“Lata d’água na cabeça, lá vai Maria, lá vai Maria. Sobe o morro e não se cansa, pela mão leva a criança…” Há setenta anos, a cantora Marlene eternizava em sua voz o momento histórico e o trabalho árduo da mãe carioca, que subia o morro com uma lata d’água na cabeça para a higiene de sua família.
Os tempos passaram, a famosa Rainha do Rádio já faleceu, assim como inúmeros artistas que marcaram época e foram fundamentais para conquistar mudanças em suas gerações. Divas, ídolos, ícones da música e do teatro nacional que conquistavam o público tornavam sonhos possíveis e pareciam eternos enquanto viviam.
Mas, em um século 21 tão veloz, com tecnologias na palma das mãos e tantos famosos efêmeros, será que ainda há espaço para valorizar artistas do século passado? Será que as crianças de hoje ainda têm a oportunidade de conhecer Chiquinha, Elis, Raul, Dalva, Marlene, entre outros artistas que deixaram seus nomes gravados no coração de gerações passadas? E mais: qual é a importância de conhecê-los para essas gerações mais novas?
Hoje, na coluna, vamos falar sobre o valor de tornar a memória desses nomes viva e de que forma as crianças podem ter acesso à cultura brasileira de tempos que antecederam smartphones e YouTubers.
VAMOS VIAJAR NO TEMPO?
Em tempos de podcasts, pode parecer meio antiquado falar sobre a Era do Rádio, mas a verdade é que as emissoras tiveram uma importância enorme na formação da nossa sociedade – antes da TV, inclusive, era por esse veículo que as pessoas se informavam, se divertiam e ‘encontravam companhia’ em qualquer hora do dia. Mas o papel das rádios ia além disso: elas eram o principal canal de difusão da cultura no início do século passado. Não é exagero dizer, inclusive, que gerações inteiras se moldaram musicalmente com os programas de rádio, principalmente da Rádio Nacional, e que boa parte da música brasileira que conhecemos hoje tem raízes nesses programas e nos interpretes – especialmente as mulheres – que se apresentavam nessa época.
Idealizadora do projeto “Elas por Ela – As Rainhas do Rádio por Mona Vilardo”, que tem como objetivo levar para o palco as histórias da vida e carreira das divas que fizeram parte da época de ouro da rádio no Brasil, e autora do livro infantojuvenil “Dalva, minha vó e eu”, que conta a história da cantora Dalva e como ela e suas canções acompanharam sua vida, Mona Vilardo considera fundamental falar sobre cultura para as crianças e adolescentes.
“Na Grécia antiga, a música e a poesia faziam parte da criação de todo ser humano. Hoje, a sociedade vê a cultura mais como entretenimento do que como formadora de pessoas. E é preciso mudar esse pensamento”, diz.
Para ela, a cultura nos ajuda a enxergar o mundo de outras maneiras, não apenas apreciando o belo ou tendo consciência estética. “É, principalmente, aprender a olhar o outro com mais empatia, construir opinião, saber questionar. E o entretenimento vem junto disso, para divertir, mas também para ensinar”, conta, lembrando sobre os anos que trabalhou em uma escola, onde percebia a diferença entre as crianças criadas indo ao teatro e assistindo a concertos e filmes e as que não tinham esse acesso, fosse por falta de possibilidade ou interesse. “Crianças que se desenvolvem próximas à arte e à cultura são mais sociáveis e sabem enxergar melhor o mundo e o outro”, complementa.
E essa percepção sobre como a cultura é um divisor de águas na vida de crianças e adolescentes acabou incentivando Mona a ir além do projeto inicial sobre as cantoras de rádio, que já havia começado com o espetáculo “Mona canta Dalva”. Assim, surgiu a ideia de apresentar a vida e a obra dessas mulheres para os mais jovens por meio da literatura. “Quando lancei o “Elas por Ela”, em 2017, eu trabalhava como professora. Então, em 2018, quando fui para a Argentina, por acaso encontrei livros infantojuvenis sobre a Evita Peron e a Violeta Parra, duas figuras muito fortes para a cultura local. Achei interessante a forma como as publicações contavam sobre a vida delas para os mais jovens e mostravam a importância que tinham para o país”, explica.
Mona voltou ao Brasil, mas aqueles livros não saíram de sua cabeça. “Entendi ali, que com a narrativa certa, seria possível, sim, apresentar esses ícones do passado para os mais jovens, mostrando não apenas a importância cultural de suas obras, mas também como foram responsáveis por mudanças significativas na sociedade. Me dei conta, então, que no Brasil não tinha nenhum livro que falasse das mulheres do Rádio para o público infantil e aí tive a ideia de escrever “Dalva, minha vó e eu”, que conta a história da Dalva e como ela e suas canções acompanharam a minha vida e a da minha avó”, lembra.
“Hoje, mais do que nunca, vivemos em um mundo em que as coisas surgem e passam. E o Brasil ainda tem uma tradição de não cultivar as memórias dos artistas de outros tempos. Precisamos fazer esse resgate. As Divas do Rádio, por exemplo, são tão feministas quanto qualquer pessoa que luta por direitos hoje, sendo que elas fizeram isso em uma época muito mais difícil, quando a mulher tinha menos direitos. A vida de cada uma delas e a forma como se colocaram profissionalmente ensina muito sobre a conquista de direitos femininos e sobre as muitas portas que abriram para as artistas de hoje”, complementa.
A cantora e escritora, que estará na FLIP, falando da Era do Rádio, dia 26 de novembro, na Casa da Leitura e Conhecimento da Secretaria de Cultura do Estado, em breve, lançará outro livro voltado para o público infantojuvenil, “Marlene – a voz que se fez escutar “, sobre a também cantora Marlene, outro ícone da era de ouro do rádio no Brasil e uma das maiores estrelas da Rádio Nacional. O livro, que ainda não tem uma data certa para o lançamento – mas será em 2023 -, conta a história de Marlene, a potência artística que conseguiu se manter além do rádio, gravando e cantando um repertório muitas vezes inusitado.
“Marlene cantou Cazuza, Lulu Santos, Luiz Gonzaga, entre outros. Foi uma artista ímpar e uma mulher muito à frente do seu tempo. Saiu de casa escondida da mãe para vir para o Rio de Janeiro de trem e foi logo contratada pelo Cassino Icaraí”, conta. A história se passa em Niterói e é narrada para o leitor, como se fosse a própria autora contando para sua sobrinha a vida da cantora. “Escrevi esse livro com uma linguagem leve, fluida, para que todos possam acompanhar a trajetória dessa artista incrível e para que esse material se mantenha vivo para outras gerações. Teremos também um audiobook e uma plataforma que vão ‘esticar’ o conteúdo para além da narrativa no livro. Haverá, ainda, jogos com curiosidades sobre essa rainha do rádio de 1949”, explica.
PROJETOS EM UMA MESMA DIREÇÃO
Mona não está sozinha nesse engajamento para expandir a cultura. Outros artistas, como a dupla Palavra Cantada, e também autores de outros títulos seguem no mesmo caminho. Há, ainda, iniciativas como os espetáculos produzidos pelo projeto Grandes Músicos para Pequenos, inspirados na obra de importantes músicos brasileiros.
Para a empresária Grasiela Camargo, sócia da plataforma Clubinho de Ofertas, faz parte da educação que damos aos nossos filhos apresentar valores, histórias e referências da nossa cultura. “Quanto maior a experimentação e conhecimento para as crianças, maior é o repertório de possibilidades que se abrem para o futuro adulto. No Clubinho, além das histórias de contos de fadas, também adoramos apresentar ícones da nossa cultura brasileira para as crianças, como nos espetáculos do grupo Grande Músicos para Pequenos, que já contaram a história de Milton Nascimento, Gil e Caetano, Elis Regina, Elza Soares, entre outros. Nestes musicais, pais e filhos assistem juntos um pouco da história de vida e das músicas destes grandes ícones da cultura brasileira”, conta.
Com o objetivo de estimular o contato das crianças com os livros de maneira prazerosa, incentivando, desta forma, a leitura e ampliação do universo cultural dos pequenos, o Programa Semear Leitores, que é uma iniciativa da Fundação Bunge, tem parcerias com Secretarias de Educação e Instituições de municípios de 9 estados onde o programa está presente (RS, SC, PR, SP, MG, TO, MT, PA e BA) para implantar espaços lúdicos e acolhedores, projetados especialmente para facilitar o acesso aos livros – hoje, já são 33 espaços de leitura Semear Leitores.
De acordo com Claudete Pereira, comunicóloga e coordenadora de projetos sociais da Fundação Bunge, a educação cultural tem grande importância na formação de crianças e adolescentes, estimulando o desenvolvimento integral e a trazendo diversidade para o aprendizado desde a educação infantil. “No acervo Semear Leitores, temos diversos títulos que ajudam a inserir práticas culturais no cotidiano da criança e trazem uma pluralidade importante com temas como imigração e refúgio, música, poesia, contos e folclore, biografias que apresentam às crianças grandes personalidades e despertam o interesse por várias áreas do conhecimento. Na Fundação Bunge temos consciência do papel da educação e da cultura na formação de um país melhor”, explica.
Ela pontua, ainda, sobre a importância de apresentar clássicos da literatura para os mais jovens: “Eles trazem importantes reflexões sobre a nossa existência e continuam encantando crianças e adultos. O primeiro grande momento da literatura brasileira para crianças foi com Monteiro Lobato, entre as décadas de 1920 e 1940. ‘A Menina do Narizinho Arrebitado’, lançado em 1920, foi o primeiro clássico infantil do autor e deu início a uma série de personagens eternizados no Sítio do Picapau Amarelo. Falando de Machado de Assis, posso citar ‘Conto De Escola’, escrito em 1896, que é uma excelente introdução ao universo de um dos maiores escritores brasileiros. Ambos fazem parte do acervo Semear Leitores, ao lado de outros importantes clássicos de escritores e ilustradores brasileiros e estrangeiros como Lygia Bojunga, Tatiana Belinky, Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Eva Furnari, Clarice Lispector, Ziraldo, Edgar Allan Poe, Julio Verne, entre outros”, complementa.
Idealizado pelo músico e produtor musical Ney Marques, o Música Educa nasceu com o objetivo central de levar para o público infanto juvenil um recorte histórico da música, revisitando desde os clássicos até compositores populares e demonstrando o entrelaçamento que há entre os mais diferentes ritmos, musicalidades e sons dos instrumentos. O projeto apresenta a música por um ângulo bastante amplo por meio de uma descontraída apresentação capitaneada pelo Trio “Bandolim Elétrico”, formado pelo próprio Ney no bandolim elétrico, José Antonio Almeida no piano e Cassio Poletto no violino. Juntos, eles tocam trechos de diferentes melodias, tecem comentários e trazem curiosidades sobre a genialidade de compositores relevantes como Bach, Vivaldi, Pixinguinha, Luiz Gonzaga, Tom Jobim e Dodô e Osmar.
“O sentimento mais prazeroso que temos quando apresentamos esses compositores é sentir que as crianças e jovens estão totalmente abertos para aprender e assimilar o passado .Uma música que me surpreende quando tocamos é “Melodia Sentimental”, de Heitor Villa Lobos. Explicamos para as crianças que existem músicas para dançar, outras para se distrair e música para você fechar os olhos e escutar com a alma. E depois de falar isso, quando olho para a plateia, vejo que estão todas de olhos fechados imaginando coisas boas. E o que é ainda mais incrível é que, no final das apresentações, esse público vem conversar conosco sobre essa experiência”, conta Ney.
Ele complementa: “Em nosso projeto Musica Educa, mostramos para os mais jovens como era tocada uma música de Bach, com o som do Cravo , violino e bandolim. Depois mostramos um concerto de Vivaldi em que fizemos um arranjo em Hiphop. Grande parte da plateia se levanta e dança. Isso nos mostra que músicas que foram compostas há 300 anos atrás podem ser adaptadas para a nossa época com a ajuda da tecnologia de samplers e beats, dando a essas composições uma nova vida”.
E falar em musicalidade para os pequenos sem lembrar da Palavra Cantada, formada por Paulo Tatit e Sandra Peres, é quase impossível. Embora suas canções sejam, na maioria, autorais, a dupla já gravou “Leãozinho”, de Caetano Veloso, e “A Canoa Virou”, de Francisco Alves e Felisberto Martins. Para Paulo, a cultura é tudo de um povo. “A criança observa e se coloca no ambiente cultural que está em torno dela. Se o ambiente for só de enlatados americanos, séries violentas, ela absorverá tudo isso. Se o ambiente for de Palavra Cantada, Canal Ziz, Tiquequê, filmes construtivos, series bem humoradas, ela vai se formar num ambiente mais calmo”.
Ele, porém, acredita que colocar as crianças e adolescentes em contato com músicas e produtos ‘antigos’ é uma missão difícil. “Pode dar um resultado contrário do que queremos. Tem muita coisa ótima no mundo contemporâneo que pode ser oferecida. Os ‘clássicos’ são muito legais, concordo, mas devem ser uma opção da cada um essa viagem ao passado. O conteúdo de tudo pode ser pesquisado hoje em dia com facilidade, mas não acho que uma viagem ao passado, ou mesmo ao folclore, seja um objetivo natural. Claro que pode servir como curiosidade, um educador mostrar clássicos infantis. Cabe ao adulto, principalmente ao educador, conduzir a criança para coisas mais sensíveis e que façam sentido para elas”, comenta. Sim, não é uma tarefa fácil apresentar nomes e obras do passado, mas é um esforço necessário e que vale a pena. Afinal, o passado faz parte da nossa história, da nossa cultura e precisa ser reverenciado, lembrado e estudado.
AJUDINHA EXTRA
Abaixo, listamos alguns livros, espetáculos e álbuns que os pais e responsáveis podem usar para apresentar o tema.
“Dalva, minha vó e eu” – Mona Vilardo constrói toda a narrativa do livro, lançado pela Litteris Editora, com personagens, mulheres de diferentes gerações, que encontram na música a força para construírem a sua própria história. A relação da avó com a neta, permeada pelas canções e pela biografia de Dalva, tornam o texto atraente e trazem, para hoje, enredos de grandes personagens brasileiras. Sempre um desafio da contemporaneidade não apagar a memória do passado para seguir adiante e avançar nas conquistas do nosso tempo.
“Sambinha” – O musical de Ana Velloso conta a história do encontro casual entre Maria Luiza, menina típica da classe média, moradora da Zona Sul carioca, com Junior, um menino do subúrbio, conhecido em sua comunidade como ‘Sambinha’ por suas habilidades de dançar e cantar esse ritmo tão brasileiro. Por uma artimanha do acaso, Júnior vai parar na casa de Maria Luiza e, neste encontro, os dois se encantam um pelo outro e trocam experiências. Ele mora numa casa simples com quintal e árvores na periferia da cidade.
Ela, por sua vez, está sempre ‘conectada’, se comunicando com o mundo inteiro de dentro do seu quarto num apartamento em Copacabana. A partir da amizade que se estabelece entre as duas crianças, as suas famílias também passam a ser mais próximas e esse convívio proporciona a todos uma ampliação de horizontes. A partir das letras das músicas e do enredo simples, o espetáculo trabalha temas como respeito às diferenças, a riqueza da formação étnica do povo brasileiro, a importância da influência africana na nossa música e cultura, o orgulho de reconhecer nossas tradições.
O infantil deu início à premiada trilogia “Sambinha; Bossa Novinha – A Festa do Pijama e Forró Miudinho” e apresenta ao público infantil 16 sambas de importantes compositores que fizeram a história do gênero. Por meio da seleção de sambas de várias épocas e estilos, o espetáculo aproxima a criança e o jovem deste gênero musical, que é uma das expressões mais marcantes de identidade cultural brasileira. Atualmente, o espetáculo está no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio de Janeiro.
“A Menina do Meio do Mundo – Elza Soares para Crianças” – Quando era criança e nunca havia saído da favela de Moça Bonita (hoje Vila Vintém), no Rio de Janeiro, Elza Soares acreditava que as luzes das casas, carros e tudo mais lá embaixo eram estrelas. A menina carioca via seu morro cercado de estrelas por todos os lados, e era doida para descer e conhecer os astros de pertinho. E, quem sabe, se tornar ela mesma uma estrela? A história, contada pela própria artista, inspirou e guia o musical “A Menina do Meio do Mundo – Elza Soares para Crianças”. Com texto de Pedro Henrique Lopes, direção de Diego Morais, direção musical de Gabriel Quinto e Tony Lucchesi e coreografias de Viviane Santos, o espetáculo leva aos palcos a relação afetuosa entre Elza e sua mãe Rosária, os desafios na criação de uma criança com poucos recursos financeiros, a importância do afeto entre as pessoas, a finitude da vida e, principalmente, a valorização da mulher negra em uma sociedade regida por homens brancos.
Este é o sétimo espetáculo do projeto Grandes Músicos para Pequenos, criado com o objetivo de apresentar os grandes nomes da MPB para as novas gerações, em espetáculos que reúnem toda a família. Depois de Luiz Gonzaga, Braguinha, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Raul Seixas e Elis Regina, chegou a vez de Elza Soares ganhar sua homenagem. O objetivo do Grandes Músicos para Pequenos é apresentar a vida e a obra de importantes compositores para as novas gerações e promover o resgate da cultura brasileira através de espetáculos que envolvam toda a família em experiências inesquecíveis. Para saber onde há apresentações desses espetáculos, fique de olho na agenda de eventos da sua cidade.
Palavra Cantada – Música, brincadeira e educação andam juntas desde 1994, quando a Palavra Cantada começou a criar melodias, letras e arranjos originais, sempre com a preocupação de valorizar a cultura, os ritmos e os instrumentos brasileiros. Além dos shows, a dupla tem um canal no Youtube, onde sempre apresenta seus lançamentos.
“Ô Abre Alas”, de Duda Oliva (Coleção Gramofone, da Saíra Editorial) – Havia uma cidade cinza – como muitas que existem por aí –, onde gente pequena não podia fazer nada de que gente grande não gostasse: não podia cantar, não podia dançar, não podia usar roupas coloridas, não podia, às vezes, nem mesmo abrir as janelas de casa! Mas, um dia, um visitante muito estranho resolveu conhecer a tal cidade e achou que poderia ser uma boa levar dentro de sua capa uma ou duas notas musicais. Em um reencontro com os versos nostálgicos de Chiquinha Gonzaga, o livro conta a história de como a música, a dança e o riso podem levar um pouquinho de calor mesmo aos corações mais frios.
Com ilustrações em pastel seco e uma sinfonia crescente de cores, personagens curiosos e estranhos desfilam pelo livro para cantar à união, ao respeito, à liberdade e à folia. Mas quem foi Chiquinha Gonzaga? Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu no Rio de Janeiro em 1847 e depois foi apelidada de Chiquinha Gonzaga, mas poderia também ser “a pioneira” ou até “a corajosa”. Esses apelidos seriam justificados pela vida e, principalmente, pelas escolhas, pelas posturas e pelas atitudes que ela teve durante seus 89 anos de vida.
Chiquinha viveu em um período cheio de acontecimentos importantes na história brasileira e participou efetivamente de muitos deles. Viu de perto a Guerra do Paraguai, lutou pelo fim da escravidão e pela proclamação da República, além de participar ativamente do cenário artístico da capital carioca. Começou muito cedo a trabalhar, lecionando violão e integrando grupos com os principais músicos da época. Foi amiga admirada de vários, mas principalmente de Joaquim Callado, que é considerado o “pai do choro”. Compôs vários gêneros musicais da época, como maxixes, valsas, lundus e polcas, e também trabalhou musicando peças e operetas de sucesso.
Pioneira, foi a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil e a primeira a compor músicas para operetas populares. Foi em 1899 que fez a primeira marcha de carnaval brasileira: “Ô abre alas”. Com coragem enfrentou uma sociedade e um meio musical repleto de preconceitos e barreiras. Promoveu um concerto para cem violões – e vale lembrar que o violão era considerado por muitos um instrumento vulgar. Muitas vezes, em suas apresentações, usava vestidos que ela própria fazia! Às vésperas da Lei Áurea, comprou a alforria de um escravo chamado Zé da Flauta.
Sua música “Corta-jaca” foi tocada ao violão, no palácio do Catete, pela primeira-dama Nair de Teffé, o que escandalizou conservadores e oposicionistas ao governo do presidente Hermes da Fonseca. Em 1917, fundou, com a colaboração de outras pessoas, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, para defender os direitos de seus filiados. Essa foi outra importante contribuição de Chiquinha. Desfrutando de sucesso internacional, fez várias viagens pela Europa e apresentou-se em vários países. Ela se manteve ativa e produtiva ao longo de toda a vida e entrou para a história brasileira como uma grande compositora e personagem, misturando talento, pioneirismo e coragem.
Coleção Crianças Famosas, da Editora Callis – O objetivo da Callis é valorizar e recuperar o repertório cultural brasileiro e refletir a diversidade da cultura nacional, valorizando as tradições dos diferentes grupos de pessoas, os artistas de diversos movimentos e as personalidades que lutaram em caminhos diferentes para um país melhor e mais justo. Nesta coleção, é possível encontrar livros sobre ícones da nossa cultura, como Vinícius de Moraes, Cecília Meireles, Villa-Lobos, Chiquinha Gonzaga, Monteiro Lobato, Mario Quintana, Jorge Amado, Castro Alves, Cartola, entre outros.