“O bebê nasceu! Parabéns! E aí, está amamentando?”. “Tem leite suficiente?”. “Seu leite é fraco, você não vai conseguir”. “Que absurdo, não está amamentando? Desistiu fácil…”. Se tem uma fase na maternidade cheia de julgamentos é o aleitamento materno.
Seja em forma de elogios ou críticas, o juízo sobre a mãe que promove, ou não, o aleitamento exclusivo está sempre presente e cercado da palavra “autorresponsabilidade”, que aparece disfarçada como termo moderno para explicar a capacidade que cada um tem de cuidar das próprias escolhas, mas que traz em si mais uma carga de culpa e estresse para a recém-mãe.
A coluna de hoje traz um manifesto baseado na frase escolhida como tema para este Agosto Dourado: “Proteger a amamentação: uma responsabilidade de todos”, definida pela Aliança Mundial para Ação de Aleitamento Materno (WABA, em inglês).
“No tema deste ano, a WABA tomou como princípio que o aleitamento materno é um direito humano que precisa ser respeitado, protegido e cumprido por todos. Nós, da SBP, entendemos ser essencial a responsabilidade dos pediatras nessa missão de defender a amamentação, fazendo a diferença”, comenta Luciano Borges Santiago, presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (DCAM). Ele conta, ainda, que para ajudar a alcançar cada vez mais o aperfeiçoamento desses especialistas, a instituição, inclusive, está oferecendo um curso EAD de aleitamento, que já está em sua segunda turma, com foco na formação dos residentes.
Além do curso, o DCAM tem divulgado um material de extrema importância para seus associados, em que propõe dez passos para que os pediatras façam a diferença na promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno exclusivo até os 6 meses e complementada até pelo menos 2 anos – como reconhecer que a amamentação é a melhor forma de alimentação da criança pequena, sendo inigualável; ter uma visão ampliada da amamentação, acreditando que amamentar é muito mais que alimentar a criança; praticar o aconselhamento em todas as consultas envolvendo a amamentação, auxiliando as mulheres/famílias a tomarem decisões informadas; respeitar e apoiar as opções das mulheres, sem gerar culpas; acolher e confortar as mulheres que, por alguma razão, não amamentaram ou amamentaram menos do que o recomendado, entre outras.
RESPONSABILIDADE ALÉM DOS PEDIATRAS
Embora as pessoas normalmente associem a amamentação apenas à mãe e a busca de informações somente com pediatras, é preciso lembrar que esta é uma responsabilidade de todos que rodeiam o bebê. É função do pai e da rede de apoio próxima à mulher oferecer palavras de suporte, água, alimento, segurança, conforto, informação, momentos de descanso. E não para por aí. Tão importante quanto é também evitar frases e comportamentos de desencorajamento, que transformem o período inicial do puerpério – que já traz medos, dúvidas e uma enxurrada de hormônios -, num pesadelo para mãe e bebê.
Na minha experiência pessoal, minha rede de apoio, o suporte de equipe médica e a busca incessante por informações me possibilitaram duas experiências ótimas com meus bebês, mas ainda assim diferentes entre si. Meu primeiro filho mamava em livre demanda desde o início, mesmo sem ter vivenciado a chamada “Golden hour”, com aleitamento imediato ao sair da barriga. Já o segundo, que experenciou esse momento, teve perda de peso e não acordava para mamar, o que quase provocou o uso de fórmula precoce, por indicação da pediatra. Para equilibrar o problema, travamos uma luta diária para encontrar o nosso ritmo, o que só foi possível porque o suporte oferecido pelo meu marido e minha mãe era permanente. Ou seja, o esforço não coube só a mim, porque eu era a mamífera, coube à família. É como uma aldeia unida a favor da mãe e do bebê.
Infelizmente, nem todas as mães têm a mesma “sorte” que eu…
REDE DE ATENÇÃO É ESSENCIAL
Segundo o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani) do Ministério da Saúde, divulgado em 2020, os índices de aleitamento materno estão aumentando no Brasil. Das 14.505 crianças menores de cinco anos avaliadas entre fevereiro de 2019 e março de 2020, mais da metade (53%) continua sendo amamentada no primeiro ano de vida. Já entre as menores de seis meses, o índice de amamentação exclusiva é de 45,7%.
Embora os números mostrem um crescimento, é importante que mais e mais mulheres possam viver esse momento com seus filhos. E por isso essa rede de atenção e cuidado é tão essencial. Portanto, compartilho com vocês depoimentos de mães com diferentes histórias, que querem ser apoio para mulheres que estão começando este processo. Um verdadeiro abraço virtual com relatos e palavras de motivação.
DAIANA NAPOLEÃO, MÃE DA ANTONELLA, DE 1 ANO e 5 MESES
“Desde que soube da minha gestação, me preparei para a amamentação. Sempre ouvi muito sobre o desafio que é amamentar e seguimos com 1 ano e 5 meses nisso. Durante esse tempo, existiram vários. E, apesar de considerar a meu amamentar tranquilo, precisei de uma rede de apoio, precisei me doar. Não é fácil! A privação do sono foi o que mais me abalou, o cansaço físico mexe com o psicológico. Depois, com os primeiros dentes, veio também a primeira mordida, mas tudo era novo para nós duas, e assim sigo até hoje, aprendendo com a minha filha todos os dias, me doando e confirmando que sou a melhor mãe que ela poderia ter.
Falo para as futuras mães que esse universo é único para cada família, cada um tem sua realidade. Tenha uma rede de apoio, descanse sempre que puder, se doe. Amamentar é um ato de amor, alimentar seu filho é um ato de amor, o vínculo entre mãe e filho sempre existirá. Mas, caso não consiga amamentar, não se culpe, sempre seremos as melhores mães que nossos filhos poderiam ter”.
ISABEL LUDGERO, MÃE DO CALEB, DE 4 ANOS, E ISAAC, DE 2 ANOS E 11 MESES
(Crédito: Arquivo pessoal)
“Tive duas gestações e partos excelentes, mas amamentar foi meu maior desafio. Sempre tive esse sonho e me preparei para isso. Achava que seria fácil. Segui orientações de exposição ao sol, comprei pomada para rachadura, passei leite materno, bebia bastante água, mas nada adiantou. Meu primeiro filho chorava muito e vivia no peito. A opinião negativa de pessoas próximas atrapalhou ainda mais esse processo. Frases do tipo “seu leite é fraco”, “ele não alimenta o suficiente” me deixavam triste e desmotivada. Mas consegui superar essas e outras dificuldades com a ajuda da minha mãe, meu marido, pessoas amigas e de um excelente pediatra que me motivou e explicou a riqueza que é o leite materno.
Mesmo sabendo da importância do leite materno para o desenvolvimento do bebê, as opiniões externas acabam influenciando o nosso comportamento físico e emocional. Com uma rede de apoio, consegui superar as dificuldades e amamentei meu primeiro filho até 9 meses. Já o meu segundo filho foi uma experiência leve e prazerosa. Ignorei qualquer comentário negativo e amamentei em livre demanda de forma leve e natural. Deu tão certo que ele mama até hoje com quase três anos. Estamos em processo para o desmame, mas sem culpa e sem pressão. Aproveitamos intensamente essa aventura que é a maternidade e a amamentação.”
AGDA DIAS, MÃE DE AMORA, DE 5 ANOS
(Crédito: Arquivo pessoal)
“Minha filha nasceu de 27 semanas, pesando 760g. tive uma pré-eclampsia grave, síndrome de HELLP e precisei interromper a gestação com urgência. Foi uma situação muito difícil, porque ela corria muitos riscos, teve muitas intercorrências no CTI neonatal. Mas eu me apeguei na amamentação como a única coisa que poderia fazer naquele momento e no futuro. Durante quase três meses, quando começou a mamar em mim, eu mantive minha produção de leite com ordenha. Doava meu leite para ela e para os demais prematuros. Quando aprendeu a mamar, eu me internei com ela para desenvolvermos um ritmo de mamada no peito.
Foram 6 dias no hospital e, confesso, que pensei em desistir na primeira noite. Amora era um bebê que sempre recebeu leite por sonda, então não chorava de fome, não acordava pra mamar. Mas tive muito apoio da equipe do hospital e isso fez com que eu conseguisse. Ela teve alta com peito exclusivo em livre demanda e mamou até um ano e oito meses. Apesar de ter vivido momentos difíceis com a prematuridade, a amamentação me ajudou a me sentir mãe e a criar vínculo com a minha filha. Para as mães que estão passando por uma situação parecida, envio todo amor e força. O leite materno é essencial na saúde do prematuro. Amamentar um prematuro é possível!”
KELLY BESSA, MÃE DE DÉBORA, DE 3 ANOS
(Crédito: Arquivo pessoal)
“Amamentar, para mim, foi um ato de amor e resistência. Era meu sonho amamentar minha filha, exclusivamente no peito, mas eu já imaginava que esse momento poderia ser desafiador, uma vez que já convivi com outras mulheres em que o aleitamento materno foi difícil. O que eu não contava mesmo, e para minha surpresa, é que muitos pediatras não incentivam o aleitamento exclusivo, algo que aconteceu comigo. Nos primeiros dias de vida da Débora, ela simplesmente começou a perder peso, o que é considerado normal dentro de uma porcentagem, mas a pediatra não quis esperar e fez a introdução da fórmula. Ela não me deu outra alternativa. Não olhou a Débora mamando, não viu se a “pega” estava correta. Não indicou que eu fosse a um banco de leite para ser orientada. Fiquei totalmente sem chão, mas não desisti.
Li, pesquisei, troquei informações em grupos de mães até que contratamos uma consultora de aleitamento materno. Fizemos a relactação, que é uma técnica onde usamos uma sonda próxima ao bico do peito, por onde sai a fórmula e, ao mesmo tempo, o bebê suga o bico do peito, ajudando na produção do leite materno. Após quatro meses, Débora já estava ganhando peso e eu pude fazer a amamentação exclusiva, em livre demanda, sem a necessidade da fórmula. Não foi fácil e, por isso, digo que amamentar é um ato de amor e resistência. O sistema te conduz a não amamentar seu filho e, as pessoas que te cercam também. Quando a minha filha estava com um ano, as minhas amigas me perguntavam até quando eu iria amamentar, já que ela já estava tão grande, andando e nascendo dentes. Eu dizia sempre que, enquanto estivesse bom para nós duas, a amamentação aconteceria. Débora amamentou até um ano e dois meses porque tive mastite tardia. Abri meu coração e fiz o desmame”.
MARIELLE BLASKIEVICZ, MÃE DE HEITOR, DE 4 ANOS
(Crédito: Arquivo pessoal)
“Antes de ter filho e, mesmo grávida, sempre falava que não iria amamentar. Tinha vergonha, preconceito, sei lá o que eu tinha na cabeça. Mas depois que meu filho nasceu, quis saber tudo de amamentação, dava de mamar o tempo todo, depois tirava para mandar pra escola. Eu me apaixonei por esse nosso momento juntos. Quando parei de amamentar, até chorei. Todo mundo ria, porque eu era tão envergonhada e me transformei nesse período.
Priorizei a amamentação. Tive a sorte de encontrar uma pediatra que, na primeira consulta, dias após o parto, me falou: “tira a blusa que eu vou te mostrar” e isso fez toda a diferença. Ela ensinou como encaixar a boquinha, como cuidar do seio passando apenas o leite. Acho uma pena que, infelizmente, muitos médicos não façam isso. Partem logo para outra alternativa, como a suplementação. Até essa consulta, eu tinha muitas dicas soltas, digamos assim, mas nada tão direto e prático do começo ao fim da mamada”.
RAQUEL REIS, MÃE DE ERIC, DE 2 ANOS E UM MÊS(Crédito: Arquivo pessoal)
“Amamento meu filho desde que ele nasceu. Sempre foi um sonho amamentar – já que, em casa, vi minha mãe amamentar meu irmão caçula durante quase dois anos também. A amamentação foi bastante difícil nos dois primeiros meses, apesar da pega correta do meu filho. A apojadura é muito dolorida, a pega, mesmo correta, no meu caso, foi forte demais. Então, senti bastante dor no início. O bom é que passou com o tempo e eu consegui curtir esse momento. O maior incentivo, para mim, vem por saber que é um alimento riquíssimo para meu filho, uma proteção extra diante de tantas doenças.
Hoje, com a primeira dose da vacina contra a Covid-19, me sinto ainda mais confiante deste papel de proteção do aleitamento materno, sendo o que me faz perseverar. Para quem deseja amamentar seu filho pelo tempo recomendado, a dica é se informar e ter paciência. Tente ponderar as informações a respeito do uso de bicos e fórmulas – eles podem ser úteis, sim, mas nem sempre necessários. Cada caso é um caso. Estude sobre a amamentação, isso vai te deixar segura e em paz com a sua decisão de amamentar ou não seu bebê, independentemente do julgamento dos outros.”
CAMILA PAGAMISSE, MÃE DE GABRIEL, DE 17 ANOS, DANIEL, DE 10, E CATARINA, DE 2 ANOS
(Crédito: Arquivo pessoal)
“A amamentação é linda, mas temos que entender que ela pode ser fácil ou também poderá exigir determinação e persistência. Sou mãe de 3 crianças (um já adolescente), e as experiências foram totalmente diferentes. Com o primeiro bebê, demorei para acertar a pega. O peito machucou e sangrou, mas com persistência conseguimos 1 ano e 8 meses. Já o segundo foi bem tranquilo. Acertou a pega de primeira e não houve interferências. O aleitamento fluiu tranquilo até os 2 anos e 8 meses.
Já com a caçulinha, a pega também foi difícil – não é questão de experiência -, e o que me ajudou mesmo foi a visita de uma profissional, ainda no hospital, que me mostrou uma forma que não conhecia, que facilitaria a pega do bebê. Ainda estamos nessa jornada, Catarina está com 2 anos e 5 meses. Se posso dar um conselho é: não crie expectativas e se informe! E, principalmente, se surgirem dúvidas ou dificuldades, procure por ajuda”.
*PRISCILA CORREIA é jornalista, especializada no segmento materno-infantil. Entusiasta do empreendedorismo materno e da parentalidade positiva, é criadora do Aventuras Maternas, com conteúdo sobre educação infantil, responsabilidade social, saúde na infância, entre outros temas. Instagram:@aventurasmaternas