Quando Alessandra tinha cinco anos, a irmã chegou. Aguardada com ansiedade pelos devidos nove meses, ela, hoje com 41 anos, lembra com detalhes do dia que Luisa chegou. “Era madrugada e vi meus pais saindo para a maternidade. Minha avó me levou pouco depois. Eu estava tão feliz e excitada por ter uma irmã que não ligava para os presentes que os tios e amigos dos meus pais estavam levando para mim. Eu só queria ficar com ela. Quando a vi pela primeira vez, tão pequenina, eu olhava para ela como minha boneca favorita. Quando fomos pra casa, eu entrava no berço, ficava deitada ao lado dela. Lembro de minha mãe dizendo para ter cuidado com a cabecinha dela, que era mole. Meus pais cuidavam de nós duas igualmente e me inseriram em cada cuidado com ela. Se ela recebia mamadeira, eu recebia o mesmo liquido em um copinho. Na hora do banho, eu passava o sabonete nela também. Ao dormir, minha mãe ficava com ela perto do berço e meu pai comigo na cama, contando alguma história. Obviamente que, com o tempo, apareceu o ciúme, a competitividade normal entre irmãos, as brigas etc. Mas, como eu sempre digo, Luisa foi meu presente mais aguardado e mais amado do mundo. Minha irmã é minha alma gêmea. Brigamos, nos odiamos por vezes, mas eu não seria quem sou sem ela”, conta.
É com esse depoimento emocionante que começamos a matéria de hoje, falando de uma relação tão bonita e tão delicada quanto a de irmãos.
A tão aguardada chegada
Na maioria das famílias, quando há mais de um filho, o primeiro vive a gravidez da mãe de forma muito intensa. Seja com pouca ou muita diferença de idades entre os filhos, é fato que esse é um momento de muitas mudanças, pois, ainda que o primogênito esteja ansioso e feliz com a chegada do irmão, a partir de então, ele precisará dividir a atenção, cuidados e tudo mais com outra pessoa.
Dani Stolai, que é mãe de Laise, Luise, Lise, Louise e Luigie, que têm idades que variam de 4 a 21 anos, conta que em sua minha segunda gravidez, quando tinha apenas a Laise, hoje com 21 anos, era inevitável pensar em como ela se sentiria ao “dividir” a mãe. Então, por meio de muita conversa, ela envolveu a primogênita desde o início da gravidez, explicando o que estava acontecendo de uma maneira que ela pudesse entender e aguardar a chegada da irmãzinha “Para lidar com esses sentimentos, mantive uma comunicação aberta. Eu falava sobre o que estava por vir, reforçando o quanto ela ainda seria importante e amada, independentemente do novo bebê. Uma estratégia que funcionou muito bem foi deixá-la participar de pequenas decisões, como escolher roupas para o novo bebê ou até ajudar a montar o quartinho. Aliás, fiz isso em todas as minhas gestações, mostrando para as irmãs que elas também faziam parte desse momento especial, ou seja agreguei ela, desde os primeiros passos desse projeto eterno”, explica.
Esse diálogo aberto com o filho mais velho, como Dani fez, sobre a chegada do irmão é fundamental, pois a comunicação honesta permite que o mais velho entenda o que esperar, o que reduz a incerteza e o medo, avalia a psicóloga Iara Souza. “Ele promove também mais confiança e segurança. Ao responder perguntas com clareza e paciência, os pais demonstram que o filho mais velho continua sendo uma parte importante da família”, avalia. No entanto, há algumas atitudes que devem ser consideradas, como nunca comparar o mais velho com o bebê, para não criar sentimentos de rivalidade; evitar promessas irreais, como dizer que “nada vai mudar”, pois pode gerar frustração, já que algumas rotinas realmente mudarão; desconsiderar sentimentos, minimizando ou ignorando o ciúme ou a frustração do mais velho, fazendo ele se sentir desvalorizado; e manter um diálogo sincero e empático, mostrando que a chegada do irmão é uma mudança importante, mas que o amor e o cuidado pelos dois continuam iguais.
Para a educadora parental Priscilla Montes, a chegada de mais um integrante na família sempre gera muita felicidade mas, também, muitas preocupações, expectativas e angústias. E, normalmente, depositamos muitas expectativas na relação criança mais velha e a criança que vai chegar. “O primeiro ponto é trabalhar e ajustar essas expectativas que muitas vezes estão desalinhadas e exigindo demais dessa criança mais velha. Esta conversa pode começar a partir do momento que descobriram que irá chegar mais uma criança neste lar. Importante que a criança mais velha se sinta parte disso como família e que possa acompanhar todos os passos desse momento tão importante. Que ele também se sinta pertencente e participe de todos os momentos. A maneira de começarmos esta conversa sempre será em um lugar de honestidade e sem depositar a expectativa na resposta. Fazer a criança se sentir parte”, pontua.
Já Patrícia Peixoto, psicóloga e especialista em Neuropsicologia e Terapia Cognitivo-comportamental, diz que os pais devem se preocupar em não manifestar falas que gerem comparações entre os irmãos, ou dizer coisas que interfiram no espaço que já foi criado previamente para ele durante a vida. “A conversa deve abrir espaço para expansão, nunca para diminuir”, avalia.
Mas o psicólogo Ricardo Vieira de Carvalho Davids faz um alerta importante: os sentimentos, pensamentos e expectativas da criança estão além do controle dos pais. “Não é fato que todo primogênito vá sentir perda de importância. Os pais podem ajudar ao balizar e oferecer um ambiente seguro e estável para viver novas emoções, tentativas e experimentações de papeis familiares possíveis, sem julgar ou querer decidir os sentimentos do mais velho, sempre que possível valorizar e direcionar para resoluções positivas. Claro, em caso de regressão, violência, tristeza exagerada procurar ajuda especializada”, analisa.
E, depois do nascimento, como equilibrar a atenção entre o bebê e o filho mais velho nos primeiros meses? Para Dani, esse equilíbrio foi um grande desafio, mas a chave foi a organização. “Estabeleci momentos do dia dedicados exclusivamente a minha filha mais velha, mesmo que fossem 10 minutinhos só com ela. Com os outros filhos, foi a mesma coisa, sempre incluia e incluo até hoje todos, para que ninguém se sinta excluído. Quando se tem um bebê, é claro que ele demanda atenção constante, mas busquei criar uma rotina que incluísse todos, evitando que a primogênita se sentisse deixada de lado. Considero que o segredo para este bem-estar é cada filho sentir-se exclusivo, ainda que por um período curto de tempo, visando sempre a qualidade, a intensidade e não a quantidade desse tempo”, sugere.
Outro ponto importante a ser abordado é em relação aos ciúmes, que habitualmente aparece. Stella Azulay, que é Educadora Parental e Especialista em relacionamento pais e filhos, com foco em comunicação e ansiedade parenta, explica que o primeiro passo é compreender e acolher o sentimento. “Inclusive incentive que o filho mais velho. Desde o primeiro momento deles juntos, faça com que seja um momento tranquilo, apresente o bebê, deixe que ele observe, toque com cuidado. Depois, é importante envolver o filho mais velho nos cuidados, mas nos cuidados que ele goste e tenha capacidade de fazer. Peça ajuda, só de pedir ajuda, isso já faz com que a relação seja outra. Quando ele ajudar, faça um elogio, agradeça, demonstre orgulho por ele ter ajudado, conte para outras pessoas na frente dele. Isso promove uma conexão entre eles desde o início”. Na família de Dani, a melhor estratégia foi criar um ambiente de cooperação, em vez de competição. “Eu sempre dizia que a mais velha tinha um papel de “protetora”, e isso criava nela um senso de responsabilidade e carinho. Também evitei comparações, mostrando que cada um tem sua individualidade e espaço dentro da família. Neste tópico a grande relevância é saber que filhos são iguais aos dedos das mãos , ou seja, totalmente diferentes, mas sempre valorizando as aptidões de cada um”, exemplifica.
A experiência de Dani nos mostra que, sim, é possível manter o equilíbrio com mais de um filho, mas não se pode romantizar. “Uma das lições mais importantes que aprendi como mãe de dois, e depois de cinco, é que é impossível ser “perfeita” o tempo todo. Aprendi a pedir ajuda sem culpa e a entender que, às vezes, o que os filhos precisam não é de uma mãe que faz tudo, mas de uma mãe que esteja bem emocionalmente. Também percebi que a rotina não será sempre como o planejado, e está tudo bem. Estar sempre preparada emocionalmente para ser flexível às mudanças rápidas e necessárias”, avalia. Além disso, ela conta que lidar com a necessidade de descanso foi e ainda é um grande desafio. “Hoje tenho cinco filhos e o segredo que encontrei foi me permitir delegar e não tentar fazer tudo sozinha. Aceitei que, em alguns momentos, seria necessário adiar algumas tarefas para conseguir descansar. Além disso, pratico o autocuidado nos pequenos intervalos do dia, seja tomando um banho mais demorado ou lendo um livro à noite, quando todos já estão dormindo. Também procuro ter momentos de lazer em casal, como viagens, para que possa dedicar-me ao corpo, mente e espírito saudável, apresentando assim sempre a minha melhor versão aos meus filhos”, diz.
Direto ao ponto
Em meio à alegria da chegada do novo filho e a preocupação com o mais velho em relação, especialmente, ao inicio dessa nova relação, mães e pais levantam uma série de questionamentos sobre como agir para que seja uma boa relação mesmo antes da chegada do bebê. E para ajudar nesse processo, conversamos com especialistas em psicologia e na relação parental.
A seguir, Priscilla Montes, educadora parental; Ricardo Vieira de Carvalho Davids, psicólogo; Patrícia Peixoto, psicóloga e especialista em Neuropsicologia e Terapia Cognitivo-comportamental; Iara Souza, psicóloga; e Stella Azulay, Educadora Parental e Especialista em relacionamento pais e filhos.
Aventuras Maternas – Quais são as melhores formas de preparar o filho mais velho para a chegada de um irmão? Quando e como devemos iniciar essa conversa?
Ricardo Vieira de Carvalho Davids – Isso depende de várias circunstâncias, que vão desde a idade do irmão mais velho até as habilidades cognitivas e afetivas de cada um. O planejamento precisa ser feito de acordo com o perfil da criança e da família. No entanto, via de regra, é quase sempre benéfico iniciar essa conversa, pois sempre será algo visível e inevitável e que vai impactar a vida de toda família.
Patrícia Peixoto – É importante que os pais conversem bastante a respeito do novo irmão durante a gravidez – sempre gerando expectativas positivas na criança, com foco em lembrar que ele terá alguém para brincar e ser companheiro. A conversa deve ser iniciada com a segurança dos pais em comunicar isso aos outros, o filho mais velho deve estar no topo da lista de quem precisa saber da notícia. É também preciso respeitar o espaço de filho único, porque com a chegada de um irmão, o filho mais velho já foi único, então é importante que esse espaço seja mantido – inclusive, é importante que o novo filho também tenha esse mesmo “espaço de filho único”.
Stella Azulay – O melhor é iniciar a conversa assim que se falar disso em casa abertamente. Porque as crianças sempre entendem que algo está acontecendo e é melhor não deixar margem para a imaginação. Nunca se sabe o que pode passar pela cabecinha deles. Ou seja, quanto antes melhor, para que o mais velho tenha tempo para assimilar a novidade. A melhor forma de preparar o filho mais velho para a chegada de um irmão é deixar que ele participe de todos os processos que são compatíveis com a idade dele.
Aventuras Maternas – Quais são as reações emocionais mais comuns do filho mais velho ao saber que vai ganhar um irmão? Como os pais podem lidar com sentimentos de ciúme ou insegurança?
Priscilla Montes – As reações mais comuns tendem a ser extremas, seja para gostar muito, seja para não gostar e a criança, por ainda não ter o cérebro maduro e córtex pré frontal totalmente desenvolvido e sem cognição cognitiva de lidar com as emoções, ou seja, é puro instinto, tendendo a ter reações mais impulsivas e sentimentos intensos seja gostando, seja não gostando da novidade. O ciúmes e insegurança neste período é normal e compreensível. O importante é SEMPRE VALIDAR o que a criança está sentindo, gerando segurança emocional e acolhimento. Até porque é muito comum na criança mais velha o medo de deixar de ser amada por conta da chegada de um bebê neste ambiente familiar. E para que isso não aconteça, é importante que esta criança esteja com o copinho emocional cheio de amor e pertencimento.
Ricardo Vieira de Carvalho Davids – As reações variam de acordo com o perfil de cada pessoa, ainda durante a gestação, as reações emocionais são mais simbólicas e idealizadas, nelas estão contidas as fantasias não só da criança, mas as dos pais também. Neste espaço toda emoção pode acontecer, desde ciúme e insegurança, até crescimento, amadurecimento e felicidade. No entanto o que vemos na clínica e nas pesquisas com mais frequência, após o nascimento, estão relacionadas a alguma regressão do irmão mais velho, que passa a adotar algum comportamento de uma fase anterior de desenvolvimento, também é muito frequente felicidade e disposição a ajudar e acolher a nova criança, não existe uma regra específica para isso. Os pais podem ajudar com o sentimento de ciúme e insegurança ao normalizar a situação e reassegurar que o afeto e o cuidado permanecem mesmo com criança desregulada emocionalmente. Pois assim eles ajudam a criança a se reestruturar frente a angústia dessa nova formação familiar que envolve um luto de algo deixa de ser como era antes.
Iara Souza – As emoções podem ser as mais diversas, desde entusiasmo ou ciúme, e até mesmo insegurança. Para auxiliar nessa adaptação, os pais podem seguir alguns passos, como explicar de forma adequada à idade do filho mais velho sobre a chegada do bebê, permitindo que a criança expresse seus sentimentos; incluir o filho mais velho em atividades preparatórias, como escolher o nome do bebê ou arrumar o quarto, para que se sinta parte integrante dessa nova fase; destacar os aspectos positivos de ser o irmão mais velho, como ajudar a cuidar do bebê e ser um exemplo a ser seguido; reconhecer e acolher quaisquer sentimentos de ciúme ou insegurança, assegurando que é normal se sentir assim e que você está disponível para apoiá-lo; e, por fim, procurar manter as rotinas diárias inalteradas, proporcionando um senso de segurança e normalidade. Essas estratégias podem facilitar a transição e promover uma convivência harmoniosa entre os irmãos, além de trazer mais segurança para os pais.
Aventuras Maternas – Como podemos envolver o filho mais velho durante a gravidez e após o nascimento para que ele se sinta parte da experiência?
Ricardo Vieira de Carvalho Davids – Apresentar aspectos positivos do aumento da família, psicoeducar sobre o que é irmão e família, viver tempo de qualidade e, principalmente, preparar para as mudanças na rotina quando da chegada no recém-nascido. Delimitar algumas tarefas para ajudar no cuidado pode ser legal e fazer a criança se envolver mais rápido na aceitação do novo membro. Importante reservar tempo para o mais velho, apesar da mudança radical que um recém-nascido impõe no ambiente.
Patrícia Peixoto – Deixar que ele seja o primeiro a saber e fazer com que ele seja o portador da notícia para família e amigos, além de incentivos para que ele ajude a cuidar do bebê, como passar um tempo juntos, auxiliar na escolha de roupas, brinquedos e outras atividades que façam a criança relacionar o irmão a algo feliz, sem obrigá-lo a nada.
Iara Souza – Criar esse envolvimento é essencial para que ele se sinta parte integrante dessa experiência. Como mãe que já passou por isso, posso sugerir algumas estratégias que funcionaram comigo. Durante a gravidez, compartilhar a notícia de forma adequada, explicando ao seu filho mais velho que você está grávida e que ele terá um irmãozinho ou irmãzinha. Usar uma linguagem simples e adequada à idade dele para que possa compreender; incluir ele nos preparativos, convidando ele para ajudar a escolher o nome do bebê, preparar o quarto ou comprar roupinhas. Isso fará com que ele se sinta envolvido e importante no processo; levar ele às consultas pré-natais e, se possível, permitir que ele veja as imagens do ultrassom e ouça o coração do bebê. Isso ajuda a criar uma conexão entre os irmãos antes mesmo do nascimento. Já após o nascimento, incentivar a visita à maternidade, arranjando uma maneira de levar seu filho mais velho para visitá-lo. Isso ajuda a evitar que ele se sinta excluído e promove a aceitação do novo membro da família; envolver ele nos cuidados diários, deixando que seu filho participe de tarefas simples, como segurar o bebê no colo (sempre com supervisão), ajudar a trocar fraldas ou escolher a roupa que o bebê vai usar. Esse envolvimento fortalece o vínculo entre eles; reservar momentos exclusivos pra ele, mesmo com a rotina agitada. Tente encontrar tempo para atividades individuais com seu filho mais velho, como ler uma história, brincar ou dar um passeio. Isso demonstra que ele continua sendo uma prioridade para você. Lidar com as necessidades dos dois filhos é desafiador, mas ao envolver o mais velho e dedicar atenção a ele, você contribui para uma adaptação mais tranquila e fortalece o vínculo fraternal desde o início.
Aventuras Maternas – O que muda na dinâmica familiar com a chegada de um segundo filho? Como os pais podem se adaptar a essa nova fase sem deixar de atender às necessidades emocionais do primogênito?
Priscilla Montes – Tudo muda! Vai existir mais um indivíduo neste ambiente familiar com características únicas e novas relações serão criadas. É um momento de novidades para todos. O mais importante é os pais entenderem que este irmão mais velho vai precisar de muito acolhimento, conexão e momentos de interações com estes cuidadores sozinho. Aonde ele vai encher o copinho dele de amor, estar com a atenção plena dos pais e se sentindo importante, nem que seja por pouco tempo. Não é sobre a quantidade mas qualidade do tempo oferecido.
Ricardo Vieira de Carvalho Davids – Muita coisa muda, pois existe uma nova pessoa que demanda cuidados constantes, no entanto os desafios da insegurança da primeira gestação estão menores, a pessoa já passou por isso antes, outrossim novos desafios são postos. Isso sobrecarrega em alguns momentos os pais. Surgem culpas, angústias, medos, expectativas novas, dúvidas sobre se estão dando atenção e ajuda necessária para todas as crianças. Para se adaptar a essa fase, sem deixar de atender o primogênito, envolve equilibrar a emoção e a razão, observar se os sentimentos de culpa, insuficiência etc estão justificados em fatos ou se são fruto do medo de errar. Pois autoavaliações equivocadas e de contexto podem nos fazer coisas de maneira prejudicial ao crescimento de todos da família. Neste sentido fazer planejamento de atividades e de tempo de qualidade com o primogênito passa a ser fundamental.
Stella Azulay – Quando um bebê chega em casa, toda rotina muda, assim como foi com o primeiro filho. Também as atenções e cuidados acabam sendo voltadas, a maior parte do tempo, para o bebê, por questões de necessidades óbvias. Para se adaptar a essa nova fase sem deixar de atender as necessidades do primogênito, é muito, mas muito importante se organizar para que o mais velho tenha tempo de qualidade com os pais, com horários exclusivos para ele. Façam algo divertido. E obviamente é preciso muita conversa. Mostre que cada um tem um lugar especial na família.
Aventuras Maternas – Como os pais podem garantir que o filho mais velho não se sinta deixado de lado após o nascimento do novo bebê, especialmente nos primeiros meses?
Priscilla Montes – Para que o mais velho não se sinta deixado de lado é importante entender que ele também é parte integrante deste processo, e dar a ele pequenos momentos de interação sozinho com um dos cuidadores. Para que ele saiba que a chegada de um bebê não significa que ele perderá o seu lugar na família, onde todos são importantes.
Ricardo Vieira de Carvalho Davids – A garantia nunca vai existir, por mais preparada que a família e os pais estejam. Alguma incerteza estará sempre presente e a maior parte deste manejo será construído no dia-a-dia. Frustração e sofrimento é parte da vida para todas as idades.
Patrícia Peixoto – Deixar que ele seja o primeiro a saber e fazer com que ele seja o portador da notícia para família e amigos, além de incentivos para que ele ajude a cuidar do bebê, como passar um tempo juntos, auxiliar na escolha de roupas, brinquedos e outras atividades que façam a criança relacionar o irmão a algo feliz. Além disso, continuar atendendo as expectativas já criadas pelo filho antes da notícia de que ele terá um irmão: manter a atenção e ser compreensivo.
Aventuras Maternas – Quais são as melhores estratégias para minimizar o ciúme entre irmãos? Como é possível cultivar um bom relacionamento desde o início?
Priscilla Montes – Aqui está o ponto chave do relacionamento entre irmãos: não depositar nessa relação a obrigatoriedade deles se amarem, mas, sim, se respeitarem! E é aqui que normalmente erramos pois depositamos expectativas desalinhadas nessa relação por acreditar que eles são obrigados a se amarem e se darem bem. É óbvio que este é o melhor cenário, mas, quando depositamos nessa relação diariamente esta obrigatoriedade, acabamos mais atrapalhando do que ajudando. Quantos mais respeitarmos os limites individuais de cada um e funcionarmos como coadjuvantes e não protagonistas mais estas relações tendem a ser melhores.
Ricardo Vieira de Carvalho Davids – Primeiro, cultivar afeto de qualidade desde o início, construir qualidades em conjunto, promover cooperação e apoio mútuo e relações de confiança. Trabalhar um relacionamento de casal construtivo e próspero, onde exista aceitação e resolução de problemas dentro de um otimismo realista também é algo que ajuda as crianças a cultivar melhores relacionamentos desde o início, pois elas aprendem a se relacionar também ao observar os pais a resolverem seus problemas.
Aventuras Maternas – Como a mãe pode se preparar emocionalmente para o desafio de ter dois filhos, especialmente em relação à divisão do tempo e do cuidado?
Priscilla Montes – Esta é a pergunta de milhões pois, em uma sociedade ainda muito patriarcal, com muitas mães solos, com muitas mães sem rede de apoio e sobrecarregadas, sabemos que é muito difícil e exaustivo dar conta de tudo mas, aqui está o ponto em questão. Não somos seres humanos que nascemos para dar conta de tudo, isto é algo que a educação tradicional nos fez acreditar. Então deixe os pratinhos das demandas menos urgentes caírem e tente focar ao máximo em você primeiro e depois na qualidade da relação com as crianças.
Ricardo Vieira de Carvalho Davids – Principalmente com aceitação radical de que a maternidade perfeita não vai existir, todos irão falhar em alguns aspectos, porém ter em mente que apesar disso os acertos são muitos. Uns dias uma criança precisa de mais tempo e cuidado, em outros dias outra criança demanda mais cuidados. Importante se ater ao que elas precisam, mais do que aquilo que acreditamos ser o ideal para eles, ás vezes uma criança valoriza uma coisa rápida e pequena, se sente feliz com isso e a mãe não se da conta e se culpa, pois acha que não faz o suficiente, em outros momentos pode se sentir sobrecarregada ou desleixada por não conseguir atender alguma demanda. Algum planejamento e rotina é possível sim, ter isso ajustado em família é uma excelente ajuda e diminui a sensação de descontrole do dia a dia.
Patrícia Peixoto – A mãe deve estar ciente de que vai precisar dividir sua atenção entre duas pessoas que exigem seus cuidados e preocupações. Portanto, é preciso se organizar psicologicamente para atender essa nova realidade. Tratar o filho mais velho como um ouvinte e dividir a experiência com ele através de conversas e momentos a sós pode ser uma boa alternativa para a criação de um ambiente saudável e emocionalmente estável. É importante observar que uma das emoções que acabam surgindo no irmão mais velho é a raiva – ele se torna mais agressivo com os familiares e com o irmão mais novo.
Stella Azulay – É crucial que a mãe preveja as mudanças na rotina e se organize antecipadamente. Uma rede de apoio vai ter que entrar no circuito. Delegar sem culpa é imprescindível, porque essa mãe precisa se cuidar também. Então, organizar quem vai buscar e levar o mais velho na escola, se ele já estiver indo, pensar em como organizar as refeições diárias da família. Prestar atenção quando se sentir sobrecarregada e pedir ajuda. A culpa é inimiga do bem-estar da mãe. Tenha ciência de que não existe nada mais importante para um filho do que uma mãe saudável e feliz.
Aventuras Maternas – Quão importante é manter um diálogo aberto com o filho mais velho sobre a chegada do irmão? Há algo que os pais devem evitar dizer ou fazer durante essa conversa?
Priscilla Montes – O diálogo aberto traz a sensação biológica de pertencimento e segurança para qualquer criança e eles já nascem com essa expectativa. Isso é uma necessidade emocional, portanto, independentemente de haver a chegada de outro irmão ou não a necessidade de se vincular e pertencer é uma necessidade básica e essencial para a construção da saúde emocional das crianças. Acredito que, além de conversas honestas, o que de mais eficaz podemos fazer é ter uma escuta ativa, ou seja, OUVIR sem interrupções, sem querer consertar os sentimentos, sem julgamentos ou críticas. Apenas estar presente para ouvir e ser colo.
Aventuras Maternas – Como os pais podem criar expectativas realistas tanto para o filho mais velho quanto para si mesmos em relação à nova rotina familiar?
Priscilla Montes – Entender que vocês, pais, não são responsáveis por fazer esta relação dar “certo”. Vocês são responsáveis por preencher as necessidades básicas e emocionais de cada criança como indivíduo e proporcionar um ambiente de segurança, amor e acolhimento. Quanto mais respeitarmos as individualidades de cada um, os seus desejos e quereres, os seus sentimentos e respeitá-los mas, esta relação tende a ser positiva e com bases sólidas.
Iara Souza – Para o filho mais velho, explicar as mudanças de forma simples: Falar sobre como algumas rotinas podem ser ajustadas, mas garantindo que ele ainda terá atenção e momentos especiais. Enfatizar o papel de “irmão mais velho”: Destacar suas novas responsabilidades, como ajudar em pequenas tarefas, mas sem pressioná-lo a “crescer” rápido demais. Evitar promessas de igualdade de atenção: Ser honesto sobre o fato de que o bebê demandará mais cuidados, mas que isso não diminui o amor e o tempo que ele também terá. Já para os próprios pais, aceitar limitações pessoais. Reconhecer que é impossível estar 100% presente para ambos os filhos ao mesmo tempo, e que tudo bem priorizar as demandas mais urgentes. Adotar uma mentalidade de flexibilidade: Entender que haverá dias mais caóticos e momentos em que ajustes serão necessários para manter a harmonia familiar. Celebrar pequenas conquistas: Valorizar pequenos progressos e momentos de conexão, em vez de tentar “fazer tudo” de uma só vez.
Stella Azulay – Criar expectativas realistas é simplesmente não criar expectativas. Sou mãe de 4 e posso garantir que cada filho é muito diferente do outro e cada filho é uma caixinha de surpresas. Nosso papel é buscarmos conhecimento, apoio, para fazermos nosso melhor e nosso melhor tem suas limitações. Seja flexível com qualquer planejamento de uma nova rotina e não se culpe se as coisas saírem do controle em dado momento. Respire e retome as rédeas, sabendo que é impossível dar conta de tudo, que não existe mãe perfeita e que nada será igual ao que era antes.
Ricardo Vieira de Carvalho Davids – Podem se encontrar e conversar com pessoas que já vivem ou viveram um momento parecido, podem pesquisar acerca do tema em artigos acadêmicos na internet. Do ponto de vista prático: cultivar relacionamento positivos e transparentes entre os membros da família pode abrir a porta para a percepção ajustada da expectativa, pois fazer exercícios de reflexão acerca do que já viveram até o momento enquanto família, o que está bom, o que quer preservar, mudar, sem julgamento moral e buscar a resolução de coisas que podem ser antecipadas de alguma forma é sempre fundamental e aproxima as expectativas daquilo que pode ou não pode ser executado. Manter-se aberto a mudança que é sempre constante também é essencial.
Aventuras Maternas – De que forma é possível ajudar o primogênito a ressignificar o seu papel na família após a chegada do irmão, sem que ele sinta uma perda de importância?
Patrícia Peixoto – A participação dele no processo de gravidez e no crescimento do novo irmão é determinante para a construção de uma relação saudável. Ele precisa sentir que se tornou tão responsável quanto os pais, mas os responsáveis não devem obrigá-lo em nenhuma etapa – tudo deve ser natural e incentivado positivamente. Também é importante destacar as qualidades do filho mais velho.
Iara Souza – Vale destacar as conquistas individuais e continuar celebrando as habilidades e os progressos do mais velho, mostrando que ele é admirado e valorizado por ser quem é, independentemente do irmão. Também é importante valorizar o papel dele no vínculo entre irmãos. Mostrar como sua presença e carinho ajudam o bebê a se sentir mais confortável e feliz, destacando o impacto positivo que ele tem na nova dinâmica familiar.
Stella Azulay – Faça-o se sentir importante. Ressalte as qualidades e habilidades dele. Mas não esqueça que ele precisa de amor, carinho e atenção, da mesma forma que o bebê recém-chegado. Sem exageros porque senão ele se torna o Imperador da casa. Mas com calma e consciência. Aceitando reações inesperadas. E converse, converse e converse. O diálogo é a ferramenta mais poderosa para desenvolver filhos confiantes e saudáveis emocionalmente.
Em tempo: A literatura pode ajudar nesse momento, como em “Zazalana”, da escritora Kate Amaral, educadora parental especializada em Disciplina Positiva e Neurociência, que conta a história de Cleo, uma criança muito brincalhona com uma lista de desejos. Um deles, que se concretiza no decorrer da história, é o de ganhar uma irmã. Mas, com a chegada de Samara, mudanças acontecem na vida de Cleo. Kate escreveu este livro a partir de vivências da própria infância e de relatos de pais e filhos com quem convive no dia-a-dia de seu trabalho como especialista em Disciplina Positiva e Neurociência. A autora acredita que os desafios que se apresentam com a chegada de um irmão ou irmã podem ser enfrentados com a educação parental respeitosa, uma das bases da Disciplina Positiva. O livro, que tematiza um momento de mudança na vida familiar e proporciona, através da leitura compartilhada, oportunidades de reflexão e crescimento, é um convite para que, a partir da leitura, pais e cuidadores abordem a chegada de um novo membro na família, utilizando ferramentas da Disciplina Positiva e da Neurociência. Como complemento ao texto ficcional, a autora criou um roteiro com sugestões de trabalho para pais e cuidadores, composto de atividades lúdicas e reflexões a serem feitas pelo núcleo familiar, além de uma orientação sobre como a história pode ser contada.