As luzes de Natal piscam, as músicas festivas ecoam, e as crianças aguardam ansiosas pelas férias. Para muitas mães, porém, o fim do ano é sinônimo de um turbilhão de tarefas: organizar festas, equilibrar o orçamento com os custos extras e gerenciar a rotina familiar em meio à pressão de manter tudo perfeito. É um período de celebração, mas também de sobrecarga.
E para as mães solo, o peso pode ser ainda maior. Afinal, muitas delas assumem sozinhas o planejamento e a execução de tudo — da ceia aos passeios de férias —, enquanto enfrentam desafios financeiros e emocionais típicos desta época do ano. Como equilibrar a magia das festas com o autocuidado e uma gestão mais leve dessas demandas? A coluna de hoje busca trazer respostas e acolhimento para todas as mães, sejam elas solo ou não, que se sentem sobrecarregadas no encerramento do ano.
Um desafio a mais
A chegada do final de ano é turbulenta para a maioria das famílias com crianças. Mas para as mães ela é especialmente desafiadora. Priscila Sandri, que é mães de cinco crianças – Caio, Ícaro, Antonella, Diego, de 6 anos, e Catarina, de 8 -, conta que, com os filhos de férias, a rotina se intensifica, já que precisa planejar atividades criativas para entretê-los; lidar com as demandas constantes, como a vontade deles de comer o tempo todo; se esquecer das compras e preparativos típicos da época. “A tarefa mais desafiadora no final do ano é encontrar equilíbrio entre o planejamento financeiro, a organização das festas e os cuidados com as crianças, tudo isso em meio à correria e às expectativas que essa época traz”, comenta. No caso dela, às vezes, ela divide as responsabilidades de fim de ano com outros membros da família. “Quando possível, as avós ajudam distraindo as crianças, proporcionando atividades diferentes e divertidas para elas. Costumamos descer com mais frequência para a quadra ou para brincar com no parquinho. Dependendo da minha disponibilidade e organização, também aproveitamos a semana para fazer algum passeio enquanto o papai está no trabalho, garantindo momentos especiais e cheios de diversão”. Mas Priscila também lembra algo muito importante: é nesse cenário caótico que a família busca dar sentido à data, criando memórias afetivas que educam, fortalecem os laços familiares e fazem todo esforço valer a pena. “Sempre amei o Natal: a época, as decorações, o clima de alegria. No entanto, com o passar do tempo e a perda de familiares, a disposição e a vontade de manter as tradições acabam diminuindo. Ainda assim, esforço-me para ressignificar essa data, tornando-a mágica e inesquecível para as crianças. Montar a árvore de Natal, embora seja trabalhoso e fique montada por pouco tempo, é uma tradição que mantenho, pois faz parte desse encanto que quero preservar para elas”, pontua.
Flavia Souza, mãe de uma pequena de 4 anos, a Fiorella, conta que se sente apreensiva e com medo de não dar conta de tudo, mas também olha para o ponto de vista de criar memórias afetivas para a filha, seja inventando brincadeiras, quando decora a casa para o natal, na organização das malas para viajar, passeando, na visita aos familiares e outras atividades prazerosas que a menina vai se lembrar no futuro. “Mesmo com apenas quatro anos, ela já lembra de coisas que aconteceram no natal do ano passado. Então, acho muito importante e especial esse período para o desenvolvimento dela”, esclarece. Para ela, as principais preocupações são os gastos excessivos e falta de tempo para o trabalho e o autocuidado, como relaxar, tomar um banho com calma, comer com calma, ter um tempo para ler um livro etc. Além disso, a expectativa de agradar a todos também acaba pesando às vezes. “Acredito que a mulher é um alicerce muito forte e importante na casa e na construção do imaginário das crianças. Somos um alicerce emocional para as crianças também, eles precisam nos ver bem, fortes e seguras para elas se sentirem bem, fortes e seguras também. Então, por isso, valorizo os meus momentos de descanso e autocuidado para poder oferecer todo esse arcabouço emocional para a minha filha quando ela precisar.
Já Stella Wilderom, que é mãe de Aurora e David, conta que, como não tem rede de apoio próxima no dia a dia, ela e o marido se dividem em termos de agenda e disponibilidade para dar conta da casa, compromissos profissionais e das crianças. “É bem desafiador e demanda uma parceria enorme nossa em cada um saber o quanto precisa ceder de tempo, para que o outro possa fazer o que precisa. E, quando tudo mais falha, acabamos optando por contratar ocasionalmente algum serviço de babá para nos dar cobertura”, comenta. Mas ela lembra de algo fundamental, que todas as mães devem ter em mente: seja gentil com você mesma. “Depois que me tornei mãe, me tornei mais gentil com as cobranças e, mesmo que algo não saia como eu queria ou esperavam de mim, tento não levar para o pessoal porque é muito difícil conseguir equilibrar todos os pratos, ainda mais no meu caso que sou empreendedora e mãe de crianças pequenas, o que gera uma série de imprevistos que nem sempre conseguimos controlar. Hoje vivo mais em paz com o “fiz o que pude””, avalia.
Para Karen Miura, que também é mãe de cinco – Enrico, Leonardo, Rafaela, Eduarda e Marcela, com idades que variam de 4 a 26 anos -, o final do ano é o melhor momento do ano. “É um momento em que eu posso parar para refletir, visualizar o que deu certo e o que eventualmente eu vou poder ajustar e ter a oportunidade de fazer ainda melhor no ano seguinte. É o momento em que eu sei que as crianças vão poder sair de férias e que eu vou estar preparada e organizada para curtir com elas, porque a gente merece ficar juntas depois de um ano inteiro de tanto trabalho e estudo”, diz. Além disso, ela conta que, em sua família, as responsabilidades de fim de ano são divididas com todos. “Não só as atividades de fim de ano. Aqui em casa eu brinco que filho é o workforce, é força de trabalho. Todos me ajudam, todos nos ajudamos, todos aqui participam de todas as organizações, desde o enfeite da árvore de Natal, até a questão da preparação da alimentação para a ceia, receber os convidados, organizar os presentes embaixo da árvore, ajudar na hora do Amigo Secreto. Eu sinto que ficam mais felizes ainda em fazer parte. Como isso é uma cultura aqui na nossa família, em que todos têm as suas responsabilidades e as suas atividades, eles não se sentem me ajudando, sentem de fato parte daquele cenário, daquela festa e daquela organização. Eu sinto que assim vivenciam melhor o momento que fazem parte”, complementa.
Diante de tantos depoimentos que mostram essa exaustão de fim de ano para as mães, fica a pergunta: o que ajudaria a tornar esse período menos sobrecarregado? Para Flavia, dividir as tarefas com os familiares e falar sobre o tema para gerar soluções seria uma boa ideia. Para Priscila, uma solução seria a oferta de colônias de férias para as crianças, além de garantir que todas as mães pudessem tirar férias alinhadas com as dos seus filhos. Já Stella acredita que o período de encerramento de aulas e festas de final de ano serem em épocas próximas acaba sendo um desafio para agenda e recursos (tempo, financeiro, mental) de todas as mães. “Possivelmente, se as aulas e todo o ritual que isso envolve terminasse em novembro ou se fizessem os eventos em janeiro – talvez – ajudasse um pouco, mas ainda tenho dúvidas”.
Entendendo a sobrecarga
Embora a maioria das mulheres absorva uma quantidade de tarefas muito maior que os homens, a palavra sobrecarga muitas vezes é romantizada, muitas vezes pelas próprias mulheres. Mas isso preciso mudar. Afinal, ninguém consegue lidar com tantas tarefas, sem que isso impacte de alguma forma no dia a dia. E quando se fala em fim de ano e mães, essa sobrecarga pode ser ainda maior.
Para a psicóloga Cristiane Pertusi, a sobrecarga materna no fim de ano geralmente resulta do acúmulo de tarefas práticas e emocionais. “As mães assumem responsabilidades como organizar festas, comprar presentes, decorar a casa, planejar viagens e gerenciar as expectativas emocionais da família. Além disso, elas lidam com a “carga mental invisível”, que é o constante planejamento e tomada de decisões. Para muitas mulheres, isso acontece em um período já carregado de trabalho e fechamento de projetos, intensificando o cansaço físico e emocional”, explica. Ela pontua, ainda, que a idealização de um “Natal perfeito” e férias impecáveis coloca uma pressão excessiva sobre as mães. “Essa expectativa muitas vezes é alimentada pelas redes sociais, que mostram apenas momentos idealizados, repletos de filtros não condizentes com a realidade . Quando as coisas não saem como o planejado, isso pode gerar um sentimento de fracasso, frustração e até autoquestionamento. Muitas mães sentem que são responsáveis pelo bem-estar e pela felicidade de todos, o que gera um peso emocional imenso, deixando pouco espaço para atender às próprias necessidades, deixando, muitas vezes, o autocuidado de lado”, complementa.
A também psicóloga Iara Souza lembra, ainda, como a expectativa de um “Natal perfeito” e de férias inesquecíveis pode afetar a saúde mental das mães. “As principais consequências podem ser ansiedade e frustração. Quando o foco está apenas em atingir um padrão ideal, a mãe pode sentir que nunca faz o suficiente. Isso prejudica a experiência das festas e transforma momentos que deveriam ser de alegria em fonte de estresse”, alerta. Outro sentimento bastante comum entre as mães nesse período é a culpa. “Muitas mães sentem que precisam dar conta de tudo e, como não conseguem, a culpa aparece. Esse sentimento de inadequação é reforçado pela comparação com o que vemos nas redes sociais ou com famílias que parecem ter tudo sob controle”, complementa Iara.
Para mães solo, o acúmulo de tarefas e a falta de suporte podem intensificar ainda o estresse nessa época. Petrusi lembra que elas enfrentam desafios únicos, já que muitas vezes não têm com quem compartilhar as responsabilidades financeiras, práticas e emocionais. “Isso faz com que o fim de ano se torne um período ainda mais desafiador e “pesado”. Além disso, o isolamento social pode intensificar sentimentos de solidão e esgotamento. Sem suporte adequado, seja de familiares, amigos ou da comunidade, elas correm um risco maior de exaustão física e emocional, o que pode afetar a qualidade dos momentos festivos e o vínculo com os filhos”, enfatiza.
Apoiando mães atípicas
Para as mães atípicas, esse também é um período de muitos desafios, mas alguns um pouco diferentes: “O final do ano, por ser época de Natal e Ano Novo, traz muitos sentimentos para as famílias atípicas, pois muitas vezes é quando pensamos em como foi nosso ano, o que esperávamos dele e o que de fato aconteceu. Também traz memórias afetivas de outras épocas de nossas vidas, fazendo com que as pessoas fiquem mais sensíveis. Tudo isso somado ao fato de que nesses encontros de família nem sempre o ambiente será acessível para as necessidades de seus filhos e poderão ocorrer comentários desagradáveis, gerando grande desgaste emocional, principalmente nas mães. Toda quebra de rotina também pode ser bastante desafiadora, uma vez que tudo precisará ser recalculado e pensado para que seja possível viajar, por exemplo, ou curtirem as confraternizações em ambientes que não os seus. Além do desgaste emocional, as famílias podem passar por momentos de ansiedade e estresse que devem ser encarados como situações passageiras e que poderão ser amenizadas, se for possível uma organização prévia desses momentos”, enfatiza Mariana Sotero Bonnás, psicóloga referência no atendimento de mães atípicas.
Para acolher famílias atípicas, é muito importante que as pessoas perguntem quais são as necessidades para poderem se adequar na hora de preparar o evento. Também é necessário que o anfitrião comunique caso tenha alguma dificuldade, seja o ambiente ou alimentação, e peça ajuda para fazer isso da melhor maneira. “Quando falamos em incluir todos, não significa que a pessoa terá que adivinhar as necessidades de cada um e sim que ela pergunte qual a melhor maneira de incluir cada pessoa que irá participar. Assim, as mães se sentirão acolhidas e saberão que sua presença é importante para aquelas pessoas”, comenta Mariana Sotero Bonnás. E complementa: “A melhor forma de apoiar uma mãe atípica neste final de ano é perguntando como pode ajudar. Muitas pessoas não sabem o que fazer e também ficam com medo de perguntar. Não tem como saber como ajudar se não perguntar. Ainda corre o risco de fazer algo desnecessário ou que até atrapalhe. Então, a melhor coisa é: pergunte como ajudar”.
Abaixo, Mariana dá algumas dicas práticas para quem vai receber uma família atípica durante as festas.
1 – Pergunte quais são as necessidades específicas de cada um;
2 – Se não souber como adequar alguma coisa, peça ajuda;
3 – Sempre que for fazer algo na confraternização, pense como todos poderão participar, mesmo que necessitem de suportes diferentes para isso;
4 – Não tenha receio de dizer que não sabe como incluir, não tem como aprender se a pessoa não se abrir para isso;
5 – Demonstre que você faz questão de que todos estejam presentes e participem e por isso que se preocupa em saber qual a necessidade de cada um.
Direto ao ponto
A seguir, Cristiane Pertusi, Iara Souza e Mariana Sotero Bonnás respondem algumas questões e dão dicar sobre como aliviar essa sobrecarga de final de ano para que as mães possam se sentir menos cobradas.
Aventuras Maternas – Existe uma relação entre o aumento da carga mental no fim de ano e o sentimento de culpa ou inadequação?
Cristiane Pertusi – Sim, e essa relação é direta. A carga mental, que inclui tudo o que a mãe precisa lembrar e planejar, muitas vezes não é reconhecida pelos outros. Isso pode levar à sensação de que a mãe não está fazendo o suficiente, especialmente, quando as coisas não saem conforme o esperado. Essa culpa pode ser ainda maior para aquelas que já enfrentam desafios emocionais, como traumas ou dificuldade em estabelecer limites, tornando o período ainda mais exaustivo e cansativo.
Aventuras Maternas – Que estratégias as mães podem adotar para dividir as responsabilidades e evitar o esgotamento emocional?
Iara Souza – Delegar é essencial. Como estratégia, incluir o parceiro, familiares ou até mesmo os filhos nas tarefas pode aliviar a carga. Estabelecer prioridades, definir o que realmente importa e simplificar as atividades também ajuda. Nem tudo precisa ser perfeito — o que vale é o afeto.
Aventuras Maternas – Como as mães podem equilibrar a pressão social por celebrações grandiosas com a necessidade de autocuidado?
Iara Souza – É preciso que as mães reconheçam seus limites e coloquem o autocuidado como prioridade. Às vezes, dizer “não” ou adaptar os planos pode ser libertador. É importante lembrar que o mais valioso é a conexão emocional com a família, não os detalhes da festa.
Aventuras Maternas – Quais sinais indicam que a sobrecarga está afetando a saúde mental e física de uma mãe?
Mariana Sotero Bonnás – Os principais sinais são: cansaço extremo, falta de vontade de fazer coisas que antes gostava de fazer, sentimento de tristeza na maior parte do tempo, dores no corpo e sono em excesso ou insônia. As mães não precisam apresentar necessariamente todos eles, mas se estiver com pelo menos 2 deles é sinal de alerta é importante buscar ajuda profissional.
Aventuras Maternas – De que forma o diálogo com a família pode ajudar a aliviar a carga de trabalho no fim de ano?
Cristiane Pertusi – O diálogo é uma ferramenta poderosa para alinhar expectativas e distribuir responsabilidades. Muitas mães se sentem sobrecarregadas porque não comunicam o que precisam, acreditando que o “outro deveria perceber”. Ter conversas abertas e empáticas com a família, envolvendo todos na organização das celebrações, não apenas alivia a carga, mas também promove um senso de união e colaboração.
Aventuras Maternas – Como a sociedade pode apoiar melhor as mães — especialmente as solo — durante o período de festas?
Cristiane Pertusi – É necessário promover redes de suporte que reconheçam e aliviem a sobrecarga enfrentada por mães. Família, amigos ou vizinhos podem oferecer ajuda prática, como cuidar das crianças ou compartilhar refeições, às vezes, centros comunitários possuem ajuda especializada. Empresas também podem ser mais sensíveis, oferecendo horários flexíveis e apoio emocional. A sociedade como um todo precisa normalizar a ideia de que as mães não precisam fazer tudo sozinhas, especialmente aquelas que não têm suporte de um parceiro.
Iara Souza – Primeiro é importante ressaltar que ‘apoiar’ significa oferecer ajuda prática, como cuidar das crianças por algumas horas, compartilhar tarefas ou simplesmente ouvir com empatia. Políticas públicas que promovam suporte financeiro e psicológico também são cruciais para reduzir a desigualdade de carga.
Aventuras Maternas – O que você sugere para ajudar mães a lidarem com a culpa por não conseguirem atender todas as demandas?
Iara Souza – Acredito que o principal seja colher a própria vulnerabilidade. Nenhuma mãe precisa ser perfeita, o mais importante é estar emocionalmente presente. Reforce para si mesma que o valor das festas está nos momentos compartilhados, e não no cumprimento de expectativas irreais. Praticar a autocompaixão é essencial.
Exercícios práticos para as mães, por Cristiane Pertusi.
1. Crença limitante: “Eu preciso dar conta de tudo sozinha para ser uma boa mãe.” Substituição positiva: “Dividir responsabilidades é um ato de amor comigo mesma e com minha família.”
2. Crença limitante: “Se algo der errado, significa que eu falhei como mãe.” Substituição positiva: “Momentos imperfeitos fazem parte da vida e não diminuem meu valor como mãe.”
3. Crença limitante: “Meus filhos só vão se lembrar do que eu não consegui fazer.” Substituição positiva:”Meus filhos vão lembrar do amor e do esforço que dediquei, não de detalhes irrelevantes.”
4. Crença limitante: “Se eu não atender a todas as demandas, estou sendo egoísta.” Substituição positiva:”Cuidar de mim mesma é essencial para cuidar bem dos outros.”