A três meses do término de um ano letivo cheio de transições na educação, com o retorno às aulas presenciais para alguns, a manutenção do ensino virtual para tantos outros e as incertezas para quem depende do ensino público, é consenso entre profissionais da área que os impactos da pandemia são grandes não apenas no aprendizado, mas também no desenvolvimento sócio-emocional das crianças e adolescentes.
A pesquisa “Perdas de Aprendizagem na Pandemia”, realizada pelo Insper em parceria com o Instituto Unibanco, ao final do primeiro semestre deste ano, mostra que estudantes do 3º ano do Ensino Médio apresentaram uma perda de proficiência em Língua Portuguesa e Matemática de cerca de 75%, sendo 35% na primeira e 40% na segunda. De acordo com o mesmo levantamento, a retomada do ensino presencial ou híbrido, que começou no 2º semestre de 2020, poderia proporcionar uma redução de 10% a 20% dessas perdas, e, caso as instituições realizassem projetos voltados especialmente para essa recuperação, o ganho poderia ser ainda maior, chegando a 35-40%.
O cenário é difícil, a gente sabe, e a ideia da coluna é sempre trazer soluções e estratégias para ajudar as crianças e adolescentes a encontrarem no apoio dos pais e das escolas soluções para reduzir os danos. O primeiro passo, acredito, é não olhar para trás e trabalhar com o que temos a mão. O segundo é entender a realidade da pandemia e buscar nas opções virtuais e escolas ideias práticas para recuperar o tempo de aprendizagem perdido. Por isso, pesquisamos estratégias gratuitas e particulares, todas compartilhadas na matéria de hoje.
MUDANÇAS E ADAPTAÇÕES
Desde março de 2020, crianças e adolescentes precisaram se acostumar a uma realidade jamais imaginada. Em vez de ir à escola, encontrar os amigos, assistir aulas, participar do recreio, fazer atividades em grupo e retornar para casa, elas passaram a fazer tudo em frente à tela do computador ou tablet. “Apesar de estarem todos reunidos em uma mesma ‘sala online’, a sensação de solidão se estabeleceu e cresceu. Ainda precisaram vencer o desafio de concentrar a atenção nas aulas e driblar todas as distrações que podem haver em casa, como os pets circulando, a televisão ligada, os pais conversando ou trabalhando e os irmãos mais novos brincando”, lembra Sueli Conte, especialista em educação e mestre em neurociência do Colégio Renovação.
Ela conta que, além de toda a atenção pedagógica dispensada, também houve uma enorme preocupação na escola onde atua como editora. “A troca que ocorre entre eles em sala de aula e durante as atividades é extremamente importante para o desenvolvimento de cada um em diversos aspectos. É em grupo, especialmente, que aprendemos e desenvolvemos empatia, que apreciamos a diversidade e, acima de tudo, respeitamos os outros e as diferenças existentes entre as pessoas”, conta, alertando que, quando a criança se relaciona com outros indivíduos além do ambiente familiar, o resultado é extremamente positivo. Em um trabalho conjunto, realizado entre escola e família, por exemplo, é possível reforçar na criança a sua própria identidade, ajudando-a a entender quem ela é, quais os seus pontos fortes e fracos e, até mesmo, orientando quanto a identificação e como lidar com os mais variados sentimentos.
Learning Support, da Camino Schoolé promovido a fim de dar uma atenção especial àqueles que passaram por algum déficit de aprendizagem ocasionado pela pandemia. (Crédito: Arquivo Pessoal)
Já na escola paulistana Camino Education, dois projetos foram lançados, o Learning Support, promovido a fim de dar uma atenção especial àqueles que passaram por algum déficit de aprendizagem ocasionado pela pandemia, e o Learning Center, tem foco em estudantes que tenham algum tipo de diagnóstico, como dislexia ou questões relacionadas à concentração. De acordo com Ana Paula Martins, coordenadora pedagógica da escola, as aulas ocorrem de quatro a cinco vezes por semana, com destaque para linguagens (português, inglês e espanhol) e matemática. Para as duas medidas de suporte educacional, a Camino School emprega sua metodologia – a aprendizagem ativa – que insere o estudante no centro no processo de aprendizagem, por meio de projetos, batizados como Expedições. “A performance cognitiva de cada um(a) é observada bem de perto por todo o time da escola”, acrescenta Martins.
Ela conta, ainda, que a preocupação com o bem-estar neste estágio de retomada contempla todas as partes envolvidas. Os professores estão recebendo o apoio da escola, com acompanhamentos individuais e em grupo. Além da testagem coletiva e protocolos de prevenção, os profissionais têm total abertura para manifestar quão confortáveis estão com esta nova fase escolar. A proposta é que essa transição para a rotina presencial ocorra de uma maneira horizontal.
MEU FILHO PRECISA DE AJUDA?
Com quase um ano e meio de pandemia, é fato que os efeitos do isolamento social também atingem crianças e adolescentes. E, para atravessar esse período, os pais devem conversar com os filhos periodicamente para ouvir e oferecer acolhimento. As conversas com os professores e diretores das escolas também são fundamentais para ampliar a rede de atenção e de diálogo. “O ideal é que tenham um acompanhamento psicológico, pois as mudanças na rotina atingiram a todos e podem gerar situações de estresse e ansiedade que precisam ser monitoradas para não ocasionar o agravamento dos sintomas”, pontua a pediatra Renata Fish, do Hospital Pasteur, que chama atenção para casos de Síndrome da Gaiola, termo que surgiu na pandemia e se caracteriza pelo medo e resistência de crianças e adolescentes a saírem de casa, podendo causar até crises de ansiedade e estresse.
Segundo ela, o acompanhamento com um especialista é imprescindível para que as emoções sejam identificadas e tratadas antes do agravamento do quadro. “Em alguns casos, o fato de sair de casa causa taquicardia em decorrência do alto nível de estresse, pois o ambiente externo é percebido por eles com insegurança, já que há o risco de contaminação pela Covid”, conta a pediatra. A especialista explica, também, que as crianças menores de quatro anos de idade não conseguem dar nome às emoções, e por isso é importante observar alguns sinais como choro fácil, irritabilidade, perda de sono, terror noturno, falta de apetite, falta de vontade em fazer as coisas que gostava anteriormente, entre outros. Renata Fish alerta, ainda, que a Síndrome da Gaiola não se trata de um transtorno tratado por meio de medicamentos, mas há a possibilidade de evoluir para depressão. E, por isso, é tão importante ficar atento às mudanças de comportamento.
Mas não é apenas a vida social que pode ser afetada. Quando se trata de aprendizado, sintomas psicólogicos também podem aparecer, como perda de foco com facilidade, dificuldade de reter informação, estresse no período online, irritabilidade constante e, por fim, mas não menos importantes, queda nas avaliações e notas. A psicóloga e especialista em ginástica para o cérebro Anizabella de Oliveira Soares, do Método Supera, explica que os critérios de avaliação do estudante são um fator importante para medir não apenas o desempenho do aluno na modalidade remota, mas, sobretudo, seu interesse. “Nesta condição atípica, existe um empenho extra dos educadores para que alunos atinjam suas metas e, se isso não acontece, é um forte indício de que este aluno já está próximo de perder sua conexão com a escola, o que é muito ruim e precisa ser olhado com atenção por pais e educadores”, alerta. A especialista chama a atenção ainda para o estado emocional de crianças e adolescentes em meio ao cenário cada vez mais digital. “A verdade é que as nossas crianças e adolescentes estão cansados porque não existe mais um limite do digital e do real. A escola é do digital, mas o lazer também é. Isso gera muita ansiedade e um desgaste emocional, sobretudo aos adolescentes, que ficam mais isolados, o que impacta na capacidade do cérebro de aprender. Sabemos que 70% do nosso desenvolvimento emocional e cognitivo vêm da convivência com o outro e, por isso, esta população – crianças e jovens – está sofrendo tanto neste momento”, esclarece.
COMO ORGANIZAR OS ESTUDOS?
Sueli Conte dá dicas para organizar os estudos e evitar a recuperação no final do ano. (Crédito: Divulgação)
A psicopedagoga Sueli Conte sugere dicas para ajudar as crianças na hora de estudo e melhorarem as notas no último bimestre do ano:
- Estabeleça um horário de estudo diário para fazer a revisão do que foi proposto em aula;
- Realize as tarefas e trabalhos continuamente, não deixando para o “dia seguinte”;
- Anote/tire dúvidas com os professores e colegas de classe;
- Acompanhe as explicações em aula, ressaltando os pontos determinantes de um conteúdo;
- Aproveite ao máximo as oportunidades que a escola oferece: plantões, reforço, grupos de estudo;
- Não falte ou chegue atrasado às aulas para não perder a sequência desenvolvida pelos professores;
- Refaça as questões de provas onde aparecem erros. O erro é um forte indicador de uma dúvida existente, que pode ser corrigido e, claro, aprendido;
- Evite “elementos” externos que tirem o foco de trabalho;
- Acate outras sugestões, que auxiliem no processo de aprendizagem;
- Não desista frente ao quadro que se apresenta. Estabelecer uma meta de conquista implica no esforço contínuo e diário.
ASSISTÊNCIA EXTRA-ESCOLAR
Sabendo das possíveis perdas de aprendizado vivenciadas por alguns estudantes durante o isolamento social, alguns cursos, startups e escolas criaram projetos para oferecer suporte fora do horário das aulas. Confira, abaixo, cinco opções que podem ajudar crianças e adolescentes virtual ou presencialmente.
1. AprendiZAP – a plataforma de ensino funciona pelo WhatsApp e é usada por mais de 104 mil jovens para complementarem a carga horária da rede pública. Com o objetivo de complementar o horário de forma remota dos alunos da rede de ensino estadual, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) se aliou a plataformas e outras iniciativas de estudo remoto no projeto Além da Escola a fim de garantir a recuperação de aprendizagem. O chatbot de conteúdos e exercícios gratuitos desenvolvido pela Fundação 1Bi é focado para a nona série do Ensino Fundamental. Um dos diferenciais da iniciativa é que os professores têm acesso aos dados de utilização dos estudantes para acompanhamento em tempo real do desempenho deles e para apoio ao estudo à distância. Há uma integração com a tecnologia da secretaria, do app Centro de Mídias São Paulo (CMSP). Nele, os professores têm acesso a um dashboard desenvolvido pelo governo e linkado com as plataformas parceiras, para visualização das métricas do projeto. Para um apoio pedagógico assertivo e suporte aos alunos, os professores da rede estadual passaram por sessões de treinamento online com a equipe da Fundação 1Bi antes da implementação do projeto. A ferramenta é gratuita e está disponível para alunos de todo o Brasil de forma gratuita, com 26 mil professores.
Para utilizar, basta o aluno enviar um “oi” para o número do AprendiZAP, disponível para os alunos da nona série no Centro de Mídias. Em seguida, a ferramenta manda as instruções diretamente pela conversa e pergunta o ano do aluno e o RA para cadastro. Assim, o estudante recebe a trilha de conteúdo especialmente criada para essa iniciativa. A curadoria da plataforma contempla os conteúdos da grade curricular do estado e inclui material em textos, vídeos, exercícios e mapas mentais dos assuntos. Importante destacar também que o projeto não é destinado apenas alunos em transição para o Ensino Médio. O Além da Escola atende do 6º ano do ensino fundamental à 3ª série do ensino médio das escolas regulares (incluindo escolas indígenas, de quilombo e de área de assentamento). Os participantes têm acesso a conteúdos do Centro de Mídias da Educação de São Paulo (CMSP) e de plataformas educacionais parceiras, a exemplo do Aprendizap, além de orientação de estudos com um professor duas vezes por semana, via chat do CMSP.
O tempo extra individual de aprendizado e reforço varia conforme o período: até 1h45 por dia para estudantes do período diurno e até 1h15 para matriculados no noturno. Os participantes também são organizados em grupos de 8 a 12 estudantes para realizar projetos interdisciplinares. As chamadas “missões” tratam, por exemplo, temas como ecologia, empreendedorismo, fotojornalismo na comunidade, entre outros. Mais informações: https://www.aprendizap.com.br/
2. TutorMundi – a startup, que foi eleita pela consultoria americana HolonIQ como uma das 100 melhores edtechs da América Latina em 2020, tem parceria com escolas de oito estados brasileiros: Minas Gerais, Alagoas, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Santa Catarina e Distrito Federal. A plataforma de reforço escolar que conecta alunos dos ensinos fundamental II e Médio aos melhores universitários, em tempo real, tem a missão de igualar o nível de conhecimento de cada estudante e ensinar de forma rápida e interativa.
Após realizar o download do aplicativo em um celular, o aluno realiza um cadastro simples com informações básicas e, na sequência, seleciona a disciplina que tem dificuldade, como português, matemática, física, química, história, inglês, entre outras. Feito isso, o estudante relata qual a dúvida e a TutorMundi o conecta a um tutor apto para ajudar. Mais informações: https://tutormundi.com/
3. Método Supera – a ginástica para o cérebro já mudou a vida de mais de 190 mil pessoas em 15 anos de atividade no Brasil. A partir dos seis anos de idade é possível estimular o cérebro para ampliar a capacidade cognitiva, facilitando a aprendizagem e a compreensão do mundo. Ele é indicado para crianças em idade escolar e adolescentes em preparação para o vestibular.
A estimulação cognitiva atua diretamente nesta necessidade de retomar o desenvolvimento, seja na escola, com mais interesse por parte das crianças, seja na preparação do vestibular, ou mesmo na ajuda para quem quer ser mais ativo. Com estímulos que envolvem novidade, variedade e grau de desafio crescente, a estimulação cognitiva oferece uma proposta inicial com a duração de 18 meses. Este tempo, no entanto, pode ser renovado de acordo com a necessidade do aluno. Mais informações: https://metodosupera.com.br/
4. Minha Escolinha Online – a plataforma de ensino e reforço escolar, voltada para a educação infantil de crianças de 2 a 8 anos de idade, é totalmente gratuita e faz a interação do aluno com o professor usando a tecnologia a favor do aprendizado. A plataforma não é direcionada apenas para crianças neurotípicas, mas para todos, inclusive as com TDAH. Ao apresentar o conteúdo da plataforma aos alunos, é perceptível que os vídeos prendem a atenção, até mesmo daquelas crianças com déficit mais elevado, típico do comportamento dos autistas. Todos, sem exceção, permanecem atentos ao que a professora virtual está ensinando. Mais informações: https://minhaescolinhaonline.com.br/
5. LifeClub – a plataforma virtual facilita o acesso dos pais à profissionais da área da saúde e educação, com consultas e aulas de reforço, tudo de forma online e interativa, além de dezenas de conteúdos específicos sobre os principais desafios que as crianças enfrentam em todas as fases. Para isso, médicos especialistas, psicólogos, nutricionistas, pedagogos, entre outros profissionais, estão engajados nesta causa.
Hoje, as escolas podem oferecer o aplicativo LifeClub como um benefício para as famílias de seus alunos. Além de oferecer auxílio escolar diretamente, como triagens gratuitas dos alunos com especialistas, o aplicativo também disponibiliza ajuda em outros pontos importantes que favorecem o bom desempenho do aluno, como, por exemplo, problemas emocionais, comportamentais, pedagógicos e de saúde. Mais informações: baixar o aplicativo LifeClub nas lojas Android e iOS
*PRISCILA CORREIA é jornalista, especializada no segmento materno-infantil. Entusiasta do empreendedorismo materno e da parentalidade positiva, é criadora do Aventuras Maternas, com conteúdo sobre educação infantil, responsabilidade social, saúde na infância, entre outros temas. Instagram:@aventurasmaternas