em uma menor reação caso se encontrem novamente diante do mesmo problema”, analisa. Ela lembra, também, de jovens criados em ambientes nos quais emoções não são frequentemente expressas ou discutidas podem não aprender a demonstrar empatia ou reações emocionais de maneira aberta. “Na era digital, os jovens estão expostos também a uma enorme quantidade de informações, incluindo notícias de eventos trágicos o tempo todo. Essa sobre-exposição pode levar a uma certa anestesia emocional, em que a constante enxurrada de notícias trágicas torna-se uma norma e, consequentemente, menos impactante”, acrescenta.
DIRETO AO PONTO
Um assunto tão sensível, é claro, preocupa os pais – pelo menos a maioria. E da mesma maneira que fizemos em colunas anteriores, acreditamos que a melhor forma de elucidar dúvidas sobre temas espinhosos seja ir direto ao ponto. Por isso, abaixo, as especialistas esmiuçam mais as dúvidas que nós, pais perceberem.
AVENTURAS MATERNAS – Se os pais perceberem que seus filhos “estão frios” com assuntos que causam comoção, como devem agir? Perguntar aos filhos o que acham?
Elainne Ourives – Nesse caso é importante adotar uma abordagem cuidadosa e compreensiva para entender melhor esses sentimentos e perspectivas. Conversar abertamente pode ser uma maneira eficaz de explorar os sentimentos dos filhos e ajudá-los a desenvolver uma maior sensibilidade e empatia. Perguntar aos filhos o que eles pensam sobre um determinado assunto pode abrir portas para uma conversa mais profunda, mas é preciso ter cuidado para que essa pergunta seja feita de maneira não confrontativa e aberta para permitir que os jovens expressem honestamente suas opiniões e sentimentos sem medo de julgamento. Os pais devem mostrar que estão interessados em entender o ponto de vista de seus filhos, não apenas corrigi-los. Para que os jovens se sintam confortáveis compartilhando seus sentimentos, eles precisam sentir que o ambiente é seguro e que suas opiniões são valorizadas. Isso significa escutar ativamente, sem interrupções ou críticas imediatas. Incentivar os filhos a pensar criticamente sobre por que certos assuntos são sensíveis ou por que provocam reações fortes em outras pessoas pode ajudá-los a desenvolver uma compreensão mais profunda de questões sociais. Se os pais percebem que a indiferença pode estar ligada a questões emocionais mais profundas, como ansiedade ou depressão, pode ser apropriado buscar ajuda profissional.
Mariana Casagrande – Os pais devem sempre ser exemplos de atuação no bem do próximo. E incentivar, motivar seus filhos a seguirem seu exemplo. Pois, realmente, o exemplo arrasta, e surte muito mais efeito do que qualquer diálogo que seja sem efetiva ação.
AVENTURAS MATERNAS – Continuando na pergunta acima, caso os adolescentes se mostrem realmente sem nenhum tipo de compaixão, como agir?
Elainne Ourives – Antes de qualquer ação, é preciso entender o contexto mais amplo do comportamento do adolescente. A aparente falta de compaixão pode ser influenciada por uma variedade de fatores, incluindo experiências passadas, influências de pares, exposição à mídia ou até mesmo questões de saúde mental. Observar o comportamento do adolescente em diferentes contextos e com diferentes pessoas pode ser a chave para essa pergunta. Ensinar os adolescentes sobre emoções, como identificá-las e expressá-las saudavelmente, pode ser considerado um passo importante. Isso pode incluir explicar como a empatia afeta as relações humanas e a importância de ser sensível aos sentimentos dos outros. Envolver os adolescentes em atividades que naturalmente estimulam a compaixão, como o voluntariado, pode ser uma maneira eficaz de desenvolver a empatia. É vital que os pais estabeleçam e reforcem os limites do comportamento aceitável. Isso inclui ensinar sobre as consequências das ações, tanto para si mesmos quanto para os outros, e sobre como comportamentos negativos podem afetar suas relações e oportunidades futuras.
Mariana Casagrande – Deve-se leva-lo a vivenciar exemplos de ajuda, compaixão, caridade, doação e voluntariado. Principalmente em áreas que eles tenham interesse e prazer. Por exemplo, se ele gosta de animais, o leve a ser voluntário em uma ONG que cuide dos animais de rua. Pois quando há interesse e prazer na causa, o indivíduo desenvolve maior prazer em auxiliar. Até chegar o momento que fazer o bem ao próximo seja algo natural.
AVENTURAS MATERNAS – Quando essa falta de empatia pode significar desvio de personalidade? E qual desvio exatamente seria esse?
Elainne Ourives – Diagnósticos precisos devem ser feitos por profissionais de saúde mental qualificados, após avaliações e considerando o comportamento e histórico do indivíduo. Transtorno de Personalidade Antissocial é um dos desvios mais frequentemente associados à falta de empatia. Quem apresenta esse tipo de transtorno muitas vezes demonstra um padrão de desrespeito e violação dos direitos dos outros. Eles podem se envolver em comportamentos que são ilegais ou exploratórios, mentir frequentemente, agir de maneira impulsiva sem considerar as consequências, e mostrar uma falta de remorso por danos causados aos outros. A falta de empatia é um traço chave deste transtorno. O Transtorno de Personalidade Narcisista também é caracterizado por dificuldades com a empatia, embora manifestadas de maneira diferente. Pessoas com este transtorno têm um senso inflado de sua própria importância, uma necessidade profunda de admiração excessiva, e uma falta de compreensão das experiências e emoções de outras pessoas. Eles podem reconhecer como os outros se sentem, mas principalmente na medida em que se relaciona com eles mesmos, frequentemente ignorando as necessidades dos outros em favor de suas próprias.
Barbara Ferraz de Campos – É muito difícil a gente, sem estar com o sujeito na frente, falar sobre uma possibilidade de um desvio de conduta, de um transtorno de personalidade ou de alguma coisa nesse sentido, porque são nuances e pode estar acontecendo alguma coisa muito particular na vida desse sujeito. Às vezes é um adolescente que está um pouco deprimido, então não tem tanta energia para colocar para fora. Então é importante sempre que a avaliação seja feita na singularidade, no 1 a 1, para a gente ver o que pode estar acontecendo com esse adolescente. Então, em alguns casos, claro, a gente sabe que isso pode ter um componente complicado aí de responsabilidade e daí o importante é tentar tratar na medida em que for possível. Se não for um caso de tratamento, se for mais um caso de estar um pouco alheio, de estar frio, o importante é que se faça participar e que se possa conversar disso. Às vezes são assuntos tão pesados e tão difíceis que a gente fica com muita dificuldade também de falar isso com as crianças e adolescentes. Por que essa pessoa está na rua? Por que o outro perdeu a casa? Por que tem tanto bandido? Às vezes isso é difícil também para a gente falar e a gente, sem perceber, fala muito pouco dessas coisas. Então é importante a gente também poder se avaliar aí e avaliar a família como um todo.
Mariana Casagrande – Infelizmente, existem casos de transtorno de personalidade que afetam essa capacidade de se colocar no lugar do próximo, e ainda fazem o indivíduo ter prazer em fazer o errado. Nesses casos de possível patologia, a família deve, de forma imediata, buscar um auxílio e avaliação com médico psiquiatra, que saberá como orientar cada caso. Mas cuidado: nessa situação, não perca tempo, busque ajuda imediatamente.
AVENTURAS MATERNAS – Quando essa falta de empatia se torna de fato preocupante e é preciso procurar ajuda?
Elainne Ourives – A ajuda profissional se faz necessária quando o problema começa a interferir significativamente na capacidade do indivíduo de estabelecer ou manter relacionamentos saudáveis, ou quando leva a comportamentos que são prejudiciais a si mesmo ou aos outros. A empatia é fundamental para a formação e manutenção de relações interpessoais saudáveis e a incapacidade de entender e responder adequadamente aos sentimentos dos outros pode levar a conflitos constantes, mal-entendidos e eventual isolamento social. Se um adolescente ou adulto mostra dificuldades persistentes em se relacionar com os outros, parece não entender as consequências emocionais de suas ações, ou frequentemente causa angústia nos relacionamentos devido à falta de sensibilidade emocional, isso pode ser um sinal de que a sua vida está sendo afetada de forma negativa. Quando a incapacidade de se colocar no lugar do outro leva a comportamentos que desrespeitam os direitos e bem-estar dos outros, é um indicativo claro de que a intervenção profissional é necessária.
AVENTURAS MATERNAS – Nós, adultos, normalmente chamamos de monstros pessoas que fazem algum mal para outras pessoas e/ou animais. Entretanto, muitos que fazem essas maldades estão perto de nós. Como mostrar para nossos filhos que algumas atitudes são intoleráveis, quando quem as pratica pode ser um amigo, familiar ou alguém conhecido?
Elainne Ourives – A resposta para isto está em fomentar o discernimento, a empatia e a coragem para se posicionar contra o que está errado, independentemente de quem seja o autor. Começar por estabelecer uma base sólida de valores é essencial. Isso inclui ensinar sobre respeito, empatia, justiça e integridade desde cedo. Conversas regulares sobre esses valores e como eles se aplicam em situações do dia a dia podem ajudar as crianças a internalizar o que você espera delas em termos de comportamento e reações diante de situações moralmente complexas. É importante ter conversas abertas sobre como todos, inclusive nós mesmos e as pessoas que amamos, podemos cometer erros ou ter comportamentos inadequados. Isso pode incluir discussões sobre como o comportamento negativo não necessariamente a define completamente, mas que certas ações, especialmente se prejudicam os outros, são inaceitáveis. Ensinar as crianças a não serem espectadoras passivas quando presenciam ou sabem de algo errado. Isso pode ser feito encorajando-as a falar com um adulto de confiança ou mesmo aprender a expressar desaprovação de maneira respeitosa e segura. Role-playing (jogos de simulação) pode ser uma ferramenta útil, em que você e seu filho podem ensaiar o que dizer ou fazer em diferentes cenários.
Barbara Ferraz de Campos – Esse exercício que você me propõe é um exercício muito interessante, muito rico. E aquilo que eu estava um pouco comentando no começo da entrevista, de que é sempre o outro. A gente coloca sempre a agressividade, a maldade no outro. E é importante que a gente, às vezes, possa reconhecer que dentro da família, da própria casa, podem existir pessoas que são capazes da maldade e nesse caso já não é mais uma falta de empatia, mas um profundo ódio pelo outro. E uma vontade, um desejo muito grande de ver o outro sofrer, de segregar. E esses fenômenos vêm crescendo muito na nossa sociedade. É só a gente olhar para fora e ver o quanto a falta de empatia, o quanto o ódio, o quanto a segregação estão cada vez mais presentes. E a gente também poder fazer esse exercício de reconhecer isso dentro da família e dentro da própria casa. E acho que quanto a isso, o mais importante é, primeiro colocar os limites bem claros do que pode e do que não pode ser feito. E também tem uma coisa, às vezes, quando a gente ri com uma piadinha de mal gosto, a gente está relevando algo aqui e ali, quando o correto é não relevar nunca nada. Para que esse limite vá ficando, no caso de que seja um adolescente com uma dificuldade de limite, que ele entenda no concreto que o limite está bem estabelecido.
Mariana Casagrande – Nossos filhos devem crescer dentro de um contexto onde aprendam que o bem deve ser praticado com todos e para todos, independentemente do vínculo familiar ou afetivo. Assim como devem aprender que o mal não se tolera com ninguém. Assim, entenderão que mesmo sendo uma pessoa conhecida e do seu meio afetivo, se fez um ato errado deverá ser comunicado, alertado e não tolerado da mesma forma.
AVENTURAS MATERNAS – Adolescentes têm a sexualidade muito aflorada. Entretanto, o que encontramos hoje são indivíduos que confundem liberdade sexual com promiscuidade (há pouco tempo, em uma escola no RJ, um menino se masturbou na porta da sala de aula, enquanto a maioria dos colegas achava engraçado). Como conversar sobre limites com jovens, quando são “incentivados” pelos próprios colegas que acham graça em tais atitudes?
Elainne Ourives – Nesse caso, é preciso iniciar essa conversa falando sobre sexualidade como uma parte natural e saudável do desenvolvimento humano, mas enfatizando que existem comportamentos que são inapropriados e podem ter consequências legais e sociais. É essencial explicar a importância do consentimento mútuo, respeito por si mesmo e pelos outros, e a diferença entre expressão sexual saudável e comportamentos que violam as normas. Adolescentes, frequentemente buscando aceitação e aprovação de seus colegas, podem se sentir tentados a participar ou apoiar comportamentos que são contrários aos seus próprios valores. É importante ensinar os jovens a reconhecer quando essa pressão está influenciando negativamente suas ações e a ter a coragem de se afastar de situações que os deixam desconfortáveis. A educação sexual abrangente deve ser uma parte contínua da educação de um adolescente, tanto em casa quanto na escola. Programas de educação sexual que abordam a biologia, questões emocionais e éticas relacionadas à sexualidade, podem fornecer aos jovens o conhecimento e a confiança necessários para fazer escolhas saudáveis.
Barbara Ferraz de Campos – A sexualidade pode sim ser uma fonte de agressividade como no caso dos estupros, sexo sem consentimento, enfim. Mas o grupo faz muito esse papel de dissolver a censura das pessoas envolvidas no grupo. É o que se chama de efeito manada, mas o Freud tem todo um texto dedicado a isso, que se chama Psicologia das Massas, em que ele realmente coloca e expõe que para cada um de nós é possível fazermos coisas que não faríamos individualmente, mas que somos capazes de fazer quando estamos no meio de um grupo. Então, é bem importante poder cuidar em que grupo teu adolescente está, como estão as relações, porque esses comportamentos grupais podem tender a uma agressividade extrema.
Mariana Casagrande – Esse fato também tem a ver com a moralidade e conduta ética em que o jovem está sendo criado. Pelos exemplos que ele vive no contexto familiar, social e até mesmo nas redes sociais. Infelizmente, não há como um único pai/mãe controlar a conduta de um grupo todo, de uma geração toda. Mas se cada um “voltar para casa” e fizer do seu filho, do jovem sob seus cuidados, um ser humano íntegro, correto, ético e honesto, ele não terá prazer em fazer ou acompanhar o errado. Ao contrário: será um exemplo de conduta correta que poderá levar pelo seu exemplo mais colegas a ações do bem.
AVENTURAS MATERNAS – Como mostrar para os filhos que devem respeitar o espaço e o limite do corpo do outro?
Elainne Ourives – Para transmitir esses valores, os pais podem começar mantendo um comportamento respeitoso em casa. As crianças aprendem muito com o que observam, portanto, quando os pais demonstram respeito, incluindo pedindo permissão antes de entrar em espaços privados ou antes de tocar alguém, as crianças tendem a imitar esses comportamentos. Uma abordagem direta também é importante. Conversas abertas sobre o que significa o espaço pessoal e porque é importante respeitá-lo, ajudam as crianças a entenderem as regras sociais que vão dar o tom da interação física. Isso pode incluir discussões simples sobre como diferentes culturas e indivíduos têm diferentes níveis de conforto com o toque físico e a proximidade, e enfatizar que está tudo bem perguntar se não têm certeza se podem abraçar alguém ou entrar em seu espaço pessoal. Além disso, ensinar sobre consentimento desde os primeiros anos é fundamental. Isso significa explicar que antes de tocar alguém, é necessário ter certeza de que a outra pessoa está confortável com isso. Isso ajuda a estabelecer uma compreensão de que todos têm direito à autonomia sobre seus próprios corpos e que o respeito por esse direito é essencial para relacionamentos saudáveis e interações sociais. Também é útil envolver as crianças em atividades que promovam a empatia e a compreensão dos sentimentos dos outros. Livros, filmes e jogos que abordam temas como respeito e consentimento podem ser ferramentas poderosas para discutir esses conceitos de maneira acessível e envolvente.
Mariana Casagrande – Quando pequeno, esse é um princípio básico que deve até mesmo ser imposto pela família, se necessário. É algo que não há negociação. Simplesmente não pode e pronto. Conforme a criança vai crescendo, suas vivências vão mostrando, conforme o entendimento de cada idade, o certo e o errado. E o certo sempre dá mais trabalho. Mas a persistência e o modelo pode salvar toda uma geração.
E um último aviso, mas não menos importante: “Não é ‘bonitinho’, não é ‘engraçadinho’, não é ‘coisa de criança’ e, muito menos, ‘bobeira de adolescente’ fazer o errado. O mal não pode ser tolerado em situação alguma. E isso é tarefa da família! Escola e sociedade podem ajudar a formar esses princípios, mas a base da formação moral sempre foi e sempre será da família”, conclui Mariana Casagrande.