O chamado apagão no currículo descreve a lacuna profissional que surge quando uma mulher passa anos dedicada exclusivamente ao lar. Embora esse cuidado mantenha a rotina familiar funcionando, ele não aparece em currículos, promoções ou folhas de pagamento. Na prática, segundo o IBGE, as brasileiras destinam mais de 21 horas semanais às tarefas domésticas e à criação dos filhos — quase o dobro do tempo dedicado pelos homens.
Essa rotina intensa, além de invisibilizada, reduz as chances das mulheres no mercado de trabalho competirem em condições iguais. Consequentemente, o período fora da atividade remunerada pesa nos processos seletivos e alimenta um ciclo de desvantagem econômica. “Esse fenômeno acontece em um contexto de exigência e preconceito no qual essas mulheres ficam para trás e não conseguem se recolocar”, explica o advogado Renê Freitas, especialista em direito de família voltado ao público feminino.
Enquanto isso, a sociedade ainda trata o cuidado como uma obrigação natural, não como um trabalho de cuidado estruturante da vida de todos. Por isso, embora seja um serviço essencial, ele costuma gerar apenas cansaço — nunca reconhecimento formal.
Apagão afasta ainda mais as mulheres no mercado de trabalho
De acordo com o IBGE, mais de 40% das brasileiras que estão fora da força de trabalho apontam o cuidado com a casa e os filhos como o principal motivo. Além disso, a taxa de desemprego feminina continua superior à masculina, evidenciando as barreiras estruturais que dificultam a recolocação profissional.
Essas mulheres enfrentam um conjunto de desafios acumulados. Por exemplo, a falta de atualização técnica, o etarismo e o preconceito por terem priorizado o lar. Muitas vezes, o mercado as trata como inativas, mesmo que tenham administrado a casa, organizado finanças, cuidado de crianças ou até apoiado o crescimento profissional dos parceiros — funções associadas a competências que as empresas valorizam, mas raramente enxergam.
Freitas reforça que, após o divórcio, esse cenário se agrava: “Muitas precisam recomeçar do zero, principalmente quando continuam como responsáveis primárias pelos filhos”, diz. Esse recomeço exige energia, tempo e dinheiro — três fatores que se esgotam rapidamente quando não existe suporte.
O papel da pensão alimentícia na reconstrução da autonomia
Diante desse descompasso social, a pensão alimentícia surge como uma peça fundamental para garantir segurança financeira temporária. A Justiça reconhece que, para muitas mulheres, esse apoio é decisivo para retomar estudos, investir em capacitação e buscar autonomia financeira.
Segundo Freitas, esse direito reconhece o trabalho de cuidado como fundamental para a estrutura familiar e social. Em outras palavras, a pensão alimentícia permite que a mulher reorganize a vida e recupere condições reais de retorno ao mercado, especialmente após anos vivendo o apagão no currículo.
A lei avalia necessidade e possibilidade: o juiz analisa se a mulher realmente precisa do auxílio e se o ex-cônjuge tem condições de contribuir. Embora, na maioria dos casos, tenha caráter temporário, o benefício pode se estender quando há idade avançada, limitações de saúde ou prejuízos acumulados durante o casamento.
Quando a pensão é negada: o apagão vira ferida dupla
Mesmo com respaldo legal, muitos pedidos encontram resistência. Em diversas ações, ex-maridos tentam invalidar a pensão alimentícia, alegando que a ex-esposa “não fez nada” ao longo dos anos. Para Freitas, esse argumento ignora completamente a contribuição da mulher para o patrimônio familiar. “Para que ele pudesse se dedicar à própria carreira, ela estava em casa cuidando de aspectos essenciais”, afirma o advogado.
Quando essa ajuda financeira é negada, as consequências aparecem rápido: endividamento, insegurança alimentar e dificuldades para manter a rotina dos filhos. Além disso, o impacto emocional pesa muito. A mulher passa a administrar o lar, o cuidado e a busca por renda ao mesmo tempo, sem rede de apoio.
Assim, o reconhecimento social desse trabalho — tão indispensável quanto invisível — precisa caminhar junto do apoio jurídico. Caso contrário, histórias de abandono seguem se repetindo, alimentando a desigualdade.
Resumo: O apagão no currículo afeta milhares de brasileiras que passaram anos dedicadas à família e agora encontram barreiras para retornar ao mercado. A combinação de preconceito, desatualização e falta de reconhecimento torna esse processo ainda mais difícil. Nesses casos, a pensão alimentícia pode oferecer o suporte necessário para reconstruir a autonomia financeira e iniciar um novo ciclo.
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