A Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) entrou na vida da administradora de empresas Ana Carolina Rocha Pimenta, de 31 anos, poucos meses após o nascimento de sua única filha, Alice, hoje com um ano. “Além das cólicas, percebi que as fezes começaram a apontar focos de sangue, sintomas esses que se intensificaram e começaram a se repetir todos os dias”, conta.
Tais sintomas podem indicar a presença do problema, uma reação do sistema de defesa do organismo às proteínas do leite, que tem a caseína, a alfalactoalbumina e a betalactoglobulina dentre os principais causadores. Segundo o Ministério da Saúde, a APLV é um tipo de alergia alimentar mais comum em crianças de até dois anos.
“É importante salientar que a lactose é um açúcar do leite e não uma proteína. Estima-se que 6% das crianças tenham alergia alimentar, sendo o alimento mais frequentemente envolvido o leite de vaca”, ressalta o gastroenterologista e hepatologista pediátrico Gabriel Benevides, do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC-FMUSP).
Neste tipo de alergia, o corpo interpreta que a proteína do leite de vaca é algo “estranho”, e acaba reagindo contra a mesma. Além da ingestão deste tipo de alimento, o contato do leite com a pele também pode ser um problema para o alérgico em alguns casos. As reações, no entanto, dependem de cada um e devem ser avaliados de forma individual.
SERÁ QUE MEU FILHO TEM?
O sangue nas fezes, que chamou a atenção de Ana Carolina sobre a filha, costuma ser o sintoma mais frequente em bebês com o problema. Mas isso pode variar de acordo com a idade do paciente, ressalta o especialista.
Segundo Benevides, existem diferenças pontuais entre os tipos de APLV. Nos menores de um ano, por exemplo, é mais comum a alergia ‘não-IgE mediada’, que é quando as células de defesa vão lutar contra a proteína do leite de vaca bem no local em que estão, que é dentro do intestino. “Por isso, os sintomas são gastrointestinais”, explica Benevides.
Já nos maiores de um ano, o tipo mais comum é a alergia ‘IgE-mediada’, que é quando existe um anticorpo circulando no sangue que se liga à proteína que foi absorvida pelo intestino.
Assim, surgem manchas na pele, que parecem placas avermelhadas que coçam muito (urticária), além de inchaço/edema no corpo. “Também pode se ter acometimento gastrointestinal, respiratório ou cardiovascular”, explica o médico.
Ana Carolina e a pequena Alice (Arquivo Pessoal)
DIAGNÓSTICO
Para confirmar se uma criança realmente tem a APLV, são necessárias algumas etapas. A primeira delas é baseada em uma avaliação da história clínica do paciente. Deste modo, será possível investigar os sintomas e os alimentos associados ao quadro, além dos tipos de reação.
A alergia a ‘IgE mediada’ apresenta reações imediatas, que aparecem de segundos até duas horas após a ingestão do leite. Já a ‘IgE não mediada’ mostra reações tardias, que podem surgir horas ou dias após a ingestão.
Para o diagnóstico do tipo ‘IgE não mediado’, exames de sangue não ajudam. É preciso fazer o teste de exclusão e desencadeamento, quando se retira o leite da dieta da mãe entre duas a quatro semanas, por exemplo.
“Se os sintomas melhorarem, colocamos o alimento novamente no cardápio dela. Caso o quadro da criança piore novamente, o diagnóstico está fechado e se retira de novo leite e derivados da dieta”, explica o médico.
O mesmo tipo de teste é feito nos casos de alergia ‘IgE mediada’. Mas, neste tipo, existem exames de sangue que ajudam a predizer qual a probabilidade para a alergia.
A notícia pegou Ana Carolina de surpresa e trouxe diversas questões sobre como lidar com a novidade.”Pensava que o diagnóstico estava errado e, algumas vezes, arrisquei comer derivados para confirmar os sintomas”, revela.
TRATAMENTO
De acordo com o gastroenterologista e hepatologista pediátrico, o único tratamento eficaz, neste caso, é a dieta isenta das proteínas do leite. “Isso inclui leite de vaca, seus derivados e ainda produtos que contenham traços de leite”, explica.
Dependendo do grau da alergia, é preciso se atentar também à contaminação cruzada, que é quando um alimento acaba entrando em contato com outros através de utensílios de cozinha ou durante o preparo.
E essa restrição alimentar da mãe e do bebê vai precisar durar até, pelo menos, doze meses de vida da criança.
“Nos maiores de um ano, a cada seis meses realizamos um teste de provocação para saber se a criança já está tolerando o leite de vaca”, completa.
Foi exatamente isso que Ana Carolina fez. Após o diagnóstico, a mãe de Alice seguiu à risca as orientações do médico da filha.
“Como eu ainda amamentava, passei mais de seis meses de dieta dos alimentos, momento muito difícil pra mim. Mas percebi que estava fazendo efeito, pois Alice não tinha mais sintomas. Ela também precisou se adaptar ao leite especial, pois eu estava prestes a retornar ao trabalho. Nos adaptamos juntas, já que o leite é particularmente “diferente”. “, explica.
Para se adequar à nova alimentação, a administradora precisou fazer adaptações. “Me adaptei muito nas receitas de casa, já que não podia ir à restaurantes. Minha família passou a fazer bolos especiais e eu comi muita goiabada, que não tem proteína do leite! O mais difícil foi deixar de comer a sobremesa”, revela.
Crianças com APLV podem se alimentar com fórmulas especiais Reprodução/ Internet
TEM CURA?
Diferentemente da intolerância à lactose, que na maior parte dos casos é impossível reverter as restrições, a alergia à proteína do leite de vaca pode, sim, ter cura.
Ana Carolina conta que Alice já está passando pelo processo de transição há cerca de seis meses. “Introduzimos o leite normal, mas, na época, ela apresentou reações. Trocamos o leite e ficou tudo bem. Agora, com pouco mais de um ano de idade, ela já come itens como requeijão, manteiga, pão e não tem problema”, comemora.
O médico confirma que as chances de cura são, de fato, grandes. “Na criança menor de um ano que teve sangramento nas fezes, há quase 100% de chance de ela já aceitar leite de vaca quando tiver 12 meses de vida. Nos outros tipos, menos de 10% desses pacientes vão continuar com alergia na idade adulta”, conclui.
ALERGIA À PROTEÍNA DO LEITE X INTOLERÂNCIA À LACTOSE
Apesar de ambas serem causadas pelo consumo de leite, a intolerância à lactose e a APLV possuem características, sintomas e tratamentos muito diferentes.
“A quesito de comparação, a lactose é uma revista que você está segurando agora e a proteína do leite é a sala onde você está sentado. A primeira é uma molécula tão pequena que não ativa o nosso sistema de defesa, não leva a sangue nas fezes ou manchas na pele, por exemplo”, explica Benevides.
O médico completa, destacando os principais traços de cada um: “Os sintomas da intolerância à lactose são distensão abdominal, dor abdominal e diarreia, logo após a ingestão de lactose. Já na APLV, eles podem ser tanto gastrointestinais como “à distância”, como explicado anteriormente”.